Déjà-vu



Por Ana França e Leandra Postay




Uma aparência macilenta, os olhos muito verdes, cabelos pretos bagunçados e uma cicatriz em formato de raio na testa. Harry Potter encarou vagamente o crepúsculo antes de deitar-se na grama fria e molhada pelo orvalho. O garoto resmungou e não se importou com a noite que caía juntamente com a chuva fraca. Imerso em seus pensamentos, encarou as poucas estrelas visíveis na imensidão do breu celeste. Ao longe, ruídos indiferentes eram os únicos sinais reais de que havia um outro mundo lá fora, capaz de prosseguir como se a vida não estivesse em jogo.

O garoto alternava seus pensamentos entre a perigosa missão, que adotaria em breve, e certa garota de cabelos ruivos como os de Lílian, que tinham sempre espaço na memória – e na alma - dele. Nesse momento uma coisa muito pequena e cinzenta, como um pomo de ouro peludo, passou zunindo e dando cambalhotas na cara de Harry. O pontinho inquieto logo foi reconhecido por ele como Píchi, a inconfundível corujinha de seu amigo Rony.

O garoto acariciou a corujinha e tirou o pergaminho de suas patinhas minúsculas. Deparou-se com poucas palavras e a caligrafia desleixada e borrocada de Ron:

"Está feito. Será Aluado". Harry sorriu para si mesmo. Para alguém que interceptasse a carta, aquilo seria uma mensagem completamente desconexa, mas ele entendera muito bem. O Feitiço Fidelus fora aplicado na casa dos Dursley para evitar a entrada de comensais, e Remo Lupin era o Fiel do Segredo. Harry, porém, duvidou que alguém pudesse localizar Píchi, com o tamanho que possuía. Harry ficou parado encarando o mísero pedaço de pergaminho em suas mãos. Poderiam ter se passado minutos, horas ou noites inteiras aos olhos dele.

Ele sentia falta do autor daquelas palavras, assim como de Hermione, a tão sábia e dedicada amiga. Não os via desde o fim das aulas. Naqueles novos tempos que surgiam apenas os tolos se arriscavam pelas ruas cinzentas e sombrias. Resolveu se mexer. Subiu ao seu quarto, resmungando coisas inaudíveis, para responder à carta de Rony.

Estava terminando sua resposta quando foi interrompido por estampidos tão fortes que derrubou metade do tinteiro sobre o assoalho e suas vestes trouxas. Xingou mentalmente, mas voltou sua atenção para o barulho que reconheceu imediatamente pelo som de bruxos aparatando. Antes que pudesse acabar de se levantar, Harry localizou com os olhos Tonks, com os cabelos num tom azul celeste, logo abaixo dos ombros, parecendo mais feliz do que da última vez que a vira. Certamente por causa do casamento com Lupin, que também aparatara no quarto, parecendo igualmente contente, apesar de seus cabelos cada vez mais grisalhos, e estava ao lado de Olho-Tonto Moody, indecifrável como sempre. Tonks sorriu radiante:

- E aí, beleza, Harry?

- Como tem passado? – Perguntou Lupin com uma voz cansada.

Quando o garoto começava a falar escutou, mais uma vez, o som da chegada de bruxos e um novo grupo apareceu à sua frente. Todos eles falaram ao mesmo tempo o que soou como “Olá Harry, como você está? Faz tempo que não nos vemos”. Todos sorriram; Gui, com seus cabelos ruivos e grandes como sempre; Héstia Jones, uma bruxa alta de cabelos negros e faces rosadas; Emelina Vance, uma mulher de ar imponente, Déddalo Diggle; um bruxo baixinho com uma excitação inexplicável estampada em seu rosto; Elifas Doge e uma bruxa que, diferentemente dos outro, Harry não reconheceu imediatamente. Lupin, talvez percebendo isso, disse depressa:

- Harry, esta é Dóris Crockford, uma novata na Ordem - Ele apontou com uma das mãos para a bruxa alta, robusta e de olhos e cabelos muito negros.

- Já nos encontramos antes. Há 6 anos, n'O Caldeirão Furado! - Disse Dóris excitada.

- Prazer. - disse Harry, apertando a mão da mulher com certo pudor, por causa da empolgação demonstrada. - Como vão vocês? - perguntou, dessa vez se dirigindo a todos.

- Bem, Harry, muito bem! - falou Tonks. - A propósito, feliz aniversário! Como foram essas semanas na casa dos seus tios?

- Ah, vocês sabem como eles são absolutamente agradáveis! – respondeu o rapaz, ironicamente.

- Harry, você sabe que lamentamos muito e que gostaríamos que já estivesse conosco há tempo, mas era o melhor para todo mundo, principalmente para você. – falou Lupin, pesaroso.

