Negro Amor



“vá, se mande, junte tudo que você puder levar
ande, tudo que parece seu é bom que agarre já
seu filho feio e louco ficou só
chorando feito fogo à luz do sol”


O cheiro torpe impregnava o ar, fazendo suas narinas arderem. Tudo tão psicológico e tão ao jeito dele. O cheiro que o desagradava agora já havia sido o seu odor favorito. A janela batia irritantemente deixando o quarto frio e martelando a consciência atormentada. A noite era negra e a existência também.
Cuidado com aquilo o que deseja, pois uma hora você realmente pode conseguir e nunca se sabe o preço que será cobrado de você. Ele devia ter se lembrado de alguns conselhos que recebeu ao longo do caminho. Ele devia ter se lembrado que sempre existem riscos, sempre há um jeito de perder em um jogo, mesmo que ele tenha cartas marcadas. E de fato, ele perdeu.
Jogou-se na cama olhando o teto e contemplou sua medíocre existência, mesmo que se considerasse superior o bastante para jamais admitir que acabara com muitas coisas boas por mera arrogância de sua parte. Não se odiava, porque sempre se colocou a cima dos mortais comuns e sujeitos a falhas. Odiava a tudo o que fosse inferior a ele, tudo que estivesse subjugado a seu ego e sua soberba.
A textura do lençol de algodão puro parecia áspera e estranha a sua pele. Algodão egípcio não lhe satisfazia mais. Ele não admitiria nada menos do que o perfeito dentro de seu mundo. Tudo o que era bom e belo lhe agradava e precisava estar a seu alcance para que ele se sentisse mais dono de si. Precisava de tudo isso, talvez para ocultar suas próprias falhas e fraquezas, talvez para fingir que ele também era perfeito, mesmo que fosse apenas um perfeito louco.
Ele agarrou-se aos lençóis que tanto lhe desagradavam agora. Agarrou-se e inalou demoradamente o odor imundo que ainda permanecia neles. Rasgou-os com uma fúria que até então desconhecia, berrou a plenos pulmões expulsando seus próprios demônios e conteve a decepção e o rancor para que de seus olhos não saíssem lágrimas, apenas o carmim que havia naquela cama outrora.
A porta ainda estava entreaberta. Ele ainda se lembrava de cada palavra que jogara na cara dela como s fossem trapos de roupa suja. Ele ainda guardava uma mecha de cabelo dentro de um frasco transparente. Havia uma folha seca de árvore dentro de seu caderno de anotações. Tinha suas risadas cristalinas e dúbias guardadas na mente, suas memórias mais sórdidas e mais secretas ainda marcadas na cama e nos lençóis.
O dia em que ele a levou para aquele quarto... As peças de roupa que foram sendo despidas uma a uma, como se despetalasse uma flor. A boca que buscava o sabor da outra e as pernas que se confundiam como numa dança descompassada e tortuosa. E ela suspirava, como se tentasse conte-lo ou frustrá-lo por não admitir que estava gostando das mãos dele. As texturas se sobrepondo, algodão egípcio, peles, pétalas. A voz que não saia da boca dela, que ficava presa entre os lábios dele, ou que era estrangulada na garganta. Os dedos que insistiam em buscar o local mais oculto, o prazer mais secreto e intimo. A incapacidade dele em se contentar com qualquer coisa pela metade, qualquer coisa que não fosse perfeita. O nome dele, o nome que ela não disse.
O dia em que tudo foi pelos ares como numa explosão acidental provocada pelo encontro de dois corpos incandescentes e pela necessidade dele de se afirmar sobre ela. O seu ciúme doentio e sua fraqueza muito bem oculta. O maldito momento em que ele perdeu o controle sobre ela e sobre ele próprio. Lembrava-se apenas de que havia gritado, havia expulsado ela daquele quarto e da vida dele, alegando que ela não era mais necessária, e aquela foi sua pior mentira.
E agora era um pouco tarde de mais...

“os alquimistas já estão no corredor
quem não tem mais nada negro amor”

O sangue que ela verteu em meio ao hall de entrada...A discussão começara por qualquer motivo idiota, como sempre. Ele não sabia, ele não entendia, mas ela já era algo gravado dentro dele a ferro e fogo. O sangue que se esvaiu e a fez empalidecer como se fosse beijada pela morte. O segredo que ela não havia revelado e que ele só percebeu quando já era um pouco tarde de mais.
O corredor branco cheirando a clorofórmio e ervas. As vestes brancas que pareciam flutuar sobre o chão como fantasmas, agourando ainda mais aquela situação. Havia expectativa, havia confusão, havia duvida, havia medo. Ele viu vultos em meio à brancura, ouviu vozes que quebravam o silencio, mas não reteve nenhuma informação.
Havia uma discussão inflamada ao seu redor. Vozes masculinas condenando-o, mulheres soltando exclamações esganiçadas numa tentativa de conter os ânimos. As mãos de Albus agarradas as veste que Scorpius usava, sacudindo o loiro numa fúria incomum. A ferocidade com que o pai do moreno jurava vingança. O soco muito bem posicionado no meio da cara do menino por um James enlouquecido. Depois de tudo isso, só havia o vazio da inconsciência e do medo.
Ele só lembrava de sentir um alivio tremendo quando soube que ela estava bem, mesmo que desta vez ela estivesse definitivamente afastada da vida dele. Scorpius sabia que não tinha nada a oferecer a ela se não duvida e insegurança. Era imaturo e simplório de mais pra entender tudo o que se passava entre ele e ela. Talvez fosse melhor assim, mas ele a queria e queria também aquele filho que era deles e não estava mais lá.

