Capítulo Único



Facínora


O sol batia rasteiro na casa a avisar que encerrara seu turno naquela tarde. Ali não havia ninguém a não ser ela. Um fantasma de madeixas loiras que batiam à cintura, olhos claríssimos e lábios falsamente vermelhos. Os trajes, sempre arrastando na madeira polida por onde caminhava, em tons que lembravam uma eterna marcha fúnebre.

Os corredores levavam a sério a expressão que afirmava terem olhos e ouvidos. Aquele monte de retratos de Malfoys, e alguns Blacks salpicados pelo meio, faziam questão de manter a boa conduta da família. No entanto, Narcisa insistia que ficavam infinitamente mais aristocráticos de boca fechada. Ao baque da porta do seu quarto, ninguém mais retrucava.

As flores rosadas, jogadas em cima da colcha perfeitamente arrumada, a fizeram trancar-se lá dentro. Não havia cartões, apenas as rosas recém compradas. Olhou automaticamente para a penteadeira; seus olhos chisparam no espelho antes de reconhecer a brincadeira ao sentir falta de um perfume seu.

Enquanto todos se importavam com a inconstância no matrimônio de Bellatrix e a rebeldia sem causa de Sirius, eu me ocupava em enfeitiçar meu primo Regulus.

Os olhos cor de mar e a sua palidez característica me atormentavam enquanto tentava fechar os olhos à noite. Ou mesmo a sua elegância simulada ao aparecer impecável. Mas ele era apenas o meu brinquedo contra o tédio que me forçava a ficar calada.

Fazia meus pensamentos flutuarem sem inquietação, a acordar nua e fria daquele bel-prazer. Exorcizava-me a malícia daquele bando de abutres que me cercavam... Não, eles não tinham tanta elegância como ele. Eram taciturnos como um velho enfadado num dia sem sol.


Eles a importunaram naqueles tempos que restavam apenas Regulus e ela naquela família. Depois do fiasco de duas desagregações na mesma geração, eles pareciam ser vigiados por carrascos a posto com suas lâminas.
Ela sentiu a ardência no pescoço.

*


”Chovia pouco na rua, uma chuva típica de verão que logo pára e deixa apenas as poças de recordação da sua passagem. A respiração morna retrocedia imagens como um vira-tempo e os olhos pesavam indo de um lado para outro na mesma linha do livro desinteressante. Contudo, o corpo estendido a refletir aquela luz bruxuleante da vela ao seu lado resistia em adormecer.

A briga entre permanecer desperta e cair no sono a deixava em meio termo. Narcisa elevou os olhos ao teto, pensou numa loucura e riu. Ela era tão fora dos padrões e sem moral, que se demorava a aceitar elogios por seu encanto tão superficial.

O motivo do riso aparecera na sala durante a tarde, admirável como um grande intelectual... Calúnia, Regulus era tão mesquinho quanto ela. Nas proporções de um jovem cobiçado aos primeiros pedidos de noivado, ele ainda atirava suas indiretas muito bem elaboradas para a prima. Como o ditado, joga verde para colher maduro. Sim, ela amadurecera.

Entre a distância de poucos passos uma silhueta escura se embrenhava pela noite longe de chamar atenção. A porta exatamente como a do seu quarto a convidava a surpreendê-lo. Tomou coragem antes de girar o trinco e torna-lo marionete sua. Ao entrar rápido e fechar a porta, virou-se escorada na mesma ao ouvir sua voz.

- Sabia que um dia cederia. – disse em voz arrastada. Não parecia estar dormindo, pois permanecia sentado na escrivaninha coberta por pergaminhos. A janela aberta trazendo o vento fresco das noites de verão e que expulsavam as cortinas para a rua numa dança lenta. Ele também mantinha o quarto naquela meia-luz da vela à sua frente. – Permanecerá colada à porta sem dizer nada? Não sou eu que estou na sua alcova. – ele tornou a escrever sem olhá-la.

