Capítulo 3




— Xeque-mate!
Foi um grito de triunfo e Salena bateu palmas, encantada, dizendo:
— Ganhei! Ganhei pela primeira vez!
O duque olhou para o tabuleiro de xadrez, com expressão perplexa.
— Eu devia estar dormindo, ou pensando em outra coisa, para deixar que você me pegasse desprevenido.
— Ganhei, mesmo? Você não estava sendo… generoso?
— Claro que não! Gosto de mostrar minha superioridade, ganhando sempre que possível.
— Não, desta vez!
— Não. Você venceu, realmente.
Salena riu de novo, de pura alegria. Quando levantou e foi até a janela, olhando para o jardim, o duque achou inacreditável tão grande mudança.
Como se estivesse pensando a mesma coisa, Salena disse:
— Isto aqui é lindo. Todas as vezes que olho para as flores e para o azul do mar, fico pensando como sou feliz. Sabe que já faz três semanas que estamos aqui?
O duque achava difícil acreditar que tanto tempo tivesse passado, desde o dia em que havia atracado na baía. Ele e Salena ficaram no convés do Afrodite, vendo os navios costeiros marroquinos navegarem preguiçosamente de um lado para o outro, atirando suas redes.
Salena olhou para os morros que brilhavam ao sol e para os minaretes do palácio do sultão. O duque apontou para um lugar um pouco fora da cidade, onde havia plantações de laranjeiras e de oliveiras.
— Minha vila fica lá e acho que você a achará mais bonita e, certamente, mais confortável do que o palácio do sultão!
Em vista disso, Salena esperava qualquer coisa excepcional, talvez parecida com a vila do príncipe em Monte Carlo.
Realmente encontrou um verdadeiro palácio em estilo mourisco, com pátios, terraços frescos e inúmeros aposentos ocupando grande parte do terreno. A casa era cercada por um jardim tão bonito-que Salena não tinha palavras para descrevê-lo.
O duque explicou que o pai havia passado os últimos anos de vida em Tânger, comprando e ampliando a vila. Dedicou-se principalmente ao jardim, que já era excepcional, e se tornou um dos mais belos de toda Marrocos.
O duque disse ainda a Salena que fazia dois anos que não vinha ali, mas que não precisava se preocupar com isso, pois havia empregados que cuidavam de tudo.
Logo depois de ter herdado o título, seu administrador de Combe, que estava ficando velho, foi aconselhado pelo médico a procurar um clima mais ameno.
O duque mandou, então, o sr. Warren e a mulher para Tânger, sem nada mais trabalhoso do que manter a vila sempre preparada para recebê-lo.
Se Salena não estivesse em sua companhia, não teria avisado os Warren, chegando de surpresa, como sempre o fazia. Mas passou um cabograma aos caseiros, avisando-os da data da chegada do iate a Gibraltar.
Bastou um olhar para a vila para saber que não tinha necessidade de avisá-los. As paredes haviam sido pintadas recentemente, os quartos arejados, e o jardim parecia ainda mais exótico.
O duque achava que aqueles dias de beleza e de sossego tinham afastado os receios de Salena e que ela estava voltando ao que devia ser, antes da terrível experiência em Monte Carlo.
Depois de ter chorado nos braços dele, aquela noite no iate, foi fácil fazer com que a moça lhe contasse o resto da história, quase sem perceber o que fazia.
O que ela deixou de contar pareceu óbvio ao duque. Podia compreender muito bem que, não tendo experiência com os homens de vida social, ela a princípio tivesse ficado perplexa e depois aterrorizada. Ainda mais, porque sempre havia sido protegida.
Apesar de tudo, qualquer moça de dezoito anos, mesmo que fosse mais sofisticada, ficaria enojada e mentalmente afetada em tal situação. O duque compreendia que a extraordinária resistência de Salena, ao nadar durante tanto tempo, foi o resultado de estar motivada por uma emoção violenta. Era mais ou menos a mesma coisa que acontecia com um homem encolerizado. Ele seria capaz de lutar por dois, simplesmente pelo fato de estar” sob o domínio da emoção.
Depois de semelhante experiência, era inevitável que houvesse conseqüências de ordem mental e física.
O duque era bastante esclarecido para saber que ainda levaria tempo para Salena ficar completamente curada e esquecer os horrores a que tinha sido submetida. Nada melhor para isso do que ficar na vila só com ele e com os criados marroquinos, calmos, discretos, que trabalhavam sob as ordens de Warren e sabiam se manter quase invisíveis.
Era o mesmo que estarem sozinhos numa ilha de sonho. A cada dia, o duque ficava mais encantado com Salena. Aos poucos, ela contou tudo que lhe havia acontecido em Monte Carlo.
Mas guardou segredo de duas coisas: sua identidade e a identidade do homem que a surrou.
O duque ficou perplexo por ela não confiar totalmente nele, mas depois compreendeu que Salena, na realidade, queria proteger o pai.
O que não sabia era que estava assumindo um papel cada vez mais importante na vida dela. Além do medo do príncipe e de todos os homens iguais a ele, Salena sentia ansiedade quanto ao seu futuro, procurando, no entanto, afastar tais pensamentos. Dizia a si mesma que não permitiria que isto estragasse sua felicidade presente, nem a alegria de estar num lugar tão maravilhoso.
Todas as noites, quando fazia suas orações, agradecia a Deus por salvá-la e ter permitido que seu salvador fosse o duque.
Apesar de tudo, a idéia de outros homens ainda era aterradora. Por isso, evitava andar pelas ruas de Medina, onde havia barracas que vendiam peças de artesanato encantadoras, sobre as quais tinha lido muito.
Queria ver coisas, não gente. Temia o contato com outras pessoas, além do duque.
Ele compreendia tais sentimentos, e sentiu grande alívio por não ter que correr atrás dela por ruas estreitas e abafadas, fazendo compras, como outra mulher poderia ter esperado dele.
Detestava ser importunado por vendedores de jóias baratas, de cerâmica, especiarias e tapetes, coisas das quais não precisava.
Na última vez que foi a Tânger, levou uma linda moça da sociedade, uma das antecessoras de Imogen. Ela queria comprar tudo que via; embora o duque tivesse achado isso divertido, não tinha intenção de ver uma repetição daquela ganância.
Levou Salena de carro para o interior, para visitarem as planícies férteis habitadas por tribos mouras. Ela ficou maravilhada quando viu pela primeira vez as romãzeiras, as tamareiras, as nogueiras, as figueiras e as oliveiras, assim como se encantou com a aparência colorida das pessoas que encontravam na estrada.
O duque mostrava os vendedores de água, vestidos de vermelho-vivo e tendo nas costas uma pele de cabra ainda com pêlos. As mulheres de véu djellaba e os homens de fez vermelho na cabeça, calções verdes e chinelos amarelos fizeram com que ela sentisse que tudo fazia parte de um conto de fadas.
O duque falou-lhe dos berberes, que pertenciam a uma raça magnífica, antiga e misteriosa, que vivera na África do Norte, principalmente nas montanhas, desde o começo da civilização. Salena ouviu com atenção, quando ele contou que o berbere era alto, corajoso, muitas vezes um lingüista brilhante e um grande agricultor.
— Talvez você goste de saber que Santo Agostinho, assim como outros homens notáveis, era berbere.
Era uma novidade para o duque encontrar uma mulher que queria conversar com ele intelectualmente e, mais estranho ainda, que desejava que lhe desse informações sobre coisas que não a atingiam pessoalmente.
Às vezes, ele a punha à prova, um ou dois dias depois, para ver se Salena tinha ouvido realmente e compreendido. Invariavelmente, descobria que ela não só se lembrava, como havia pensado sobre o assunto, tirando suas próprias conclusões.

