Correção



“Há uma chance, você sabe. A chance de estarmos fazendo algo errado, mas isso parece sempre tão distante quando neste momento é a única coisa que desejamos. Eu desejei estar errado...Talvez eu realmente estivesse.”
Não era a coisa mais simples a se fazer. Reler aquele trecho de carta e lembrar de tantas memórias apagadas, mas era o que ele sempre fazia, não é? Aquela mania irritante de me fazer pensar. Preferia não faze-lo, mas é impossível quando tudo parte dele. Meu principio, meio e fim.
Não penso nele e em como desejei um pouco daquela audácia, penso nas brigas e troca de alfinetes. Penso um pouco naquele jeito bobo de sorrir e de encarar o mundo como seu parque de diversões. Penso em como tentei odiá-lo.
Batidas na porta...Eu nunca precisei abrir para saber que era ele, nem mesmo antes...Mais batidas e eu me encolhi na cama ouvindo o uivo cortante de algum vira-lata perdido. Nunca rezei ou pedi por qualquer coisa, mas naquele momento eu o teria feito, teria pedido para parar. Estava muito próximo como sempre esteve, sempre soube que seria assim. Ele era principio e fim.
Era minha corrente, meu pesadelo, meu fantasma do natal passado. Eu me recusava a admitir a derrota, mas pior do que saber que ela se aproximava era saber quem viria me buscar no final de tudo. Eu não gostava da idéia, com tudo, sabia que aquela era a tarefa de um guardião, buscar o protegido no momento derradeiro. E lá estava ele à minha porta, minha estrela, minha constelação...
Como um Sinistro, um agouro de morte que chega manso e silencioso, mas ele nunca foi dado ao silencio... Sentou-se ao meu lado, limitando-se a me observar. Eu sentia frio todas as noites, mas não naquela, não com ele ao meu lado. Como névoa ele se dissipou e deixou-me para trás, com a certeza de que voltaria no momento certo.

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Ridículo pensar que as ultimas palavras que ouvi de um oponente foram “A minha filha não, sua vaca!” E no momento final meu corpo flutuou como uma pluma longa e ereta, desfalecendo-se no chão frio da velha escola. E o burburinho a minha volta se calou de súbito e tudo era etéreo e distante, claro e quente como uma manhã de primavera.
Meus olhos se abriram e eu sentia conforto e tranqüilidade como nunca sentira antes, mas havia um sentimento estridente dentro do peito e minha cabeça estava inquieta. Tudo era extremamente branco ao meu redor, tão luminoso que fazia meus olhos doerem e no meio da brancura impecável surgiu uma falha. Uma pluma, como eu, negra e ereta, altiva e magnânima.
Tentei fugir inconscientemente, afastando-se do vulto que caminhava em minha direção. Não havia paredes ou colunas, ou qualquer fresta que me servisse de abrigo. Só me restava então encarar o vulto, e suportar a tortura daquele sorriso debochado, daquele riso que tantas vezes quis repudiar...O que eu temia aconteceu, o riso tinha voz.
- Agora não há mais para onde fugir, não é mesmo? – o mesmo sarcasmo e o mesmo jeito de encarar a mim com superioridade a arrogância. – Eu quis ajudar, mas você não me ouviu quando eu alertei você.
- Que lugar é esse?- minha voz não estava como antes, estava anormalmente baixa e suave.
- Veja você mesma... – ele me apontou o vazio, e daquele silencio e pureza imergia calmamente os desenhos de um cômodo antigo, com paredes mofadas e vários objetos empoeirados, no chão uma garrafa de vinho vazia e na parede uma velha tapeçaria bordada. Conhecia aquela inscrição como conhecia minha própria varinha. Toujur Pur, sempre puro...Com tudo, algo destoava, um enorme e espelho, suportado por pés em forma de garras douradas, no centro do cômodo. No topo do espelho as inscrições em um idioma que eu desconhecia. “Oãça rocu esme ojesed osamo tso rueso ortso moãn.”
- Está igual...
- Sim, está. Está imaculado, como certas coisas sempre permanecem, mesmo com o tempo.
- E o espelho? Não havia isso aqui. – ele apenas curvou os lábios num sorriso meio debochado e meio triste.
- Isso é uma lição, para nós dois...- ele suspirou profundamente – Para mostrar o quanto mudamos no decorrer da vida. Nada pode revelar mais sobre nós se não Ojesed.
- Não entendo... – encarei-o meio perturbada.
