Memórias



- Mas como isso é possível? – Ginny olhou espantada para a moça (ela mesma) se afastar.

- Até a magia foi apagada dela? – Harry deu um sorriso irônico para Helena e seguiu a Ginny mais jovem. – Como conseguiram isso? – falou sem olhar para trás e num tom mais alterado.

- É magia. – Helena Godley deu uma tapinha amável no ombro da nora. – Você entenderá tudo. Vamos?

No alto de um pequeno morro, a Ginny mais jovem se sentou. Estava vermelha de raiva e olhava o sol nascer no horizonte. Dava para ver que tentava segurar o choro, percebeu-se, claramente, a vontade de não demonstrar fraqueza para os outros. Não foi preciso esperar muito até que um rapaz se aproximasse. A surpresa da Ginny atual em ver um Harry Potter mais jovem só não foi maior do que ver a si mesma.

- Não faça essa cara. – disse se aproximando.

- E que cara você quer que eu faça? – A moça continuava sentada com o olhar fixo no horizonte. – Não sou nenhuma covarde.

- Ninguém está dizendo isso de você.

- E, por acaso, pedir que eu me esconda enquanto os outros arriscam suas vidas, não é me chamar de covarde? – Ginny virou enraivecida o rosto, para olhar para o rapaz.

- Eu me preocupo com você. – O Harry mais jovem se agachou perto dela. – Não quero que você se machuque.

- Estamos em guerra, Harry. Não me peça para me esconder e fingir que nada disso está acontecendo.

- Já está decidido. – O rapaz se levantou bruscamente. – Hermione vai trazer o homem do Ministério hoje.

- Eu tenho condições de lutar. – Ginny se levantou e saiu com passos firmes até a casa. – E vou lutar.

- Seus pais concordaram. Não querem perder mais um filho nessa guerra.

- Sou maior de idade. Posso fazer o que quiser. – ela não olhava para trás, apenas, seguia adiante. – Ninguém pode me obrigar a nada.

A cena se dissolveu em fumaça prateada e, logo, estavam numa rua escura. As casas enfileiradas, com sua grama bem cortada, davam a impressão de uma rua de seriado antigo. Duas mulheres surgiram de um jardim próximo. Ginny parecia mais velha do que na última lembrança e tinha a barriga, levemente, maior. A outra mulher tinha os cabelos cacheados e castanhos presos num rabo de cavalo. A varinha em punho apontando para todas as direções.

- Rápido. – gritou Hermione.

- Eu não vou. – Ginny parou no meio da rua.

- Vai começar com isso de novo? – Hermione falava rápido sem tirar a atenção da rua, aparentemente, deserta. – Já discutimos isso um milhão de vezes e se me lembro bem, você concordou.

- Mudei de idéia. – Ginny falou enfática.

- Não seja egoísta, Ginny. – Hermione recuou alguns passos, até ficar ao lado de sua amiga. – Você não deve pensar só em você agora. – a mulher baixou um pouco a vista.

- Ainda tenho condições de lutar.

- Então você não liga para o que pode acontecer ao seu...? – Hermione falou indignada. – Não estamos em condições de discutir isso agora. Se apresse.

Helena, Ginny e Harry acompanharam as duas mulheres até uma das muitas casas da rua. Hermione bateu impaciente na porta branca. Alguns minutos depois um homem abriu a porta. A Ginny atual pôde ver a silhueta de seu marido na porta. Embora seus olhos estivessem inchados e possuísse algumas olheiras profundas no rosto, a sua expressão amável continuava.

- Hermione? – Ben olhou as duas mulheres espantado. - O que faz aqui?

- Lembra o que te pedi há três anos? – Hermione foi adentrando na casa de Ben e Ginny veio em seu encalço.

- Esconder a namorada do Potter? – Ben olhou diferente para Ginny. – Lembro também que ela não aceitou a oferta,

- As circunstâncias mudaram. – Hermione falou tremendo, olhou para os cômodos vazios. Parecia procurar alguém.

- O que aconteceu? – o homem fechou a porta e apontou a sala de visitas para as mulheres. Ginny e Ben se sentaram nas poltronas, Hermione, porém, continuava em pé próximo à porta.

- A Toca foi atacada. – Hermione falou baixo e Ginny encarou o chão, entristecida. – Saímos apressadas, mas vimos Arthur e Molly Weasley serem mortos. Rony e George ficaram para tentar conter o ataque.