Estamos aqui há três semanas, repetiu para si mesmo.
Estava reclinado na cadeira, olhando para a silhueta de Salena contra o sol, lá fora.
Meses antes, se alguém lhe tivesse dito que ia ficar durante tanto tempo sozinho com uma mulher sem se cansar, não teria acreditado. Até mesmo dos seus casos ardentes ficava logo entediado, quando não estava fazendo amor. Agora, surpreendentemente, cada momento era uma delícia.
Passava o tempo todo com Salena, não a deixando nem mesmo para ir andar a cavalo, como teria feito se estivesse em companhia de qualquer outra pessoa. Sabia que a moça sentiria medo, em sua ausência, e não queria que tivesse uma recaída, agora que parecia tão alegre.
Era suficientemente honesto para reconhecer que havia mais do que isso. Mas se recusava a admitir que estava apaixonado. Desde aquela noite em que desejou beijá-la porque a achou tão patética, o desejo não só de beijá-la, mas de segurá-la nos braços e fazer amor com ela, tinha sido uma tentação permanente.
Acostumado a ser a caça e não o caçador, nunca teve que controlar seus desejos nem que refrear as paixões. Mas sabia que, com Salena, uma palavra imprudente, um gesto não controlado poderiam abalar a confiança que a moça tinha nele e fazer com que voltasse o medo que ainda não estava muito longe da superfície.
Assim sendo, ele se obrigou a um tremendo controle e a uma disciplina tão nova e tão incomum, que às vezes ria dos próprios esforços.
Sabia que ferir Salena, depois do comportamento infame do pai e do outro homem, seria uma traição que ela jamais perdoaria.
Eu a amo!, pensou. Amo-a como jamais amei mulher alguma.
Ficou admirado de sua capacidade de sentir tão intensamente, tão profundamente. Era como se dissesse, como outros amantes haviam dito desde o início do mundo: ”Isto é diferente. Jamais acreditei que o amor pudesse ser assim”.
Mas era verdade. Isso era diferente!
O duque nunca tinha desejado proteger uma mulher, cuidar dela. Sempre se preocupava com os próprios sentimentos, não com os da mulher.
O amor jamais lhe pareceu mais espiritual do que físico, mas ele sabia que a necessidade que tinha de Salena era um fogo que o queimava por dentro, sempre crescendo em intensidade.
Ela saiu do jardim e veio ao encontro do duque.
A sala onde ficaram sentados era muito fresca e decorada com os mais belos mosaicos. Havia tapetes tão preciosos que deviam estar pendurados nas paredes; os sofás confortáveis estavam cheios de almofadas coloridas. Era uma sala planejada para descanso, além de conter tesouros que Salena havia examinado com espanto e admiração.
— Quando refrescar, podemos ir até a praia? — ela perguntou. — É agradável e lindo perto do mar.
Havia um caminho sinuoso e estreito por onde se descia até a praia, pelo rochedo. O duque achava que era um bom exercício descer com Salena por ali para caminharem durante quilômetros pelas areias douradas, depois que o calor diminuía.
— Acho que a única razão de você querer ir ver o mar é porque está com vontade de nadar.
— Seria ótimo nadar com você.
— Estive pensando em mandar construir aqui uma piscina. Para dizer a verdade, já discuti isto com o sr. Warren.
— Uma piscina! Seria maravilhoso! Não nado numa piscina desde que estive em Bath. Lá, a água é naturalmente quente.
— A água, aqui, é quente por causa do sol. O difícil vai ser mantê-la fresca!
— Quando é que poderia ficar pronta? Ele riu.
— Levará tempo. Nada é feito depressa nos países árabes.
Viu a excitação desaparecer do rosto dela e lembrou que Salena não estaria ali, quando a piscina ficasse pronta. Pouco depois, ela disse:
— Estive pensando, ontem à noite, que logo você vai querer… partir.,
— Por que pensou nisso?
— Dalton esteve dizendo que nunca o viu ficar tanto tempo aqui, ou em qualquer outro lugar. Não foi uma queixa; só um comentário. Ele gosta daqui.
— Agrada-me saber que ele gosta. Mas, e você?
— Sabe que adoro. É o lugar mais maravilhoso que já vi. É como viver no paraíso. — Olhou para fora da janela e depois para o duque. — Mas eu estaria feliz em qualquer parte do mundo, se… estivesse com você.
Falou com a espontaneidade de uma criança, e mais uma vez ele achou difícil saber o que ela sentia por ele como homem. O duque achava que, pelo fato de ter vivido num convento nos dois últimos anos e por não ter experiência, Salena não sabia o que era coqueteria.
Havia também a reação natural pelo fato de ter sido assaltada por um bruto cujo único pensamento era a luxúria, de modo que ela fugia de tudo que pudesse envolvê-la como mulher.
Será que me ama? ele pensou, pela centésima vez. Não havia dúvida de que gostava de estar com ele. Salena não sabia esconder seus sentimentos. Quando o duque entrava na sala, o rosto dela se iluminava. Depois, corria e segurava-lhe a mão. Conversava com naturalidade, sem afetação e sem constrangimento.
Ele ia até o quarto dela para dar boa-noite e nunca ocorreu a Salena que isso era repreensível ou mesmo pouco convencional.
O duque estava convencido de que ela o considerava seu protetor, a única coisa estável que tinha na vida. Jamais lhe passou pela cabeça, por um momento sequer, que ele poderia ser um amante em potencial.
Salena se aproximou do duque e, como fazia muitas vezes, sentou no chão aos pés dele.
— Há tantas coisas que eu gostaria de fazer com você — disse, como se pensasse alto. — Você falou que eu devia esperar até ficar completamente boa, e agora estou bem, garanto.
— Então, o que gostaria de fazer?
Salena ergueu o rosto, e ele achou que estava ainda mais bonita. Havia nela um ar etéreo, e o mais fascinante era que não percebia o quanto era atraente.
De certo modo, o duque podia compreender o homem que a comprou do pai, desejando-a a ponto de perder a cabeça. O fato de tê-la tão perto fazia seu coração bater acelerado e as veias latejarem nas têmporas. Foi preciso um esforço para não tomá-la nos braços e apertá-la contra o peito.
— O que deseja fazer? — repetiu, tentando controlar a emoção. Ela ergueu a mão esquerda e contou nos dedos.
— Um: gostaria de ir nadar com você. Dois: gostaria de andar a cavalo, como me prometeu. Três: quero explorar as montanhas que ficam além da planície e onde, como me disse, se vê a verdadeira Marrocos, onde os turistas nunca vão.
— É um programa e tanto! Mais alguma coisa? Salena abriu os braços.
— Dezenas e dezenas. Vou fazer uma lista, se você quiser. Gostaria que você me contasse e me ensinasse muitas coisas, e o mundo é muito vasto.
— Por essa observação, acho que está insinuando que o Afrodite está na baía, esperando para nos levar a outras terras.
Salena respirou fundo.
— Sei que é um… sonho impossível. Mas, às vezes, antes de adormecer, imagino que estamos navegando para o desconhecido… até encontrarmos uma terra que ainda não foi descoberta.
— Não há muitas. E talvez estejamos numa terra menos desenvolvida do que qualquer outra.
— Por quê?
— Uma das razões é que os desertos estão ocupados por tribos ferozes de bandidos e assassinos.
— Então, não vamos lá. Imagino se você fosse feito prisioneiro… ou assassinado. Eu não poderia suportar isso!
Havia na voz da moça uma nota que o duque achou muito comovente.
— Fico pensando se você se importaria realmente…
Antes que ele pudesse terminar a frase, a’cortina que cobria uma das entradas da sala foi afastada e um criado nativo entrou com uma visita.