- Então não era isso que você queria? – ela andou e parou ao seu lado – Eu posso ir embora se você desejar.

- A iniciativa foi sua... Você é quem deve saber o que veio fazer aqui.

Era dessas indiretas que ela gostava; ele nunca se fazia culpado. Pegou seu rosto com as duas mãos e o fez encara-la, mesmo que falsamente a contragosto. O pegou num beijo rápido e fugaz, que o despertou das frases que ainda bolava ao deixar a pena cair e borrar seu último texto.

Ao abrirem os olhos novamente, não ousaram exceder a insanidade, mas o garoto já não pensava mais nisso quando levantou e aprisionou-a em seus braços invadindo seu espaço. As sensações do começo, onde tudo é novo e inflamável, prestes a explodir. O pensamento ocupado entre uma ebulição e o romance acaba por não pensar em nada. Os lábios num beijo incessante explorando o que já era desejado. Enfim Regulus entendera o que ela pretendia no quarto dele.”


*


Me dê a coragem
de viver trezentos e sessenta e cinco dias e noites,
todos vazios de tua presença.
Me dê a coragem de considerar esse vazio
como uma plenitude.
Que eu seja a teu amante humilde,
entrelaçado a ti em êxtase.
Que eu possa falar
com este vazio tremendo
e receber como resposta
o amor.
Que eu tenha a coragem de te amar,
sem odiar as tuas ofensas à minha alma e ao meu corpo.
Que a solidão não me destrua
e minha solidão sirva de companhia.
Receba em teus braços
meu pecado de pensar.

R.B, 1977


Fragmentos de cartas, poemas, retratos e recordações. Casa e sombra, vida do clero. Riqueza demais, beleza demais... Piedade de menos. O reflexo dourado daquela garotinha extinguida, tão cautelosa em sua maquiagem de porcelana, permanecia no espelho. Numa penumbra a revelar-se, via o rosto maduro e sinais da idade que insistia em prosseguir.

Os passos curtos para não chamar a atenção que exibiam o segredo da sua timidez. E por falar em beleza... por onde andava sua juventude? A canção suave, a elegância recém adquirida, a conversa afobada ou a rotina dos pesares que tornavam ao mesmo ponto? Tudo perdido.

Mas não antes da adolescência, no ápice da arte de seduzir. Era uma criminosa ao abrir os olhos pela manhã revelando-se objeto de desejo do sexo oposto. Seu jeito felino e assassino a esmagar na palma da mão os olhares que lhe eram lançados.

Sentou-se na cama perto das flores sem tocá-las. O quarto sob a meia-luz de um bar soturno a proclamar mais uma noite... Noites normais, com vento gelado perambulando pelos corredores, tocando correntes e invadindo o cômodo. Sempre na companhia sem sal de Lucius, que não atiçava mais os ânimos. Ele era tão... cruelmente frio.

Balançou a cabeça esquecendo dele por mais umas horas antes de ter que lembra-lo até o amanhecer. O tempo agora pertencia ao passado. Proibido. Rasgava a vontade de sentar ao jardim na companhia silenciosa de Regulus, só pra não dar o braço a torcer que necessitava da sua conversa.

Às vezes, era como aquele sol rasteiro que desaparecera, ia minguando e demorava a retornar. Nunca havia entendido o quão solúvel era aquele envolvimento. Uma hora sim, outra não.

*


”Chegara o Natal e com ele a noite fria e, consequentemente, montanhas de neve que escondiam as cores do jardim. No inverno, era como se refletisse o cinza da casa para a rua. Então, não fazia diferença de onde se ficava, tudo seria gelado. Narcisa sentou ao lado do primo que já se firmara no banco perto do chafariz. A água cristalina, agora parada, formava cones que terminavam pontiagudos. O jovem permaneceu com o olhar em seus sapatos, quase que ignorando a existência admirável de Narcisa.