- Olhe no espelho...O que você vê? – espichei o pescoço e vi através da superfície lisa e plana. Era meu mestre, poderoso e magnífico, sentado em um gracioso trono. Olhei com mais atenção e o que vi foi uma estatua dourada, exatamente como meu Lord, sentado em um trono feito por corpos nus de homens, mulheres e crianças...Todos trouxas. Não pude conter o riso.
- Vencemos! – exultei.
- Não...Você ainda não entendeu...- ele balançou a cabeça decepcionado – O espelho não mostra a realidade, ele mostra apenas o que nós mais desejamos. Nosso desejo mais desesperado. É por causa desses desejos que estamos aqui, Bella. Só por isso nós não podemos seguir em frente.
- Nós? Você já está aqui há dois anos, não tinha nada pra esperar!
- Engano seu. – ele encarou o espelho demoradamente – Por muitos anos, quando ainda era uma criança, o que eu mais queria era ser diferente e livre. Se eu tivesse olhado o espelho naquela época eu com certeza veria a mim, trajando um uniforme vermelho e dourado, pilotando motos, e beijando uma mestiça.
- Não se pode dizer que não tenha conseguido, não é? Você sempre impôs a sua vontade e fez tudo isso. – falei debochada.
- É verdade. Eu fiz.- ele demorou-se mais alguns instantes mirando o espelho – Mas depois da morte de James e Lílian, depois de Hogwarts, a única coisa que eu enxergaria nesse espelho seria meus amigos, todos juntos, exatamente como na adolescência.
- Mas eu o matei. – minha boca se curvou num riso duro e amargo – Pode vê-los agora.
- Posso, realmente. Mas há um problema. – ele virou-se para mim e fixou seus olhos no fundo dos meus. – James e Lílian têm um ao outro e a abdicação, a coragem deles foi tanta, que o caminho deles seguiu ininterruptamente pra o merecido descanso. Almas irmãs, que viveram e se amaram, que preferiram sacrificar a própria vida em favor de outra pessoa. Para eles o paraíso é mais próximo.
- E o seu amigo lobisomem?
- O meu amigo, que se casou com a nossa parenta... – ele fez questão de me alfinetar – Ele também achou a sua outra parte, também lutou não por seu próprio bem, mas pelo bem de quem sempre o mal tratou.
- Vai me dizer que você, Sirius Black, não mereceu ir para o “retiro dos heróis”? – debochei.
- Não, eu não mereci. E tudo por um simples motivo, Bella. –ele me encarou com tanta intensidade que me senti sem jeito. – Eu tive inúmeras possibilidades de ter salvado ao menos uma pessoa e eu não o fiz. Justamente a pessoa que me completaria.
- Marlene? – indaguei curiosa e incrédula.
- Não...Você, Bella. - o silencio pairou incomodamente por alguns instantes.
- E por que raios eu deveria ser salva? – perguntei meio indignada e meio surpresa.
- Você cometeu tantos erros, tantas crueldades...- ele olhou mais uma vez para o espelho, como se pudesse ver a minha vida através dele. – Matou, torturou, desejou a destruição de tantos, que como você, não passam de seres humanos. Em troca de tanto ódio e dessa sua sede de poder e superioridade, você perdeu sua sanidade e aos poucos sua alma. E eu tive a chance de mudar isso tudo e não o fiz.
- Não havia nada para ser mudado, pelo menos nada que pudesse ser mudado por você.
- Engano seu...Eu sei que ainda se lembra... – a imagem no espelho com certeza havia mudado, e a visão era tão desejada por ele que seus olhos haviam adquirido um brilho avermelhado e sua boca estava entreaberta. – Quando ainda éramos jovens, nossa noite...
- Nosso erro!
- Não, nossos pecados talvez, mas nunca um erro.- ele voltou a olhar para mim – Eu nunca tive coragem para confessar no fim de tudo, mas no interlúdio de uma visão e outra neste espelho, a única coisa que eu via e nunca deixei realmente de ver é o teu rosto. E eu tenho certeza que não fui o único que desejou voltar até aquele tempo.
- Não diga bobagens!
- Não estou.- os olhos negros dele se abaixaram lentamente, como se ele sentisse vergonha de algo. – Naquela noite, no sótão...
- Nossos erros...
- Você nunca admitiu erros e no dia seguinte jurou que aquele em especial só acabaria com um de nós morto. Pois bem, você me matou, mas o erro não acabou, tanto que estamos bem aqui. Estamos mortos, olhando um para o outro, tentando corrigir o erro para dar o próximo passo.