Por um momento, o duque olhou, incrédulo, para a recém-chegada. Compreendeu, tarde demais, que devia ter dado ordem para que dissessem que ele não estava em casa, se aparecesse alguém.
Nunca imaginou que os amigos soubessem onde ele se encontrava, e agora era tarde demais. Imogen adiantava-se para ele. Imogen, com um sorriso no rosto bonito.
Estava muito elegante e sofisticada, com um vestido evidentemente parisiense e um chapéu que devia ter deixado os marroquinos atônitos, quando ela se dirigia para a vila.
— Está admirado por me ver, Hugo?
Havia em sua voz uma nota que dizia que ela esperava que estivesse, não admirado, mas encantado.
Ela levantou e se pôs de pé, imediatamente. Ficou por um momento olhando para a mulher elegante, depois saiu correndo da sala, por outra porta.
Imogen ficou olhando-a com ar indagador.
— Quem é essa? — perguntou Imogen, com uma certa brusquidão.
O duque rebateu com outra pergunta:
— Por que veio?
— Achei que você viria para cá. — Aproximou-se e o encarou. — Como é que pôde ser tão cruel, tão maldoso, me abandonando daquele jeito? Não parecia coisa sua, Hugo. Vim para lhe dizer isso.
— Quem a trouxe?
Imogen riu baixinho.
— Não precisa ficar com ciúme, querido, Não foi o grão-duque. Contaram-me, lá na vila, que você tinha ido para o jardim à minha procura e que não voltou, de modo que adivinhei o que aconteceu. — Sacudiu a cabeça. — Sabendo o quanto tínhamos significado um para o outro, certamente você não iria se importar com uma coisa tão trivial, tão sem importância como um beijo.
O duque não disse nada. Perguntava a si mesmo como pôde, um dia, achar Imogen atraente. Havia nela qualquer coisa tão superficial que era de admirar que ele não tivesse notado antes.
— Lamento que você tenha vindo de tão longe para explicar uma coisa que não necessita de explicação.
— Que quer dizer com isto?
— Quero dizer que somos ambos civilizados. Sinto-me grato, Imogen, pela felicidade que me proporcionou e pelos dias agradáveis que passamos juntos, mas isso acabou.
Viu pela expressão dela que, nem por um momento, imaginava que a ligação deles tivesse realmente terminado. Era pretensiosa demais para pensar que um homem pudesse se cansar dela, antes que se cansasse dele.
Com certeza, Imogen achava que ele tinha partido num acesso de ciúme o que bastaria ela aparecer, para que compreendesse que não podia viver sem a amante.
— Não pode estar falando sério, Hugo!
— É muito melhor sermos francos a respeito dessas coisas. Imogen fez um esforço para falar em tom persuasivo.
— Ainda está zangado comigo, e é tolice sua, porque sabe que o amo e que não há nenhum outro homem na minha vida. — Viu que não o convencia e continuou: — Ninguém deve levar o grão-duque a sério. Não pode permitir que ele estrague a felicidade que nós dois tivemos juntos neste último ano.
O duque não respondeu, ela começou a ficar nervosa.
— Se tive um flerte com Boris foi porque você não parecia me querer a seu lado para… sempre. Não me pediu, querido Hugo, para casar com você.
Chegou mais perto dele, esperando que a abraçasse, os lábios prontos para receber os dele.
O duque se afastou bruscamente e foi até a escrivaninha.
— Vou lhe dar um cheque, Imogen, para compensá-la por qualquer desconforto que minha partida súbita tenha causado.
Encontrará também suas roupas e suas jóias a bordo do Afrodite. Provavelmente, viu o iate, quando chegou aqui.
— Não só o vi, como já estive a bordo. Eu não podia acreditar que você quisesse me privar das jóias que me deu e que prezo tanto, porque são uma prova do seu amor.
O duque abriu o talão de cheques.
Como se de repente compreendesse que a doçura da voz e as adulações de nada adiantavam, ela bateu o pé.
— Não quero seu dinheiro, Hugo. Quero você! Pare de fingir! Pode mandar buscar a minha bagagem, e seremos felizes, juntos, como sempre fomos.
— Não estou fingindo: Nem a estou convidando para ficar aqui como minha hóspede.
— Hugo! — A palavra pareceu ecoar por toda a sala.
— Lamento se a perturbo — disse o duque, de costas para ela. — Mas eu estava dizendo a verdade: acabou tudo.
— Não acredito! Você só está dizendo isso porque quer que eu me ajoelhe e peça perdão por ter deixado que Boris me beijasse. O beijo não significou nada! Você estava se divertindo nas mesas de jogo. Por que é que eu não podia me divertir um pouco?
— Não a estou recriminando — disse ele, com ar cansado. Levantou com o cheque na mão e aproximou-se da moça. — Pegue isto, Imogen, e permita que mais uma vez eu lhe agradeça os dias que passamos juntos. Faça o possível para me esquecer no futuro.
— Esquecer você?!
Ao mesmo tempo que protestava, pegou o cheque. O duque percebeu que ela pretendia rasgá-lo, até ler a quantia enorme.
— Acha realmente que pode viver sem mim? — perguntou Imogen, agora em tom diferente.
— Tenho tanta certeza disso como de que você pode viver sem mim.
— Sempre pensei, Hugo, que um dia nos casaríamos. Fomos feitos um para o outro.
— Eu não seria o marido certo para você. Imogen suspirou.
— Acho que você não é do tipo casadouro, embora eu saiba que sempre haverá mulheres em sua vida. Que é que aquela menina… porque não parece mais do que uma criança… significa para você?
— Isso é só da minha conta.
— Já a vi antes, em algum lugar — disse ela, franzindo a testa, esforçando-se para lembrar.
— Já?
Queria perguntar onde Imogen tinha visto Salena e se sabia o nome dela. Mas disse a si mesmo que não devia espionar a mulher que amava e, muito menos, envolver Imogen no segredo dela.
— Tenho certeza de que você tem uma carruagem à espera — disse ele. — Ou quer que eu providencie uma?
— Está mesmo me mandando embora, Hugo? Não acho isso possível!
O tom era realmente de incredulidade. Mas o duque notou que ela guardava o cheque numa bolsinha de seda presa por fitas na cintura.
— Acho que seria desagradável para nós revolvermos o passado e, talvez, estragarmos as coisas que merecem ser lembradas — disse ele. — Tenho certeza de que, no futuro, veremos as coisas sob outro aspecto e poderemos ser amigos.
— Não tenho vontade de ser sua amiga. Eu o amo e você disse inúmeras vezes que também me amava. — O duque não respondeu. Compreendendo que não adiantava insistir, ela continuou: — Muito bem. Mas não posso deixar de pensar que se arrependerá de me despedir assim, sem necessidade. Você teve um ciúme absurdo, ridículo. Só porque não quer reconhecer que foi errado e pouco gentil da sua parte me deixar em Monte Carlo, é que agora está fazendo com que eu saia de sua vida.
Era uma explicação que ela daria a si mesma para pôr a culpa nele e se livrar de qualquer responsabilidade.
— Pode parecer ridículo para você, Imogen, mas a verdade é que, no passado, sempre teve coragem de enfrentar a verdade.
Isso não era exato, mas o duque achou que seria um consolo para o orgulho dela.
— Se não me quer mais, Hugo, há muitos homens que querem. — Virou-se para sair e acrescentou: — Não vai me dar um beijo de despedida, pelos velhos tempos?
O duque sabia que era um último esforço para excitá-lo.
— Acho que seria mais natural que eu a acompanhasse’ até a carruagem e que nos despedíssemos de maneira cordial.
— Muito bem, se é o que quer.
Insultada e humilhada, Imogen atravessou a sala. Não falaram, até chegarem à porta da frente.