Harry bufou e acrescentou impacientemente:

- Tá, tá bom. Eu sei disso e já me acostumei com isso. Pelo menos não tem mais ninguém me perseguindo... ou tem?

Lupin deu um largo sorriso:

- Não Harry, não tem. Pelo menos não membros da Ordem. Embora, você seja alvo de Voldmort e seus leais comensais, acho que eles estão se preocupando com... outras coisas agora - Ele trocou um olhar furtivamente com Olho-Tonto - Ele está realmente decidido a criar o caos agora que Dumbledore não está mais conosco. Está trabalhando abertamente para recrutar comensais. Mas não daremos maiores detalhes aqui. Vamos para a Toca assim que você arrumar as suas coisas.

Harry sentiu-se imensamente aliviado. A Toca era agora o único lugar em que ele gostaria de estar. Sua alegria, porém, foi interrompida por uma dúvida. Virou-se para Tonks e falou, com uma das sobrancelhas erguidas:

- Eu achava que o Largo Grimmauld continuaria como sede.

- Nam, nam. Não nos arriscaremos a ir para lá novamente, porque Snape era um membro da Ordem e pode entrar quando quiser, além disso, ele se tornou um Fiel do Segredo, pois, após a morte de Dumbledore, todos que sabiam a localização da casa tornaram-se automaticamente Fiéis também, portanto, talvez Comensais estejam lá nesse mesmo momento - respondeu Tonks amargurada - Mas estamos trabalhando em...

Tonks foi rudemente interrompida por Olho Tonto:

- Vá arrumar suas coisas logo, Potter! - vociferou.

Harry, indiferente, apontou para o malão e murmurou "Fazer malas". Suas roupas, bisbilhoscópio, livros, pena e tinteiro voaram para dentro do malão tropeçando uns nos outros. Tonks virou-se para ele animada e disse:

- Ei, Harry! Aprendi a enrolar meias, minha mãe me ensinou! - Fez movimentos rápidos e complicados com a varinha para um par de meias que estava de fora e estas foram se enrolando lentamente uma na outra.

Olho Tonto, que revirava seu olho mágico descontroladamente, disse com rispidez:

- Não temos tempo para ver meias se enrolando. Quanto menos tempo, melhor. Vigilância constante!

- E, Harry, já passam da meia-noite, então você é maior de idade. Nesse caso o mais seguro e prático é irmos para A Toca aparatando. - observou Remo.

Harry ficou visivelmente empolgado - e um pouco temeroso - com essa idéia, já que seria a primeira vez que ele aparataria sozinho para um lugar distante.

- Vamos descer, então? - perguntou o garoto.

- Sim, sim, naturalmente. Não se preocupe Harry. Nada pode dar errado. A Toca está protegida por agentes do Ministério. Um pouco desconfortável para Molly e Arthur, mas eles concordaram para a segurança de todos - Lupin parecia ter adivinhado os pensamentos de Harry.

Harry, apontando para o malão, murmurou inaudivelmente "Wingardium Leviosa" e este começou a flutuar. Pegou a gaiola onde Edwiges e Píchi piavam animadas, sua Firebolt e voltou-se para os outros. O rapaz já se preparava para aparatar quando uma pergunta intrigante surgiu em sua cabeça:

- Espera aí! Se nós vamos simplesmente aparatar até A Toca, por que veio tanta gente?

- Já estava me perguntando quando é que você ia querer saber isso, Harry. - respondeu Tonks, amigavelmente - o que acontece é que não sabemos quais informações Voldmort tem em mãos. Talvez ele saiba de alguma forma a data da sua partida e, sendo ele um bruxo das trevas com poderes grandiosos conhecidos por nenhum de nós, talvez possa interceptar a aparatação e capturar um de nós. Assim achamos melhor ter prudência e vir em grupo, para o caso de ele agir. Mas não se preocupe, são apenas suposições.

- Ok, ok. Chega de conversa. - Disse Lupin – Harry, leia isto.
Harry pegou num gesto quase automático um pergaminho nas mãos de Lupin. Nele lia-se numa caligrafia desconhecida por Harry: "A nova Sede da Ordem da Fênix encontra-se na Toca, nos arredores de Londres". O rapaz mal acabara de ler e Moody fizera o pergaminho desaparecer de vista.

- Podemos ir, afinal? - perguntou Moody, rudemente, e sem esperar pela resposta engrolou - Quando eu disser três: um... dois... três!

Harry deu um giro e ao abrir os olhos deparou-se com uma casa alta e torta. Depois de ansiar um mês, ele estava de volta À Toca.

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