- Eu te matei, caso encerrado! Eu quitei a divida, corrigi tudo!
- Não, não corrigiu. Porque você simplesmente nunca entendeu qual era o erro. O erro, Bellatrix, não foi ter me amado naquela noite, o erro foi negar que me amava.
- Te amado? Te amar?! Você só pode estar louco!
- Louco? Se eu estou realmente louco, me diga, por que nenhum de nós está em outro lugar que não o sótão, exatamente o lugar onde tudo aconteceu? Esse, Bella, foi o lugar onde eu deveria ter salvado a sua vida, onde eu deveria ter dito que te amava e você não recusaria, tão pouco negaria. Se eu tivesse dito...
- Nada teria mudado! Nunca mudou, nem vai mudar!
- Se eu tivesse ouvido da tua boca...Nós éramos um só naquele momento. Você não poderia mentir pra mim naquela hora, e se tivesse admitido não conseguiria mentir para mim nunca mais.
- Pare de se iludir!
- Pare você de tentar fugir de algo que sempre soube. Não há Voldemort aqui, nem comensais, nem família! Não há um futuro em que estejamos presentes então porque não encaramos o espelho juntos e tiramos a prova?!
- Como?
- Nós só seguimos em frente quando olharmos no espelho e a imagem do que desejamos for exatamente à imagem real, a imagem que está deste lado! – ele bufava furioso como nunca havia visto antes. Com um movimento brusco ele me estendeu a mão e me puxou para frente do espelho.
Tive um sobressalto quanto observei a superfície a minha frente. Não havia mais uma estatua de meu Lord em um trono. O que eu via era apenas a minha própria imagem, com um rosto sereno e levemente arrogante, ao lado daquele homem alto, com cabelo tão negro quanto o meu, com seu sorriso superior e aquele mesmo rosto bonito, ainda irradiando jovialidade. Eu tinha medo de que ele soubesse o meu desejo, medo de que isso me tornasse fraca, medo de não conseguir nunca mais ser eu mesma. Eu não precisava falar, eu sabia que ele via a mesma coisa e que seu medo era o meu medo, mas ele o encarava com uma convicção muito maior do que a minha. E o reflexo de nós deu inicio a algo que não fazíamos a mais de vinte anos e o Sirius real, que segurava meu corpo junto ao dele sorriu e virou meu rosto para que eu o encarasse. Ele sorria e aquele era o sorriso mais lindo que eu já havia visto.
- Acho que nós tivemos a mesma idéia...Ou melhor, desejo. – ele tocou minha face suavemente e senti minhas bochechas queimarem como se eu fosse uma simples virgem – Faz tanto tempo...Eu ainda lembro o gosto e sinto falta...- eu não pude dizer nada, apenas senti os lábios dele junto dos meus e o calor gentil e acolhedor voltou e eu me senti em um casulo entre os braços dele. Depois disso, o que existia era a plenitude.


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Dezenove anos após a guerra e tudo não passava de um pesadelo que havia sido esquecido. As famílias repetiam a rotina de todo ano e levavam seus filhos até a plataforma 9 ¾. O vapor denso encobria corpos inteiros e as vozes eram abafadas pelo barulho da locomotiva.
Ele tinha os olhos visivelmente marcados pela preocupação, estava ansioso por saber qual seria sua casa, estava com medo de se separar dos pais, estava se sentindo extremamente vulnerável, mas ainda havia um motivo para ir. O pai lhe sorria amistosamente, com seus olhos incrivelmente verdes e iguais aos do filho, tentando encoraja-lo, mas a única coisa que conseguiu tal feito foi a simples visão daquele rosto tão familiar.
Ela já usava as suas vestes novas, o cabelo preso numa trança e um sorriso tão tremulo quanto o dele. Chegara a hora...
Eles embarcaram, meio vacilantes, mas absolutamente seguros de pelo menos uma coisa...Bem ou mal, Grifinória ou Sonserina, seja o que fosse, agora eles seguiriam em frente e desta vez eles seguiriam juntos para corrigir seus erros. Com certeza eles cometeriam novos erros, mas o erro de negar um ao outro e também ao sentimento que tinham, este havia sido definitivamente corrigido.
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Continuação de Nossos Erros, espero que gostem e aos que tentaram ler ontem e não conseguiram, mil perdões, essa bosta sumiu com a minha fic!
Bem, espero que aproveitem e comentem ^^
Bjux
Bee

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