Havia ali muitos criados atentos, mas, antes de entrar na carruagem que tinha um toldo branco como proteção contra o sol, ela estendeu a mão enluvada, num gesto imperioso.
— Adeus, Hugo. Mas, se você se arrepender de sua decisão antes de eu zarpar, poderá ser apenas au revoir.
O duque levou a mão dela aos lábios e não disse nada. Na realidade, Imogen estava pedindo que lhe desse outra chance; mas sabia, ao vê-la se afastar, que não sentia mais nada por aquela mulher.
Salena lhe havia mostrado o quanto Imogen era falsa e superficial e que o sentimento que teve por ela não merecia o nome de amor.
Voltando lentamente para dentro de casa, refletiu que, se ele tinha mudado a vida de Salena, a dele também não era a mesma por causa dela.
Via agora que antes aceitava os valores falsos. A pureza de Salena, sua inocência, sua fé em Deus tinham indicado ao duque um novo senso de valores, nos quais deixara de pensar desde muito jovem.
Em determinada época, tinha sido muito idealista e se considerava um defensor de tudo o que era nobre e digno. Quando estava em Oxford, dizia a si mesmo que, quando herdasse o título, ia se valer de sua posição para mudar muitas coisas na Grã-Bretanha imperialista, coisas que precisavam de reforma.
Tinha um pequeno círculo de amigos e à noite, depois das aulas, ficavam sentados, fazendo planos para transformar o mundo. Discutiam as injustiças da lei, a negligência, as privações e a fome que ainda existiam na Inglaterra apesar de ser o país mais rico da Europa. Eles tinham sido como cruzados, achava o duque, dedicando-se a uma Guerra Santa contra, não os infiéis, mas contra tudo que necessitasse do desafio de novas mentalidades.
Estavam dispostos a lutar pelo que fosse direito, prontos a desafiar o que estivesse errado.
Olhando agora para trás, o duque percebia com que facilidade tinha se desviado do curso traçado para ele próprio!
Quando herdou o ducado, logo apareceu muita gente disposta a mostrar como poderia se divertir e a ajudá-lo a gastar sua imensa fortuna.
Havia corridas de cavalos, caçadas para as quais o próprio príncipe de Gales gostava de ser convidado, festas quase obrigatórias em Londres, e, no campo, em suas propriedades, inúmeros problemas que precisavam ser resolvidos.
Pouco a pouco, foi perdendo contato com os amigos de Oxford, ou então, assim como ele, esses amigos tinham sido arrastados pela correnteza social, em vez de lutar contra ela.
Foi Salena quem lhe mostrou o caminho de volta.
Ficou imaginando o que teria ela achado de Imogen, temendo que o inesperado aparecimento daquela estranha a tivesse perturbado.

Salena não estava na saleta, e o duque foi à sua procura, certo de encontrá-la no quarto. Era um aposento grande, pegado ao dele, porque a moça ainda tinha medo dos pesadelos.
Ela estava sentada no banco junto à janela, e, ao ver-lhe o rosto, o duque percebeu que a chegada, de Imogen realmente a deixara perturbada.
— Ela já foi — disse, como se Salena lhe tivesse feito uma pergunta. — E não voltará.
Sentou-se ao lado dela, nas almofadas macias que cobriam o banco da janela.
— Por que está aborrecida?
— Eu não sabia… que havia mulheres em sua vida… assim…
Era uma resposta inesperada. Não sabendo o que dizer, ele foi evasivo:
— Creio que não compreendo o que está insinuando.
— Quando vi você no cassino, pela primeira vez…
— Você me viu no cassino? Nunca me contou isto.
— Eu o vi andando por entre a multidão, sozinho. Mas achei que haveria mulheres cheias de jóias, à sua espera.
— Por que pensou isso?
— Não sei. Pensei, apenas. Depois, quando o encontrei sozinho no iate e foi tão bom para mim… imaginei que era diferente dos outros homens que conheci; homens que só sabem rir, beber e falar uns dos outros.
— Eu sou diferente! E lady Moreton, a senhora que esteve aqui, não significa nada para mim.
— Ela é… muito bonita.
O duque compreendeu que Salena se comparava com Imogen e que, pela primeira vez, estava constrangida ao pensar em competir aos olhos dele com outra mulher. Imogen tinha trazido uma onda de realidade para a ilha encantada em que viviam. Era imperdoável ele não ter tomado precauções contra visitas indesejáveis.
Como amava Salena e tinha medo da expressão dos olhos dela, disse:
— Sou homem Salena, e creio que seria insultar sua inteligência se eu lhe dissesse que não houve mulheres em minha vida.
Houve silêncio e o duque não ousou olhar para saber como é que Salena aceitava aquilo. Então, ela disse, timidamente:
— Acho que eu devia saber disso! Sei que os outros homens são assim, até mesmo pa…
Interrompeu-se. Esteve a ponto de dizer ”papai”, mas, após uma pausa, continuou:
— É que você… parecia diferente. Não tinha pensado em você deste modo. Foi estupidez da minha parte.
— Não foi, não. Nas últimas semanas, Salena, descobrimos coisas novas a respeito de nós dois. — Escolheu com cuidado as palavras, ao continuar: — Mesmo que nunca mais a visse depois de hoje, sei que o que você significou para mim permaneceria e mudaria minha vida. O que, aliás, é o que pretendo fazer. Sinto que, de certo modo, até conviver com você, eu andava por aí à solta, procurando resolver que rumo tomar e achando difícil escolher o melhor caminho.
— Você quer dizer, o tipo de vida?
— Exatamente! Agora, depois de todas as nossas conversas… e falamos de muitas coisas sérias… Pretendo viver de maneira diferente.
Ficou admirado com a própria decisão. Sabia que desejava que as coisas fossem diferentes, sabia que queria Salena, mas ainda não tinha coragem de falar.
— Há muitas coisas para serem feitas na Inglaterra, das quais eu devia ter cuidado há muito tempo — disse ele. — Quando eu voltar, vou tratar disso e dedicar mais tempo à política.
— Acho que isso seria o mais indicado. Você não é apenas importante; é inteligente, tem uma mentalidade brilhante.
O duque sorriu.
— Espero que não se engane. Nem todos partilham dessa opinião a meu respeito.
— Mas tenho certeza de que vão mudar de idéia.
O duque quis dizer que precisava da ajuda e da inspiração dela, mas tinha a impressão de que a sombra de Imogen ainda estava entre eles.
— Acho que seria uma boa idéia se hoje à noite discutíssemos as coisas que achamos que devem ser feitas; talvez possamos fazer uma lista delas.
— Você quer dizer… assim como a lei sobre o emprego de crianças?
— Exatamente!
— No convento, ouvi dizer como as costureiras são mal pagas na França. A irmã superiora, que costumava falar dessas coisas, disse que na Inglaterra há mulheres que pregam botões em camisas e têm que pregar milhares por semana para conseguir alguns pence para não morrer de fome.
— São esses os problemas que devemos examinar e ver o que podemos fazer a respeito. — Olhou para a janela. — Está refrescando. Quer ir para o jardim?
Levantou e estendeu a mão para Salena. Teve a impressão de que ela hesitou ligeiramente, antes de segurá-la, quando, uma hora antes, teria feito isso imediatamente. Por causa de Imogen, as coisas haviam mudado. Pela primeira vez, Salena pensava nele como um homem com as mesmas paixões e os mesmos desejos dos outros homens.
Salena atravessou a saleta, tocando num objeto e em outro. O duque a observava com expressão indagadora.
Sabia que, dois dias antes, ela teria sentado a seus pés, conversando animadamente e com a naturalidade de uma criança.
Mas, desde o aparecimento de Imogen, Salena adotava uma atitude reservada que antes não existia.
