Prólogo



PRÓLOGO

O RITUAL MACABRO








O odor dos vários tipos de incenso mesclava-se ao cheiro do medo e da excitação. Um círculo de pessoas encapuzadas, homens e mulheres entoavam, em voz baixa e monótona, um mantra em línguas mortas, proscrito por todas as sociedades místicas de bem. No centro do círculo, um altar de pedra ocupava lugar de destaque e, nele, uma criança encontrava-se amarrada pelos pulsos e tornozelos, assustada pelo que estava acontecendo, ainda que soubesse que teria de passar por aquilo, mais cedo ou mais tarde.
O círculo de pessoas abriu alas para a passagem de uma pequena procissão. À frente, quatro pessoas carregavam ânforas semelhantes a canopos egípcios, jarras utilizadas para acondicionamento das vísceras dos faraós mumificados. Atrás deles, um homem alto, também encapuzado, carregava uma varinha em uma das mãos e uma Cruz Ansata negra na outra. Quando a procissão posicionou-se à volta do altar, o mantra parou.
O homem alto abriu dois livros à sua frente e começou a recitar uma invocação em uma mistura de idiomas antigos, alguns deles totalmente extintos. A cada palavra, a energia maligna que permeava o ambiente era mais e mais perceptível, enquanto as palavras em Latim, Grego Arcaico, Egípcio, Atlante, Sumério, Valusiano, Hyrkânio, Kothiano, Vendhiano e outros idiomas que a maioria da Humanidade julgava serem fruto da imaginação de algum escritor de fantásticas histórias de ficção. À medida que o cântico ia sendo entoado, palavras como “Oferenda”, “Trevas”, “Órgãos” e “Seth” eram repetidas, até que o ritual macabro foi chegando ao seu auge e a criança no altar retorcia-se, instintivamente reagindo àquela obscenidade. Quando o ritual aproximava-se do seu término, a criança falou. Mas não foi uma voz infantil que disse as palavras que saíram de sua boca e sim, uma voz gélida e sibilante, em um tom de que seu dono queria ser simplesmente deixado em paz.
_Não, maldito! Eu não quero! Deixe-me aqui, deixe-me em paz!
_Mas era exatamente este o seu plano, Milorde, nós apenas o estamos executando como o senhor nos mandou.
_Isso já não tem mais importância alguma para mim, você não entende? Eu quero prosseguir, eu preciso prosseguir e vocês, especialmente você, estão me impedindo! Pare com isso, deixe-me em paz!!
_Isso já não será mais possível, Mestre. O ritual terá de seguir até o seu final. O senhor não tem como escapar. Seus planos seguirão como ordenado anteriormente.
_Seu maldito! Eu posso perceber o que você, realmente, está querendo!

Então, o homem que presidia o ritual baixou o capuz de suas vestes, revelando o seu rosto à pessoa que estava amarrada ao altar. Revelou-se a cabeça raspada, os olhos verdes magnéticos e amendoados, o bigode fino e o sorriso cruel.

“Escuridão”, o co-líder do Círculo Sombrio.

_Mas nada poderá fazer. Sim, eu alterei ligeiramente os seus planos, Milorde. O verdadeiro comando da Ordem das Trevas ficará comigo, nos bastidores. O senhor será a figura que agregará os efetivos ao seu redor, como nos velhos tempos. Mas não se preocupe, sua causa não será conspurcada. Embora tenhamos trouxas no Círculo, eles compartilham de sua visão das coisas e, pelo que soubemos, o senhor não desprezava todos os trouxas, não é mesmo? _ e “Escuridão” deu uma risada baixa.
_Maldito seja você, “Escuridão”! _ disse a criança, com a voz do velho, fervendo de ódio _ E você acha que eu irei submeter-me ao comando de quem quer que seja?
_Não terá alternativa, com a alteração que fiz no ritual, depois que o estudei no Necronomicon. Foi incluída uma Cláusula de Submissão, que irá mantê-lo sob minhas ordens.
_Seu desgraçado! Eu já sei quem você é!
_Mas nunca poderá dizer, pois a Cláusula de Submissão, aliada ao fato de eu ser o Fiel do Segredo da minha identidade impede que o senhor a revele, mesmo que tenha vindo de outro plano.
_Você, seu... seu ser perverso! Desde que o plano foi arquitetado, você já pensava em pervertê-lo, alterá-lo desta maneira! Você consegue ser pior do que eu jamais fui, pois eu nunca arquitetaria uma traição a tão longo prazo. “Escuridão”, você não passa de um ser sem honra, verdadeiro ゴキブリ, “Gokiburi”, uma barata que anda sobre duas pernas!
_Posso ser tudo isso, mas sou eu quem dita as regras, a partir de agora. E o senhor, Milorde, será tão somente a figura pública mas, na realidade, deverá obediência a mim. Esse é o maior prêmio que posso obter. _ e “Escuridão” novamente riu baixinho e recolocou o capuz, para a conclusão do ritual. Suas palavras, traduzidas dos idiomas originais, seriam mais ou menos assim:

_ “Ó Senhor das Regiões Sombrias, Senhor das Serpentes, maior dos deuses, Grande Seth, invoco-vos e solicito o antigo e proscrito Contrato de Anúbis, para que o espírito que procuro retorne do Mundo do Além para este plano de existência, no corpo que para ele foi destinado por laços indissolúveis. Trago à vossa presença as oferendas das vísceras rituais que estão nos canopos e, principalmente, esta que trago em minhas mãos e que deposito agora aos vossos pés.”

“Escuridão” descobriu um pequeno volume que foi depositado aos pés de uma estátua de Seth, atrás do altar. Os olhos da estátua brilharam e, banhado pela sua luz esverdeada, o conteúdo do volume foi revelado.

_ “Eis aos vossos pés, ó grande Seth, a principal das oferendas em vosso nome: Eis o cérebro de uma criança não-nascida, última peça necessária para completar nosso pedido e selar o Contrato de Anúbis. Que vós, ó Deus-Serpente, aliado ao Deus-Chacal, subtraiam da tutela de Osíris o espírito que procuro e tragam-no a mim, como prometido.”

O brilho verde na câmara ficou mais intenso e pareceu direcionar-se para a criança que estava amarrada. Ouviram-se, então, duas vozes que pareciam vir das profundezas da Terra e que diziam, em Egípcio Antigo:

_ “Vossas oferendas me agradaram, ó Devoto das Serpentes. O Contrato de Anúbis será selado e o Deus-Chacal lhe concederá a volta do espírito pelo qual buscas, dividindo o corpo destinado com o outro que a ele pertence. Assim falou Seth, o Deus-Serpente.”
_ “Ó Devoto de Seth, esta é a voz de Anúbis, o Deus-Chacal. Honrarei o contrato com Seth, pois as formalidades foram cumpridas, à risca. O espírito procurado já está no corpo destinado, dividindo-o com o seu original. Para que ele venha a manifestar-se, deverás fazer como já bem o sabes. Fizestes conosco o Contrato e apresentastes as oferendas. Agora, o que farás, é de sua inteira responsabilidade, bem como as conseqüências advindas de seus atos. Lembra-te de que, no dia de seu julgamento, sua alma será pesada. Assim falou Anúbis, o Deus-Chacal.”

Então, “Escuridão” finalizou o ritual, dizendo em Egípcio Antigo:

_ “Contrato completado!!!”

Naquele momento, um grito de sofrimento e grande agonia saiu da boca da criança amarrada no altar, um grito no qual ouviam-se, ao mesmo tempo, a voz da criança e a voz do velho.

Ao mesmo tempo, a milhares de quilômetros dali, em Godric’s Hollow, na Grã-Bretanha, um homem levantou-se do leito conjugal, assustando a bela mulher ruiva que dormia ao seu lado, sua esposa. O nome do homem? Harry Tiago Potter. Normalmente, um pesadelo como aquele não o abalaria por mais do que um curto período de tempo. Mas aquele, especialmente, deixou-o bastante preocupado, pois ocorrera uma coisa que ele não sentia há bem mais de dez anos.

A cicatriz em sua testa, na forma de um raio, estava doendo.

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