Esgueirando a mão na pedra ele achou a mão ainda mais fria dela. Segurou-a com afeto, muito mais que desejo. Ela repousou a cabeça no seu ombro em sinal de confiança, ou talvez apenas a procurar quem usar como escoro.
A jovem suspirou com agonia.

- Por que você é tão silencioso?

- Porque não tenho o que reclamar. – disse com simplicidade.

- Antes essa casa tinha mais burburinho. – ele não interrogou a suposição dela. Fora uma verdade, incontestável; e o segundo sentido da frase aumentou a ponta de ciúmes para ocupar até as extremidades do seu corpo. Adorava aquela garota... Não era mais uma boa madrugada, uma noite e nada mais, nem apenas uma outra mulher qualquer: era Narcisa. Tão pura, magnífica e inesgotável.

- Você já pensou se não fossemos os mais novos? – ele inquiriu.

- Já.

- Eu acho que não sairia de casa.

- Eu procuraria um outro marido. – ela esboçou um sorriso largo – Na verdade eu continuaria aqui, porque é o único que esquenta a minha mão.
Ele alisou seu cabelo de um jeito terno e deu um beijo em sua testa. Narcisa permaneceu escorada em seu ombro esperando o frio amenizar.”


*



Na colcha já amarrotada Narcisa se aninhou perto da cabeceira a observar os tons rosados das pétalas aos seus pés. O anonimato do autor daquela gentileza a intrigou profundamente explorando um pretérito já enterrado. Aquela doce infantilidade que ainda inspirava para seus dedos percorrerem as teclas do piano numa melodia triste.

Olhou para um quadro, pintado a óleo por ela mesma, estampando a parede. Contrariando o convencional, a pintura propositalmente não se movia. Queria estampar a imagem da constância, do puro hábito. Lembrou-se do que pensara ao pintá-lo: a chuva fraca na noite que invadira o quarto do primo e as cores fortes traduzindo a intensidade das outras que ocorreram. Os pingos verticais davam aparência de prisão ao olhar longínquo.

O anseio era de alguém ouvir seu silêncio e entender de que metades ela era feita. O que na época ainda não eram metades, mas sim de uma personalidade tão forte quanto a de Bellatrix. Talvez não tão agressiva, mas atraente. Não tão decisiva, porém subjetiva. Talvez não tão gritada, mas designada a sussurros.

Além do mais, não eram necessários sete pecados para que esbanjássemos a sabedoria de burlar todas as regras, só a luxúria naquele tabuleiro chamado Grimmauld Place. Férias... bons tempos foram aqueles.

Seria ele cego o bastante para não perceber o meu descaso? Não, definitivamente não, afinal ele tentou fazer o mesmo comigo...

Aprendiz.

Eu gostava de como ele me chamava e sua rapidez para me encurralar. Fui uma boa feiticeira. Ele simplesmente voltava-se contra minha face, silencioso e devorador, me instigando aos pedidos atraídos pelos meus olhos. Nisso éramos iguais: íris em tons do oceano. Nos encarávamos como espelhos, sem baixar a guarda. Apavorava-me por uns instantes que fosse um cafajeste enrustido. Era um jeito louco de extravasar e roubar os sentidos; a deixar escapar ínfimos segredos.
Óbvio... nada que fosse de grande valia saía dos meus lábios.

Cada noite talhada por aquele beijo me conservava um medo seguido por um frio que percorria até o último fio do meu cabelo. Aquilo acabava comigo...


*


”O fogo na lareira ainda ardia quebrando a falta de sons por discretos estalos. Num alaranjado que lembrava não somente a estação seca do outono, como a energia do verão...e que apenas aquecia no inverno. A capa dura do livro não cansava a sua mão a passar mais uma página das muitas que faltavam. Apetecia parar na mesma posição por horas a devorar romances nos seus inúmeros mundos.

O garoto apareceu quase que deslizando sem pretender distrair ninguém; Narcisa ouviu a chegada repentina às suas costas. Não tirou os olhos da página cento e quinze, que agora não mais lhe prendia.