A moça ainda ouvia atentamente o que o duque lhe dizia, e seus olhos brilhavam quando ele entrava na sala; ao mesmo tempo, estava tensa.
— Você anda muito inquieta. Talvez seja hora de irmos em busca de novos horizontes.
Ela se virou sobressaltada.
— Você quer… ir embora?
— Estava pensando em você. Parece entediada.
— Claro que não estou! Como poderia me entediar a seu lado? É que apenas…
— Apenas o quê?
Salena sentou no chão a seu lado. Não olhou para ele, mas para a frente e pareceu escolher as palavras com cuidado.
— É que não posso impedir… Não posso deixar de me sentir assim, pensando que talvez você queira ir para a companhia de seus amigos e que esteja aqui apenas por… bondade para comigo.
— No passado, fui muitas vezes acusado de ser egoísta e de pensar mais nos meus interesses do que nos dos outros. — O duque sorriu. — Pode ficar tranqüila: sinto-me muito feliz aqui. Quando tiver vontade de partir, eu o farei sem cerimônia. Ou, digamos, sem consideração por você ou por quem quer que seja.
Salena ergueu a cabeça e olhou para ele.
— É mesmo verdade?
— Garanto que, quando possível, sempre digo a verdade. Mentir pode dar muito trabalho desnecessário.
— Acredito. Também estou muito, muito feliz, aqui. Mas chegará o dia em que você terá que… voltar.
O duque sabia que Salena estava preocupada com o que aconteceria a ela, quando esse momento chegasse.
— Vamos deixar isso para a ocasião oportuna. No momento presente, não posso pensar em lugar mais bonito nem mais agradável do que Marrocos, nesta época do ano.
Percebeu que suas palavras a tranqüilizaram.
— Então, já que vamos ficar, posso sair a cavalo com você hoje à tarde ou amanhã cedo?
Ele ia responder, quando um criado entrou na sala.
— Que houve? — perguntou, impaciente.
— Está aí uma senhora que quer vê-lo, patrão. Diz que é muito importante.
— Uma senhora?
— A mesma que veio anteontem. Parece muito agitada.
O duque fechou a cara. Tinha dado ordem para não ser perturbado se viesse alguma visita, fosse quem fosse, e que sob nenhum pretexto a visita deveria ser levada à saleta sem ser anunciada. Sabia, entretanto, que se Imogen quisesse vê-lo, insistiria tanto que os criados acabariam vencidos.
Antes de levantar, colocou a mão no ombro de Salena.
— Não me demoro e vou dar ordem para que preparem os cavalos para hoje à tarde, assim que refrescar um pouco.
— Será maravilhoso!
Mas uma sombra havia toldado de novo o olhar da moça.
Assim que se viu sozinha, ela levantou. Estava perturbada e sentia uma dor no coração. Por que seria que a bela lady Moreton tinha voltado? Que queria com ele? Se estava tão interessada em vê-lo, por que não lhe pediu que fosse visitá-la?
Eram perguntas para as quais não tinha resposta. Atravessou a porta-janela e foi para o jardim. Mas, pela primeira vez, a beleza do lugar não despertou entusiasmo em Salena.
Ela pensava apenas num rosto bonito virado para o duque com expressão de súplica, e sabia que, em contraste com a sofisticação e a elegância da outra, ela devia parecer sem graça e caipira.
Não podendo ficar sossegada, foi até o fim do terraço para olhar, não para o mar, e sim para as montanhas que se erguiam azuis e arroxeadas contra o céu. Eram maravilhosamente imponentes, mas Salena mal reparava nelas. Sua agitação e sua dor pareciam crescer a cada momento.
De repente, ouviu um som no jardim. Não foi alto, mais parecendo o grito de um animal ferido. Ficou a escuta, imaginando o que poderia ser. E, então, o som se repetiu várias vezes. Localizou-o como vindo de uma das moitas floridas a alguns metros do terraço. Deve ser algum animal preso numa armadilha, pensou. Olhou à volta, à procura de um jardineiro e, não vendo nenhum, desceu correndo a escada do terraço e atravessou o gramado em direção às moitas.
O animal ainda gemia. Então, quando afastou os galhos, sentindo o perfume das flores, Salena gritou.
Um pano preto foi atirado sobre sua cabeça, cobrindo-a completamente, e ela foi agarrada por braços fortes e levada embora.
Depois do primeiro grito, ficou quieta, abafada pelo pano grosso que lhe cobria a cabeça.
Tentou lutar, mas parecia estar presa por laços de ferro. Somente dali a segundos foi que compreendeu que eram os braços dos homens que a carregavam.
Fazendo um esforço, achando quase impossível respirar, tentou de novo gritar, mas sem resultado.
Percebeu também que não conseguia mover os braços e que seus tornozelos estavam seguros por dedos firmes e fortes.
Foi carregada dali, procurando desesperadamente adivinhar o que estava acontecendo e continuar respirando.
Achou que poderia desmaiar, não apenas porque era difícil respirar, mas porque os braços que a prendiam fortemente a machucavam.
Então, ouviu uma balbúrdia de vozes árabes e foi colocada no chão. Mas, antes que tentasse se mover, uma corda foi passada em volta de seus pulsos e outra nas pernas.
Foi agarrada novamente e dessa vez percebeu, com surpresa, que a colocavam numa cadeira. Sentiu que a prendiam à cadeira com mais cordas. Alguém estava dando ordens. Balançando-se para a frente e para trás, ela compreendeu, atônita, que estava em cima de um camelo.
Pelos sons que ouvia, havia outros animais, como numa caravana. Mal podia acreditar que momentos antes estava em segurança na vila, com o duque a seu lado. Agora era levada para longe, e ficou desesperada ao pensar que ele nunca saberia para onde.
Tentou gritar. Mas o som se perdeu nas dobras do pano que lhe cobria a cabeça e a impedia de ver. Ocorreu-lhe, então, que estava sendo raptada por causa de um resgate. Lembrou que, certa noite, ao jantar, o duque falou de europeus que tinham casas bonitas nos pontos mais altos, nas vizinhanças de Tânger.

— Um deles, um homem rico, foi seqüestrado há mais ou menos um ano pelos berberes mouros.
— Que horror! Ele conseguiu fugir?
— Foi libertado depois que os bandidos conseguiram algumas concessões do governo mouro.
— Foi ferido?
— Não. Parece que o trataram muito bem. Mas, como os rapazes conseguiram o que queriam, os outros residentes ficaram nervosos e temeram pela própria segurança.
O duque sorriu, porque os pensamentos de Salena tinham sido para ele e não, como teria acontecido com outros hóspedes, para a própria segurança.
— Posso garantir que não só o sr. Warren escolheu empregados de confiança, mas que, quando meu iate está na baía, parte da tripulação cuida de minha segurança. Não precisa se preocupar comigo, nem ter medo. Eu não teria contado o caso que contei, se soubesse que ia ficar nervosa.
— Não estou preocupada comigo mesma. Ninguém pensaria em me raptar por causa de um resgate… Mas, com você, é diferente.

Por incrível que parecesse, ela é que estava sendo raptada e ficou aborrecida ao pensar que talvez o duque tivesse que pagar uma grande quantia.
Quanto tempo ele levaria para perceber seu desaparecimento? Sabia que ficaria zangado, não por causa do dinheiro, fosse quanto fosse, mas por ter que ceder diante aos bandidos e ladrões, dando-lhes um incentivo para fazer novas vítimas.
De repente, em pânico, Salena imaginou que talvez ele resolvesse dar aos bandidos uma lição, recusando-se a pagar. Horrorizada ante semelhante idéia, lutou para se libertar das cordas que prendiam seus braços ao assento de vime.
Estava muito fraca, as cordas eram grossas, e se sentiu mais impotente ainda.