- Mas como isso pôde acontecer, exatamente?

- Não sabemos. – Ginny falou depois de um breve tempo.

- Lá não é mais seguro. – Hermione avançou. – Essa guerra está se arrastando por tempo demais. O Ministério está quase sendo dominado, Vold...

- Não fale o nome dele. – Ben falou enfaticamente. – Você sabe o que poderia nos acontecer.

- Certo. Desculpe. – Hermione ficou pálida. – Esconder a Ginny é nossa prioridade no momento. Ela está esperando um filho de Harry. Se Você-Sabe-Quem descobrir que “O Eleito” terá um filho, nem imagino o que pode fazer.

A sala se dissolveu e tornou a aparecer. A noite foi substituída por uma tarde ensolarada, Ginny agora ostentava um barrigão, aparentemente, estava no final da gravidez. Olhava pela janela esperando alguém aparecer. Ben adentrou pela porta trazendo uma xícara de chá numa bandeja.

- Eles vão aparecer. – ele entregou a xícara a Ginny. – A Hermione mandou um Patrono para avisar e disse que tinha ótimas noticias. Eles logo vão chegar.

Não esperaram muito até que ouviram uma batida leve na porta da frente. Ben correu para atender, pediu para Ginny ficar na sala de visitas e entrou novamente com uma Hermione radiante.

- Derrotamos ele! – dava pulinhos de alegria enquanto falava.

- O que disse? – Ginny deu um passo para trás sem acreditar.

- Voldemort! Entende? – ela não conseguia conter a euforia na voz. – Derrotamos Voldemort!

Ben fez uma cara de espanto ao ouvir aquele nome duas vezes em menos de um minuto. A notícia demorou um pouco a entrar na cabeça dos presentes. Hermione estava excitadíssima, não parava de sacudir os braços em visível alegria.

- Onde está Harry? – Ginny olhou para Hermione em desespero. – Ele está bem, não é?

- Depois que destruímos a última das Horcruxes, ele...

- A o quê? – Ben e Ginny fizeram um coral.

- Pedaços da alma de Voldemort. – Hermione fez uma cara indiferente aos olhares incrédulos dos outros dois. – Longa história, conto depois. Pois bem, Harry correu para enfrentá-lo. Desaparatou diante de nossos olhos.

- E como ele sabia onde encontrá-lo? – Bem a interrompeu.

- Ele vinha tendo umas visões. E eu liguei alguns pontos. – Hermione estufou o peito. – Eu descobri.

- Brilhante. – Ginny olhou satisfeita para a amiga, embora, se analisassem bem a expressão dela, pudessem ver um quê de inveja.

- Rony e eu logo o seguimos. Vocês deviam ver a cena. – Hermione abriu os braços tentando dar vazão à grandiosidade do que viram. – Foi sensacional. Faíscas voavam por todos os lados, Rony derrotou três Comensais da Morte sozinho. Por pouco não fui atingida por um Feitiço da Morte. Ele me salvou, foi lindo.

- Hermione? – Ben chamou a atenção da amiga que, agora, tinha um olhar sonhador. – Poderia nos dizer como Você-Sabe-Quem caiu?

Tudo o que se seguiu foi muito rápido. A janela da sala se estilhaçou, um cachorro labrador prateado surgiu dos destroços e gritou com a voz de Rony.

- “Algo estranho aconteceu” – logo em seguida se dissolveu.

Helena continuava impassível à cena, não esboçava sequer uma reação. Harry tinha um olhar vidrado. Ginny atual tentou se proteger dos destroços imaginários, e, depois que percebeu que nada a afetava, mantinha-se atenta ao que estava acontecendo.

Um homem de olhos vermelhos adentrou o recinto segurando uma varinha firmemente à sua frente. Ben o encarou com certa apreensão. Hermione caíra do outro lado da sala, batera a cabeça na parede e jazia inconsciente no chão. Ginny segurava sua barriga e ofegava, escondida atrás do sofá, tentando se manter longe da vista daquele que invadia a casa.

- Potter? – Bem falou ao conseguir distinguir o rosto por debaixo do capuz.

- Pensaram que haviam me derrotado? – Sua voz sibilava como uma cobra.

- CORRAM. – Rony surgiu logo atrás dele. – Eu o seguro aqui.

Ben esticou a mão para Ginny e livrou-se de um feitiço lançado contra ele. Harry-Voldemort sacudiu a varinha em direção dos dois, mas Rony se jogou em cima dele, impedindo-o.