- Bom dia, Cissa. – saudou o garoto depositando um beijo no seu pescoço; ela se encolheu de cócegas – Progrediu na leitura?

- Sim, muito, antes de algum jovem galanteador ter o prazer de me ver arrepiada.

- Foi quase inevitável.

- Disse bem, quase. A verdade é que você não resiste a mim, Regulus. – ela puxou-o pela gravata e lhe deu um beijo dedicado. Num sentido fervoroso, onde mãos e pele se atraem magneticamente.

Quanto à afirmação dela, ele não rebateu. Os dois sabiam dessa veracidade.”


*


Os cabelos loiros voaram para seu ombro num olhar rápido para a rua. Ela sorriu. Não queria tê-lo deixado à deriva. Não que se arrependesse do casamento com Lucius ...mas...ele fora seu confidente.

No fim do dia, se trancava ao quarto e, debruçada na janela, analisava o mundo fora das paredes. Não tanto absorvendo a paisagem, mas organizando mais uma escapada para o porão. Ela sorria. A cada fim do dia ela parava para fazer isto, até um primeiro ponto cintilante avisar a hora do jantar e seu sorriso voltar ao normal.

Eu não sabia que hora falar, então ficava quieta. E ainda queria me convencer que ele era o meu brinquedo. Em princípio, era eu que não o queria, mas a vida faz, refaz e torna ao início. Quando eu me largava à vontade dele, impunha o xeque mate e o jogo terminava.

A febre da idade não passava, acarretando um charme daquela atração. Intrigava-me como sempre estávamos dispostos a achar um esconderijo e revirar mistérios. Febre e atração. O fato é que o mais funesto dos erros se tornava sucessivo e coberto. Bons atores não transmitem a gravidade do problema.
Sim, éramos bons atores numa peça dramática abarrotada de acidez.


Um romance surreal, dir-se-ia divino se não soasse tão piegas. De uma idéia louca vindo na insônia, de ocupar um pouco os cantos do quarto de Regulus, surgiu o necessário para ambos.

Seria então essa a sua vingança por tê-lo feito uma peça do seu xadrez... a tortura de lembrar que eles já não poderiam estar no mesmo lugar. Aquelas rosas não eram apenas flores, mas cortes sem cicatrização que ele exibia com orgulho para que ela fosse novamente a culpada. O jovem das indiretas que atribuía a culpa para o primeiro que fosse mais volúvel que ele.

A loira afundou nos travesseiros olhando para o lado. Sentiu o perfume amadeirado vindo daquela outra metade. Lucius desencadeara um segundo sentimento que foi o bastante para dividi-la. Foi então que começou a enfraquecer a sua antes tão grave individualidade.

*


“A cortina de gente abriu seus olhos para o que ocorria enquanto permanecia estática em casa. Pessoas risonhas, olhares de viés, toque, lábia e petulância. Uma taça cheia e uma companhia a sua altura. Uma reunião gentil, ou obviamente interesseira, de Bellatrix não trazia qualquer boa expectativa para aquela noite.

- Você quer... alguma bebida? – Regulus a acompanhava em sua pose invariável tentando ser polido, mas isso o fazia cada vez mais tedioso – Talvez você ache um bom lugar para se acomodar enquanto eu pego uma boa taça.

Narcisa acenou perfurando o espaço entre as pessoas a perambular pelas salas, biblioteca, corredores e a sala de jogos. Neste último sítio ela manteve as mãos na maçaneta da porta escutando os murmúrios. Sem dúvidas era sua irmã e seu cunhado, mas havia mais gente ali dentro.

- Uma péssima cortesã. – sussurrou para si.