O camelo foi agora mais devagar, subindo um morro. Deviam estar saindo do vale, e Salena achou que, assim que se achassem no meio das árvores frondosas que cobriam a parte mais baixa das montanhas, seria impossível ao duque encontrá-la.
Nada podia fazer, a não ser rezar, e suas orações pareciam confusas, num apelo tanto a Deus como ao duque.
— Salve-me! Salve-me!
Repetia mentalmente essas palavras, inúmeras vezes, todo o seu ser ansiando pela presença dele.
E se eu não o vir mais?
Teve vontade de chorar, tal o desespero que sentiu, e compreendeu, então, que o amava!
Amava-o de um jeito que jamais imaginou ser capaz de amar. Não era apenas a entrega de seu coração, mas de todo o seu ser.
Como fui tola, pensou. Devia ter sabido que era amor, porque só era feliz quando estava na companhia dele e porque acordava todas as manhãs com a sensação de que algo de maravilhoso estava para acontecer.
Mas jamais havia analisado tais sentimentos e qual o motivo que fazia com que esperasse com tanta ansiedade o momento de rever o duque.
Eu o amo, eu o amo!
Sabia agora que a dor que sentiu no coração, quando ele foi ao encontro de lady Moreton, era ciúme. Ciúme, porque tinha medo de perdê-lo; ciúme, porque aquela mulher era mais bonita do que ela jamais poderia esperar ser.
— Oh, Deus, faça com que ele me ame um pouco!
Se algum dia tivesse que se separar dele, preferia morrer.
Pensou no tempo que tinha perdido por não saber que o amava, por não demonstrar seus sentimentos e quanto significava para ela estar perto dele.
Depois achou que isso não teria feito diferença e que o duque só estava com ela por bondade; a bondade de um homem que ajuda uma pessoa que está em dificuldade. Mas, obviamente, não nutria outro sentimento por ela.
Pela primeira vez, ficou imaginando como é que pôde ficar sozinha com ele na vila, sem lhe ocorrer que isto estava errado, ou, pelo menos, escandalosamente pouco convencional.
Pareceu-lhe tão certo que só agora ela compreendia que as outras pessoas podiam interpretar mal tal situação.
Horrorizada, pensou que lady Moreton devia ter dito coisas horríveis a seu respeito. Talvez tivesse contado aos amigos que o duque não estava sozinho na vila.
— Vão pensar que sou amante dele!
Mas, em vez de ficar escandalizada, ou mesmo horrorizada, achou que ser amada pelo duque seria a coisa mais maravilhosa do mundo.
Que lhe importava o nome que lhe dessem ou o que o mundo dissesse? Se o duque a quisesse, mesmo por pouco tempo, ela morreria feliz sabendo que havia provado os frutos do paraíso e que nada mais na vida seria a mesma coisa.
O camelo voltou a andar mais depressa, e Salena ficou imaginando se o balanço não ia fazer com que enjoasse. Mas era mais provável que sufocasse, pois estava com muito calor e o pano escuro colocado firmemente sobre sua cabeça parecia comprimir-lhe o rosto, como se fosse uma máscara.
Moviam-se agora silenciosamente e ela soube que caminhavam sobre areia. A idéia de ser levada para um dos platôs do deserto era assustador, pois lá viviam os berberes selvagens.
Lembrava do duque ter descrito tais lugares com a citação de um poema que ela não conhecia.
”Um sepulcro cheio de ossos de homens mortos.”
A lembrança fez Salena estremecer.
Talvez isso fosse acontecer com ela: seus ossos seriam deixados na areia e o sol os branquearia, até que ninguém jamais pudesse dizer a quem haviam pertencido.
Já deviam ter viajado uma hora ou mais. De repente, quando se sentia sonolenta com o balanço da cadeira, ouviu uma voz de comando e o camelo onde ela estava parou.
Com vários resmungos, o camelo apoiou no chão os joelhos da frente; depois, quando Salena caiu para a frente, o animal abaixou as pernas traseiras e o assento se endireitou.
Salena sentiu que tiravam as cordas que a prendiam ao assento de vime. Depois, dois homens a agarraram e a levaram.
Agora, tinha certeza de estar no deserto, pois não se ouvia ruído de passos e os homens pareciam mover-se maciamente.
Caminharam durante algum tempo. Depois, um homem falou com os que a carregavam e ela sentiu que a abaixavam, como para passar por alguma entrada.
Os pés de Salena estavam agora no chão. Chegara o momento de conhecer seus raptores.
Teve medo dos rostos que provavelmente veria: maldosos, ameaçadores e cruéis. Rostos de homens dispostos a arriscar-se à] pena de morte para obter dinheiro.
As cordas que a tinham prendido caíram no chão e o capuz foi retirado.
Por um momento, Salena não pôde ver onde estava, pois seus olhos tinham ficado cobertos durante muito tempo e o lugar era muito mal iluminado. Depois, percebeu que estava numa tenda grande, cheia de tapetes e com assentos acolchoados, baixos, em estilo oriental.
Os cabelos de Salena tinham caído sobre os olhos e ela os puxou para trás. Só aí conseguiu enxergar direito e viu, então, no outro lado da tenda, sentado num assento baixo… o príncipe!
Pensou que estivesse sonhando. Lentamente, o russo se endireitou. Enquanto ela o fitava, incrédula demais para pronunciar uma só palavra, ele sorriu, e não foi um sorriso agradável.
— Você… não morreu!
— Não, não morri. E eu poderia dizer o mesmo de você, se há dois dias não tivesse sabido que estava viva e apreciando a companhia de um nobre!
Havia alguma coisa muito desagradável na maneira dele falar, mas Salena não podia pensar em nada, a não ser que não era uma assassina. Mas era prisioneira dele novamente!
Instintivamente, olhou em volta, à procura dos dois homens que a haviam trazido, mas eles tinham desaparecido; estava sozinha com o príncipe. Como se soubesse o que Salena estava pensando, o russo disse:
— Dessa vez, tomei precauções para que você não tivesse nenhuma arma para me atacar.
— Eu não… não pretendia matá-lo. Mas, depois, quando pensei que o tinha matado, tentei me afogar…
— Foi o que pensei que tivesse acontecido. Um dos criados a viu atravessando o jardim, correndo. Quando você não voltou, todo mundo pensou que tivesse morrido afogada.
— Fui salva… por um iate.
— Foi o que fiquei sabendo. Muito cômodo ter sido um barco tão luxuoso e seu salvador ser o nobre e atraente duque de Templecombe!
— Como é que soube disso?
— Minha informante é uma linda senhora a quem o duque pertence.
Agora Salena compreendia. Lady Moreton tinha vindo para Tânger no iate do príncipe. Depois de vê-la na vila, contou a novidade ao russo. Não foi difícil ele tirar as conclusões certas.
— Lady Moreton descreveu você muito bem, e achei que era mais do que justo eu reclamar aquilo por que paguei e que me pertence. Salena olhou em volta, procurando um meio de fugir.
— Antes que você se dê ao trabalho de tentar escapar, deixe-me dizer-lhe que meus empregados têm ordem de impedi-la. E, também, de trazê-la de volta imediatamente, caso fuja para o deserto.
—— Eu não vou ficar aqui… com você.
— Não tem escolha. Além do mais, terá todo o conforto. O sultão me emprestou, ou antes, me alugou, esta tenda luxuosa, assim como os criados para cuidarem dela e até mesmo para arranjarem uma mulher para cuidar de você.
— Não vou ficar aqui. Você me enganou com um casamento falso, e não lhe devo nada. Nem mesmo gratidão!
— Eu a comprei, paguei por você, e não permito que trapaceiem comigo; muito menos, quando se trata de uma mulher tão atraente.
Olhou-a de cima a baixo, e de novo Salena teve a sensação de que a despia. Desesperada, caiu de joelhos a seus pés.