- Lute, meu amigo. – Rony segurava os braços do homem no chão. – Você é mais forte do que ele.

- Não seja idiota, Ronald Weasley. – a raiva e o deboche na voz do homem ao chão, fez Rony tremer. – Você acha que é páreo para mim? Um traidor do sangue como você?

- Não o insulte. – Hermione havia se levantado e apontava a varinha para onde estavam seus dois amigos. – Eu não sei o que está acontecendo com você, Harry, mas podemos ajudar.

- Vocês me ajudarão, sim, saindo do meu caminho. – com uma força descomunal ele ergueu Rony e o jogou contra a parede, em seguida se virou para encarar Hermione com seus olhos cor de sangue vivo.

- Harry, por favor, seja mais forte.

- MATE ELE. – gritou Ben na porta da cozinha. – Aproveite que ele está sem varinha.

- Não. – Ginny choramingou.

Os olhos de Harry ficaram verdes novamente e ele caiu de joelhos no chão de mármore. Hermione baixou a varinha e foi acudir o amigo. Ginny correu até os dois, tempo suficiente para perceber que não foi uma boa idéia. Ben correu e conseguiu amortecer a queda de Ginny antes da explosão. Harry-Voldemort segurava Hermione pelo pescoço com uma mão e, com a outra, segurava a varinha dela.

- Mulher tola, acha que eu fraquejaria? – sibilou mais uma vez. – Você terá o que merece. – ele apertou ainda mais o pescoço e, antes do último suspiro, enfiou com muita precisão a varinha no coração dela.

- NÃO. – Rony gritou e correu enfurecido.

O homem de capuz sumiu num estampido ensurdecedor. Rony olhou ao redor. Ginny se levantou segurando a barriga e Ben ainda estava sentado no chão.

- O que ainda estão fazendo aqui? – o ruivo lançou um olhar de reprovação aos dois que ainda estavam parados, observando. – Eu não acho que ele tenha ido embora.

- Quem diria, você não é tão burro quanto diziam. – Um leve sibilar ao ouvido e um soco forte nas costas fizeram Rony cair de joelhos.

Rony foi agarrado pelos cabelos. Levantou a varinha em direção a Ginny e Ben e gritou.

- Protego.

- Você acha mesmo, que isso é capaz de me deter. – Harry-Voldemort segurou o braço de Rony e o apertou. A varinha caiu da mão dele. – Estava enganado. Você é, realmente, idiota. – Rony deu um grito alto quando seu braço foi quebrado.

Helena Godley se virou para o outro Harry e o encarou.

- Ainda acha que não fez nada? – falou rispidamente.

- Temos que ajudá-los. – A Ginny atual estava de joelhos vendo a cena brutal.

- Não podemos mudar o que já aconteceu, minha querida. – Helena falou calmamente para a nora.

- E o que o Ben e e-eu estamos fazendo parados ali? – Ginny apontou para a figura dos dois do outro lado da sala. – Por que não o ajudamos?

- O feitiço que seu irmão conjurou os impediu de ir ao seu encontro.

- Então, por que não fomos embora? – Ginny falou impaciente, quando viu o rosto de Rony ser esmurrado contra a parede.

- Você iria? – Helena a encarou.

- N-não. – gaguejou. – Tentaria fazer alguma coisa.

- Mas você estava em choque. – Helena suspirou profundamente. - Nada podia fazer.

A outra Ginny gritou, sangue corria por entre suas pernas. Ben se levantou num salto e puxou-a para a cozinha. Nesse momento, Harry-Voldemort jogara o corpo sem vida de Rony na poltrona empoeirada e avançou pelo escudo, agora, dissipado.

- Tenho uma Chave de Portal. – Ben tremia.

- Mas o Rony... Hermione... – Ginny suava. – Harry.

- Pense em você e nessa criança que está querendo nascer. – pegou rápido uma jarra de prata e a pôs no centro da mesa. – Vamos agora.

Ginny olhou para trás antes de pôr a mão sobre a jarra. Viu Harry sacudir a varinha e um lampejo verde cruzar a cozinha e a atingir.

A cena se dissolveu mais uma vez. Tudo ficou preto por uns instantes, Ginny ofegou e se dirigiu à sogra, querendo algumas respostas. E então, um outro cômodo surgiu, um quarto muito arrumado, com grandes cortinas cor de pêssego, e uma cama enorme. Ben estava sentado num banquinho ao pé da cama. Ginny abrira os olhos, deitada na cama, suando muito.