“a estrada é pra você e o jogo é a indecência
junte tudo que você conseguiu por coincidência
e o pintor de rua que anda só
desenha maluquice em seu lençol”

Era um jogo de cartas marcadas e ele perdeu tudo. Amigo, respeito, credibilidade, confiança e aquela menina de cabelos vermelhos que ele não sabia amar mais do que sua vã vaidade lhe permitia. Ele não tinha mais nada se não um nome para dizer enquanto sonhava com crianças adormecidas entre lençóis verdes claro. Apenas o nome Lily pairava em seus lábios quando a consciência já o abandonara há tempos.
Viveria a sombra daquele jovem promissor e brilhante que fora um dia e que abandonou tudo por uma loucura de relacionamento que ele insistia em afirmar que era legitimo e verdadeiro, mesmo que num primeiro momento aquilo se resumisse a desejo puro e simples. Agora ele era um vagabundo jogado pelo chão junto a uma garrafa de uísque vazia. Ele não tinha mais nada que o dissesse que ele ainda era um jovem rico e cheio de possibilidades, porque não havia realmente nenhuma possibilidade longe dela.

“sob seus pés o céu também rachou
e não tem mais nada negro amor
seus marinheiros mareados abandonam o mar
seus guerreiros desarmados não vão mais lutar
seu namorado já vai dando o fora
levando os cobertores? e agora?
até o tapete sem você voou
quem não tem mais nada negro amor”

Julgava-se já incapaz e perdido dentro de seu desespero. A sorte o havia abandonado e tudo o que houvesse para ele estava perdido num misto de obscuridade e incerteza que o cercava. Até o momento em que ela entrou pela porta...
- Scorpius! – ela chamou por ele com a voz baixa e mansa.
- Lily?... Você voltou?- foi a única coisa que ele conseguiu perguntar com sua voz mole.
- Eu vim te pedir e te comunicar uma coisa. – ela o encarou com compaixão, do jeito que ela sempre fazia quando ia feri-lo. – Vou me casar com Hugo.
- VOCÊ NÃO PODE! NÃO VAI!- ele berrava a plenos pulmões numa suplica inútil por uma outra chance – VOCÊ É MINHA, LILY!
- Você pode estar certo, Scorpius. Mas tudo isso é mais do que o que eu posso suportar. Não adianta tentar, porque nós dois sabemos que não vai dar certo. Eu só peço que você não me procure e nem tente atrapalhar o caminho que eu escolhi. E se puder...me esqueça. – ela sabia que estava pedindo o impossível. Ela sabia que esquecê-la era algo além da capacidade dele. Ela o beijou uma ultima vez de maneira plena e consciente de que jamais esqueceriam um do outro. – Amor por amor nem sempre é o bastante, mas eu te amo mesmo assim.

“as pedras do caminho deixe para trás
esqueça os mortos eles não levantam mais
o vagabundo esmola pela rua
vestindo a mesma roupa que foi sua
risque outro fósforo, outra vida, outra luz, outra cor
quem não tem mais nada negro amor”

Ele não tentou o suicídio, não gritou ou deu escândalo. No dia em que ela subiria ao altar pra dizer sim a outro, Scorpius estava lá. Impecável dentro de suas vestes de gala, exatamente o mesmo que ela se recordava de seus melhores anos de juventude. Ele estava ali, mesmo que não houvesse mais nada para ser feito ou dito, mesmo que ele já não fosse nada. Seus olhos ainda beijavam aquela pele alva, enquanto os demais observavam-no com estranheza, como um pedaço podre de carne exposta sob o sol. Ele não ligava.
Ele odiava regras, seu passatempo era quebrá-las sempre que tivesse a chance. Amava com um amor desenfreado ir contra as expectativas. Adorava ainda mais olhar nos olhos dela e ver o redemoinho se formando. Ele sabia o que ela sentia, pois sentia o mesmo. Sem promessas, sem esperanças, vivendo apenas o sublime momento de contemplação da figura um do outro.
Ele a viu vestida de branco, passando ao seu lado, e o presente de casamento que ele deu a ela se resumiu a uma única frase dita num sussurro quase inaudível. Um arrepio, um estremecimento, uma duvida, uma certeza. Certos fantasmas nunca nos abandonam. Certas pessoas num morrem totalmente dentro de nós, por mais que isso fosse preferível.

- Por mais que você queira evitar...Eu ainda amo você...
---------------------------------------------------------------------------------------------------
Sou cruel XD
Vou deixar em aberto o final dessa
Comentem e quem sabe eu faça uma continuação.
Musica Negro Amor do Engennheiros do Hawai
Fic Lily e Scorpius
COMENTEM!

Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.