— Por favor, deixe-me ir embora! Deve compreender que não quero ser sua amante. Há muitas mulheres que… ficariam gratas pelo que você lhes desse… e que o amariam, também.
O príncipe sorriu, e seu rosto pareceu ainda mais diabólico.
— Gosto de vê-la de joelhos, Salena, e é assim que deve ficar, depois da maneira como me tratou.
— Eu lhe disse que não pretendia… feri-lo. Muito menos, matá-lo. Apenas… aconteceu.
— Foi uma infelicidade. Mas há médicos muito competentes em Monte Carlo, que trataram de mim, de modo que ainda sou perfeitamente capaz de fazer com que você seja minha. E é o que pretendo fazer.
— Não!
Salena levantou e correu para o lado da tenda por onde sabia que tinha entrado. Afastou a cortina. Do lado de fora havia dois criados de turbante, usando calções enormes, brancos, com boleros vermelhos, sem manga. Eram altos, de pele escura, com feições que indicavam que eram berberes, e Salena achou que havia algo de ameaçador na maneira como a olharam. Gritou e largou a cortina. Ouviu o príncipe dar uma risada.
— Vê, minha pombinha, que não há fuga possível. De modo que é melhor nos divertirmos. Não existe nada mais propício ao romance do que a vastidão do deserto e um homem disposto a ensiná-la a amar.
— O que me oferece não é amor. É errado e maldoso. Deixe-me ir que prometo devolver o dinheiro que deu a meu pai.
Pela expressão do príncipe, viu que estava achando suas súplicas muito divertidas. Mas não desistiu.
— Se insistir em me prender aqui, juro que tentarei matá-lo.
— Com o quê?
Com um gesto, indicou a tenda vazia, a não ser pelos assentos cheios de almofadas, a mesa de cobre, baixa, e os ricos tapetes que cobriam o chão.
Salena apertou as mãos, sabendo que o homem zombava dela e que, de uma maneira perversa, achava divertido ver que estava com medo.
— Você vê, minha pombinha, que a gaiola funciona — disse ele, com o tom adocicado que ela detestava. — Mas acho que deve estar encalorada e cansada, depois da viagem. Vou permitir que tome banho e troque de roupa. Depois, conversaremos de novo. Tenho muita coisa para lhe dizer.
Bateu palmas; atrás dele, uma cortina foi afastada e apareceu uma nativa.
Só o fato de escapar da presença do príncipe por alguns momentos era um alívio, de modo que Salena se dirigiu para a mulher. Mas ele disse, em tom divertido:
— Caso pretenda suborná-la, ela é surda-muda. Muito útil, em certas ocasiões, como me disse o sultão.
— Surda-muda! Aquilo tornava a prisão ainda mais assustadora e desagradável.
Não podendo fazer nada, ela passou pela entrada, enquanto a mulher segurava a cortina.
Viu-se numa tenda pequena, anexa à outra. Era o tipo de tenda, tinha certeza, usada pelo sultão e por importantes líderes árabes quando viajavam com uma caravana grande. Era carregada no lombo dos animais e armada num oásis, ou onde eles desejassem ficar. Quanto maior e mais luxuosa, mais importante era o seu ocupante.
A tenda onde Salena se viu tinha o chão coberto de tapetes. Havia um divã cheio de almofadas e uma banheira de latão cheia de água perfumada de jasmim.
Estava com tanto calor que deixou que a surda-muda a despisse, notando que a mulher, obviamente, tinha prática.
Na água fresca, Salena ficou pensando, desesperadamente, numa maneira de fugir. O príncipe tinha inúmeros criados; além do mais, não sabia de que lado ficava Tânger e nem mesmo se havia um lugar onde pudesse se esconder, caso conseguisse sair da tenda.
Tenho que planejar! Tenho que encontrar um meio!, pensou.
De novo, seus pensamentos voltaram ao duque, e ficou rezando para que ele a socorresse. Mas não tinha idéia de como isso seria possível.

A mulher entregou-lhe uma toalha, mas, quando procurou suas roupas, não as viu. Por mímica, explicou o que queria. Como resposta, a criada pegou o que lhe pareceu uma porção de echarpes de gaze.
Olhando melhor, Salena percebeu, horrorizada, que era de fato um traje nativo. Por um momento, mal pôde acreditar que era aquilo que o príncipe pretendia que ela usasse!
Depois, achou que isso era bem dele! Dar-lhe roupas exóticas e sensuais. Tentou explicar à mulher que queria o vestido com o qual tinha viajado, mas a surda-muda apontava teimosamente para aquele monte de panos transparentes.
Salena estava num dilema: ou ia ao encontro do príncipe enrolada numa toalha, ou tinha que usar o traje nativo.
Cerrando os dentes e percebendo que não havia outro jeito, deixou que a mulher a enrolasse nos véus diáfanos e macios, pois não passavam disso, semelhantes aos que as muçulmanas usavam num harém.
Os véus escondiam o corpo, mas havia algo tão sedutor no efeito de luz e no colorido suave, que Salena soube, com um estremecimento, que era isso mesmo que o príncipe queria.
Havia também babouches — chinelos — bordados, colares, brincos, braceletes e um véu para a cabeça, com uma franja de pérolas.
Depois que Salena estava vestida, a mulher trouxe um espelho para que se admirasse, mas só o que viu foram seus olhos amedrontados e seus lábios trêmulos.
— Que é que posso fazer? — perguntou ao reflexo no espelho. — Que é que posso fazer?
Com uma coragem que estava longe de sentir, passou pela porta onde a mulher segurava a cortina e entrou na tenda do príncipe.
Ele estava reclinado no divã, com um traje marroquino, o serwal; calça muito solta nos quadris, com as pernas presas nos tornozelos. Usava uma camisa aberta no pescoço, o que fazia com que parecesse velho, pois não escondia a papada e os músculos como parecera em Monte Carlo.
À sua frente, havia uma mesa com os doces que os marroquinos invariavelmente começam ou terminam uma refeição.
Salena viu que ele tomava vinho, o que era contra a religião muçulmana, compreendendo que ele ditava as próprias regras e não se importava com as crenças de seu amigo, o sultão.
— Venha cá, minha pombinha. Estou esperando por você com impaciência. Deixe-me vê-la com essa encantadora roupa que escolhi para você.
— Não tinha o direito de esconder o meu vestido!
Achou que, em vez de indicar cólera, sua voz soou fraca e desamparada e sentiu que já se transformava na mulher submissa que ele queria que fosse.
— Venha tomar um pouco de vinho.
Fez um gesto e o criado de pé a seu lado encheu o copo de Salena, que se sentou numa almofada, no outro lado da mesa.
— Agora, posso admirá-la. Ainda é a mulher mais bonita e mais desejável que jamais vi! Como é que pôde pensar, por um momento sequer, que eu a esqueceria?
Salena não respondeu. Como se sentia fraca e desanimada, tomou um pouco de vinho e comeu alguma coisa.
— Foi isso que planejei e era por isso que estava esperando — disse o príncipe.
— Acha que o duque vai aceitar meu desaparecimento? Acha que não vai me procurar e fazer perguntas?
Sentiu que o vinho lhe dava coragem e falou em tom alto e firme.
— Acho que você exagera sua atração. Como já lhe disse, o duque pertence a Imogen Moreton. Nos braços dessa bela mulher, logo esquecerá a coitadinha que ele pescou no mar.
Se o russo a tivesse apunhalado não teria feito com que a dor fosse maior. Salena tinha certeza de que lady Moreton agora diria ao duque, não apenas quem era seu pai, mas o quanto o príncipe a desejava, de modo que ele não se sentisse mais na obrigação de cuidar dela.