- Há quanto tempo estou aqui? – falou com dificuldade.

- Duas semanas. – Ben deixou algumas lágrimas correrem pelo seu rosto. – Pensava que você não ia mais acordar.

- Onde estou? – Ginny tentou se levantar e foi impedida por Ben.

- Não se mexa, por favor. Você está na casa da minha mãe. Aqui é seguro.

Uma senhora entrou no quarto trazendo alguns biscoitos numa bandeja.

- Pensei ter ouvido a sua voz, querida. – Helena Godley depositou a bandeja numa cômoda ao lado da cama e estendeu-lhe a mão. – Que bom que acordou. Estávamos preocupados já.

- Mas o que aconteceu, afinal? – Ginny pôs a mão na própria barriga e arregalou os olhos. – Que aconteceu? – gritou. – Onde está meu filho?

- Sinto muito. – Ben e Helena se olharam melancólicos. – O Feitiço da Morte que a atingiu quando usamos a Chave de Portal. Bem... Aparentemente, levou a vida de seu filho ao invés da sua.

- Onde está o Harry? – Ginny falou trêmula com a notícia.

- Lembra quando a Herm... – Ben engoliu em seco. – Quando a Hermione falou sobre Horcruxes?

- O que tem? – Ginny ainda tremia.

- Horcruxes são feitas para armazenar pedaços da alma de um bruxo. – Helena interrompeu os dois. – É alta magia das Trevas, quando o Ben falou que sua amiga dissera que haviam destruído a última. Suspeitamos que Você-Sabe-Quem havia feito algumas e que seus amigos conseguiram destruir quase todas.

- Como assim “quase todas”?

- Harry Potter era uma delas. – Ben falou olhando para os lados. - Acho.

- E onde ele está agora? – Ginny o encarou com frieza.

- Não sabemos. Algumas pessoas disseram que ele conseguiu conter a fúria da segunda alma que possui dentro dele. – Helena a olhou com calma. – Sinceramente, não acho uma boa idéia tentar encontrá-lo.

- Não quero encontrá-lo. – Ginny apalpou a barriga, que antes carregava seu adorado filho, que nem chegara a conhecer. – Quero manter distância dele. Nunca vou perdoá-lo pelo que aconteceu.

- A culpa não foi dele, Ginny. – Ben olhou para a mulher sério.

- A fraqueza e a presunção dele foram os causadores de tudo isso. – Ginny tentou se levantar pela segunda vez. – Snape tentou ensinar Oclumência a ele. Se tivesse aceitado os ensinamentos dele, talvez isso não tivesse acontecido.

- Mas...

- Ben, quero que me faça um grande favor. – Ginny se arrumou na cama cheia de cobertas. – Quero que apague minhas memórias.

- O quê? Não posso.

- Você pode sim. – Ginny parecia estranhamente calma. – Estou lhe pedindo e sei que você é especialista nisso. Hermione me disse uma vez. Era isso que você fazia no Ministério.

- Mas era diferente.

- Por favor. – a mulher o encarou. – Sei que decidi não encontrar o Harry, mas sei, também, que posso mudar de idéia. E quero ter certeza de que isso não acontecerá.

- Mas...

- Vá, querido, pegue sua varinha. – Helena manteve a mão segurando a de Ginny. – É o que ela quer.

Quando Ben cruzou a porta, Ginny se virou para a senhora Godley. Pediu-lhe a varinha dela e encostou a ponta em sua têmpora. Um pequeno fio prateado saiu de sua cabeça e ficou na ponta da varinha por um segundo, até que Helena apanhou um frasco vazio no guarda-roupa e depositou o conteúdo dentro.

- Queria que a senhora me fizesse uma promessa. – Ginny deixou uma lágrima correr pelo seu rosto. – Ben terá que apagar todas as memórias que envolvam o Harry. Tudo que envolva magia, pois nesse mundo todos sempre falarão seu nome.

- Tudo bem, querida. – Helena segurava o frasco com firmeza.

- Diga ao Ben para prometer que nunca dirá nada sobre o que aconteceu para mim. – ela falou enfática. – Haja o que houver. – Helena assentiu mais uma vez. – Mas se algum dia a verdade tentar vir à tona, quero que a senhora me mostre isso. Não quero ter que pensar que o Ben fez o que fez por mal. – apontou para as memórias que jaziam no frasco na mão da senhora.



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