No silêncio da noite



A Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts estava, naquela noite escura e fria, tão silenciosa como jamais esteve. Nos antigos corredores do castelo, nem mesmo os habitantes dos quadros nas velhas paredes pareciam querer se mover e ficaram em posições estáticas que eram quebradas apenas por raros bocejos e pequenos gestos na tentativa de se acomodarem melhor em suas molduras. Lá fora, a noite era sombria, coberta por um céu negro sem estrelas e nada se mexia. Algum barulho era somente para ouvidos bem apurados capazes de perceber leves sons que vinham das entranhas da Floresta Proibida. Uivos tristes e longos como um lamento e bater de asas demonstravam que as criaturas da misteriosa floresta pareciam sentir também a solidão de Hogwarts. Dentro do castelo, em um corredor do terceiro andar que levava aos aposentos do Profº Severo Snape, apenas um fantasma solitário passou durante toda a noite, a procura, em vão, de alguém para conversar e contar as suas velhas histórias de seculares batalhas, bravos cavaleiros, magia e morte. Snape dormia um sono pesado, favorecido por noites anteriores em que ficou acordado, insone, vagando pelos corredores sombrios do castelo como se estivesse em busca de alguma coisa que ele não sabia bem o que era. Em seu quarto, apenas a luz fraca de uma vela que já se extinguia no candelabro prateado. A sombra da pequena chama parecia dançar pelas grandes estantes do quarto, abarrotadas de livros e frascos de cristal com líquidos de várias cores. As paredes, sem quadros nem cor, tornavam a escuridão mais profunda e a falta de iluminação, aliada ao cobertor escuro que Snape se cobria, deixava seu rosto ainda mais pálido, emoldurado pelos seus cabelos muito negros. Lentamente a chama se extinguiu, a única vela que insistia em trazer um pouco de luz para o lugar finalmente se acabou. Um estralo na janela fez com que os olhos de Snape se abrissem repentinamente. Contemplou a escuridão de seu quarto, quis levantar e ver a origem do barulho, mas, o corpo não respondia ao desejo de seu pensamento e ele se entregou novamente ao sono. Dez segundos depois um novo estralo, dessa vez mais forte. Snape se levantou, ficou por alguns segundos sentado na cama e se pôs de pé. Seu corpo pesava como chumbo e assim foi andando, vagarosamente, tateando no escuro até que encontrou sua varinha na estante ao lado da cama. Quando puxou-a esbarrou em um frasco de poção, contendo um líquido prateado, que se espatifou no chão. O barulho dos cacos fez com que ele finalmente acordasse. Apontou sua varinha diante de seu rosto e disse: _ LUMUS ! Uma luz azulada encheu o quarto e Snape direcionou sua varinha para os cacos no chão e murmurou: _ REPARO ! E os cacos do frasco se juntaram reconstituindo-o junto com o líquido prateado que havia se espalhado. Ele, preguiçosamente, colocou o vidro de volta na estante. Um terceiro estralo na vidraça o fez lembrar porque havia levantado e se dirigiu até o local de onde vinha o barulho com a varinha apontada para frente. E lá estava, pousada na moldura da janela pelo lado de fora, uma enorme coruja branca quase tão pálida quanto o rosto dele sob a luz azulada de sua varinha. Em seu bico, um pergaminho enrolado, lacrado com uma fita vermelha. “Uma mensagem? Àquela hora da madrugada? Quem poderia ser? Quem mandaria uma mensagem na madrugada para um homem solitário e sem amigos que ele não fazia nenhuma questão de ter?”. Eram essas as dúvidas que habitavam a mente de Snape naquele momento. Só havia uma coisa a fazer para que suas perguntas tivessem resposta. Abriu a janela e retirou o pergaminho do bico da coruja que partiu rapidamente, como se já estivesse cansada de esperar que viessem logo pegar a mensagem que lhe tirou de sua caçada por alimento em plena madrugada. Logo a grande coruja virou um pontinho branco na escuridão do horizonte noturno. Snape, lentamente, fechou a janela pensativo, olhando para o rolo de pergaminho em sua mão. Desatou o laço da fita que caiu no chão, foi até à sua cama e se sentou, desenrolou sem pressa o pergaminho como se ainda lutasse contra o sono. Ergueu a varinha acesa diante do texto que estava a sua frente e ao perceber a letra, antes mesmo de começar a ler, seu coração disparou depois de uma forte fisgada e o pergaminho quase lhe saltou da mão, tamanho o susto. Não acreditou em que seus olhos viam, talvez o sono ou o cansaço de noites sucessivas sem dormir o estariam impedindo de raciocinar logicamente quanto à procedência daquela mensagem. Ele poderia estar enganado dada a quantidade de tempo que havia se passado desde que viu aquela caligrafia pela última vez. Letras suaves e pequenas, escritas com tinta preta que brilhava à luz da varinha, se destacavam no papel amarelado. Com sua mão trêmula, Snape leu, vagarosamente, palavra por palavra:


Meu caro Snape, Sei que muito tempo se passou mas, se julgo bem, sinto que ainda posso confiar em você. Sei também que a hora é imprópria e é estranho fazer contato depois de tantos anos com a certeza de que jamais nos veríamos novamente. Porém, não posso mais viver tão secretamente solitária, sem ao menos poder abrir meu coração e pensamento a alguém a muito conhecido e confiável. Por favor, encontre-me no nº 7 da rua do cemitério em Hogsmead e lhe darei as explicações que quiser ouvir. Poderá aparatar no portão sem ter problemas pois, a casa é distante do movimento local e a rua, nesta noite, está vazia e silenciosa como nunca. Ass: Sabe quem sou.

Pela terceira vez Snape chegou ao fim da carta, seu coração pulsando forte sem acreditar no que estava acontecendo. Podia sentir o pergaminho em suas mãos, podia toca-lo, seus olhos negros o enxergavam, mas, ele ainda não conseguia crer no que estava diante dele. Finalmente levantou, se vestiu, pegou sua longa capa preta e a colocou. De varinha empunho, como quem espera por uma emboscada, Snape olhou profundamente seu quarto e saiu fechando a porta. Desceu as escadas e estava em seu escritório onde se recolhia para suas leituras e pesquisas quando não estava em sua sala de aula nas masmorras do castelo. Sobre a mesa, livros, pergaminhos, penas e uma taça de cristal com resto de vinho tinto denunciavam que há poucas horas alguém esteve ali, lendo e escrevendo, sentado na poltrona de couro preto. Ele nem se lembrava mais o que estava pesquisando antes de ser abatido pelo sono. Snape tinha acabado de sair de seu quarto, destemido e pronto para desvendar uma farsa ou enfrentar qualquer realidade que viesse. Mas, um temor quase infantil jogou por terra a sua coragem e determinação de bruxo vivido e experiente. Ele deveria desaparatar ali mesmo rapidamente, mas, não conseguia nem se mexer e ficou parado, olhando para a desordem de sua mesa. Subitamente, se recompôs na tentativa de acabar logo com tudo aquilo e matar dentro de si a terrível mistura de sensações que lhe tiravam a razão. Com um estralo rápido e alto, desaparatou fazendo tremer as chamas das poucas velas nos candelabros que pendiam nas paredes de seu escritório.

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