Parecendo ler seus pensamentos, o russo disse:
— Não permitirei que você me seja infiel, nem mesmo em pensamento. Você me pertence, Salena; quanto mais depressa aceitar isso, melhor! É minha e, depois desta noite, não haverá fuga possível. Duvido que até mesmo o duque queira saber de você, depois que seu corpo me pertencer.
— Prefiro morrer!
— Será que preciso lhe dar uma surra, como antes, para que me obedeça?
Havia agora em seu rosto uma expressão sádica, que fez com que Salena se contraísse. O homem notou como estava amedrontada e deu uma risada.
— Precisa aprender a obedecer, minha florzinha. Precisa aprender a ser submissa.
Não adiantava discutir, não adiantava desafiá-lo. Só o que podia fazer era encontrar um jeito de morrer, antes que ele cumprisse as ameaças. Não havia outra maneira de impedi-lo…
O criado trouxe a comida. Harera era uma sopa de carneiro, fígado de galinha, ervilhas e vários outros ingredientes. Salena sabia que era alimento conhecido como restaurador das forças e ficou assustada ao adivinhar por que motivo o príncipe o escolhera.
Havia outros pratos, que comeram à moda oriental, com os dedos. Foi uma longa refeição. Ele tomou bastante vinho e, quanto mais bebia, mais seus olhos ardiam de paixão. Parecia um animal selvagem pronto a pular sobre ela e a devorá-la.
Salena comeu apenas um pouquinho de cada prato, forçando-se a isso para ter ânimo para resistir.
Terminando o jantar, os criados levaram não só os pratos e os copos, mas também a mesinha. Agora, entre o príncipe e Salena apenas alguns metros de tapete.
— Venha cá!
Era uma ordem e ela soube que não deveria mais lutar e, sim, se matar. Mas como? Sentiu que a armadilha em que havia caído se fechava cada vez mais. As paredes da tenda pareciam chegar mais perto e os olhos do príncipe davam impressão de maiores.
Achou que ele a estava hipnotizando e desviou o olhar.
Queria falar, suplicar mais uma vez, mas seus lábios estavam secos e as palavras não saíam.
— Dei-lhe uma ordem. Venha cá, Salena!
Ela não conseguia se mover. O príncipe levantou, ameaçador.
— Será que vai ser preciso eu fazer com que me obedeça? — Agora havia na voz dele uma nota que indicava que estava excitado com o desafio.
Salena levantou. Então, viu que ele tinha um chicote na mão. E ela gritou.

O duque atravessou os corredores que levavam a uma salinha perto da entrada, onde, por ordem sua, deviam esperar as pessoas que o procurassem.
Encontrou ali Imogen, como esperara, muito bonita e usando um vestido que ele achou que tinha sido escolhido especialmente para atraí-lo.
— Você queria falar comigo?
— Sim, Hugo. É importante.
— Que aconteceu?
— Quando fui buscar minhas jóias no Afrodite, vi que estavam faltando algumas peças.
— Isso é impossível! Estavam aos cuidados de Dalton, e você sabe muito bem que ele não só é incapaz de tirar qualquer coisa, como não permitiria que outros fizessem isso.
— Pois não consigo encontrar a esmeralda que você me deu, e sabe, meu caro Hugo, o quanto dou valor a ela.
— É melhor procurar de novo.
— Você me deu a esmeralda na noite seguinte àquela em que fizemos amor pela primeira vez — disse ela, em tom saudoso. — Querido Hugo, foi maravilhoso e ficamos tão felizes!
— Já lhe agradeci a felicidade que me proporcionou — disse o duque, friamente. — Acho embaraçoso e desnecessário discutirmos detalhes íntimos do passado, Imogen.
— Mas eu quero fazer isso. Quero relembrar tudo que me disse e tudo que fizemos. — Deu um suspiro profundo. — Você me ensinou a amar apaixonadamente e nunca, nunca haverá outro homem em minha vida.
O duque teve um sorriso cético.
— Não pode esperar que eu acredite nisso, Imogen. Não fiz nenhuma pergunta, mas não posso acreditar que você tenha vindo para Tânger num navio, com um bando de turistas.
— Não. Vim com o príncipe Serge Petrovsky. — Notou a expressão dele e acrescentou, rapidamente: — Não é o que está pensando. Ele estava doente. Uma mulher o esfaqueou e, mesmo que ele quisesse ser meu amante, não teria sido possível.
O duque ficou imóvel.
— Você disse que uma mulher o esfaqueou?
— Uma jovem pela qual estava apaixonado. Mas não vim aqui para discutir o príncipe; vim para falar de nós dois, Hugo.
— Mesmo assim, estou interessado. Quem era a moça?
— Não lembro o nome. Quero falar sobre o meu anel de esmeralda, Hugo. Por favor, ajude-me a encontrá-lo. Vamos até o iate, agora, para ver o que pode ter acontecido.
— Se estiver lá, Dalton o encontrará. Mas não posso deixar de pensar, Imogen, que não foi esse o motivo de você vir me procurar.
Imogen arregalou os olhos azuis.
— A verdade é que eu queria vê-lo, Hugo. Teria inventado qualquer desculpa para podermos ser felizes como fomos antes de você sair de Monte Carlo. Não pode estar zangado comigo, só porque Boris me beijou!
— Não tenho vontade de discutir isto, Imogen. Volte para o seu príncipe e diga-lhe…
A porta se abriu e ele foi interrompido pela chegada do sr. Warren.
— Desculpe, Vossa Graça, mas tenho uma coisa urgente para lhe dizer.
O duque olhou para Imogen, mas ela sentou numa cadeira.
— Vou esperar. Não tenho pressa — disse, docemente.
Ele hesitou, como se quisesse mandá-la embora. Depois saiu da sala, seguido pelo sr. Warren.
— Que aconteceu?
— Trata-se da srta. Salena.
— O que aconteceu com ela?
— Creio que foi raptada!
O duque fitou o empregado, incrédulo.
— Um dos criados disse que a viu sendo carregada por quatro homens. Eles jogaram um pano sobre a cabeça dela, no jardim, e a levaram embora. O rapaz ficou amedrontado demais para fazer qualquer coisa, mas veio me procurar imediatamente.
— Há quanto tempo isso aconteceu?
— Dez minutos, ou talvez um quarto de hora. Eu não estava em minha casa, e sim nas cocheiras, de modo que o rapaz levou alguns minutos para me encontrar. — Fez uma pausa e acrescentou: — Receio que seja para obter resgate, Vossa Graça.
— Não creio sr. Warren. — Refletiu durante alguns segundos. — Vá numa carruagem até o iate, o mais depressa possível, e traga o capitão e todos os homens que souberem andar a cavalo. Diga ao capitão Barnett que devem vir armados de rifles.
O sr. Warren ficou admirado, mas trabalhava há muito tempo com o duque para discutir suas ordens.
— Mande selar todos os cavalos das cocheiras. — Sem esperar pela resposta do empregado, voltou para a saleta onde Imogen estava.
— Que aconteceu? Por que está com essa cara, Hugo?
— Quero a verdade e quero já! Você falou a Petrovsky sobre a moça que está hospedada aqui?
— E se tiver falado? Não há nada de mal nisso.
— E então, ele lhe disse que ela era a moça que o tinha esfaqueado e que acreditava morta, não é?
Pensou, por um momento, que ela fosse negar. Depois, encolhendo os ombros, Imogen disse:
— E se ele tiver dito isto? Não me preocupo com os seus flertes, Hugo, como você não precisa se preocupar com os meus.
— Para onde Petrovsky a levou?
A pergunta do duque foi como um tiro de pistola.
— Não tenho a mínima idéia do que você está falando, Hugo. Mas ele sabia, pela expressão de Imogen, que ela estava mentindo.

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