- Não diria isso se fosse você, Cissa! – contestou um jovem do outro lado assustando-a – Malfoy, Lucius Malfoy. – ele se apresentou ainda mais cortês quanto Regulus. Para o diabo que estivesse perdido com duas taças a incomodar o tato, pensou. Malfoy sugeria ser amigo de Bellatrix, ou apenas fisicamente a idade parecida; o que importava é que Narcisa já não era segredo para ele. Seu silêncio ao mero gesto do prazer em conhecê-la fez perceber que ele era o seu espelho. Pela forma de usar sua própria mão para abrir a maçaneta daquela porta e fazer a gentileza de exibir a mais nova companhia do recinto.

Narcisa foi obrigada a abrir a porta, encarou a mesa mal iluminada onde jaziam cartas e algumas fichas do jogo. Sua irmã lhe dirigiu um olhar pretensioso sorrindo para Malfoy. Este lhe dirigiu um olhar cristalizado, ao passo que ela o analisava às pequenas partes de suas feições tão pálidas quanto às próprias. O que a segurou foram os olhos, cinzas como o reflexo do inverno no jardim.

- Quer jogar, maninha? – Bellatrix questionou em falsete bebendo um drinque.

- Não, obrigada. – respondeu seca dirigindo-se à porta. Nem por um instante duvidou do fato daquelas pessoas serem intragáveis, a conversar num alto nível de deboche. – Regulus me espera.

- Não seja por isso. – prontificou-se Lucius, visivelmente vidrado na loirinha que Bellatrix tanto desdenhara. Agora ele percebia suas mentiras, puro artifício de inveja.

- Que seja, suas fichas já estão escassas... Rodolphus, sua vez. – articulou a irmã mais velha encostando-se à cadeira.

A garota não viu mais nada, só ouviu o baque da madeira e passos atrás de si. Sentiu a boca secando e as palavras fugindo da sua cabeça; manter uma prosa do seu grau seria difícil. Essa era mais uma vez que ela permanecia quieta.

Mais alguns passos ecoaram com aquele homem ao seu lado. Suas mãos não sabiam mais onde serem postas, nem mais as articulações podiam ser estraladas. Ele calava em controvérsia a milhares de letras que organizavam uma sentença impressionante para que a fixasse até a meia-noite.

- Você é a irmã mais nova da Bella, certo?

- Sim. – sua voz saiu tremida.

- Veio acompanhada?

- Sim.

- Sim?

- Meu primo, Regulus Black. – ela respondeu sorrindo para o chão. Ao vê-lo sorrir também, esclareceu – Não era apenas uma desculpa para sair de lá. Obrigada por me acompanhar.

- Será um prazer. – disse oferecendo-lhe o braço ao entrarem na sala.

Naquele ambiente embalado pelas notas calmas vindas de uma sala ao lado, os murmúrios se estendiam por todos os centímetros. A loira olhou para os lados procurando Regulus; sua taça provavelmente vazia.

- Nunca te vi em lugares assim. Não gosta da sociedade ou odeia as pessoas que freqüentam esses lugares?

- Não, não... – ela estava mais confiante em suas letras – Eu era muito nova, na verdade eu ainda freqüento Hogwarts.

- Aquele tempo foi bom, mas depois dele é muito melhor. – Lucius pareceu se deliciar com aquelas palavras.

- Tem algum outro mundo que eu não conheço?

- Talvez. – a resposta ficou no ar, e ela não insistiu mais nisso.

Não que estivesse deslumbrante, mas captou alguns olhares de cobiça estilhaçando seu campo de visão. Mulheres descaradas que acabaram por achar incrédulo Lucius com a mais nova das Black, mesmo que recém conhecidos.

- É, sou um tanto diferente da minha irmã, ela é muito mais... hostil do que eu. Quer mandar, ter o mundo nas mãos.

- Rodolphus que o diga. – ele riu sozinho – Entretanto ele não se preocupa, afinal, a cabeça da casa é o homem.

A garota, que estivera saciando a sede, não perdeu a oportunidade de uma boa réplica.

- Mas também dizem que a mulher é o pescoço, pois move a cabeça para onde quiser. – ele a analisou profundamente anotando sua sagacidade.

- Narcisa. – chamou alguém atrás deles. Lucius esqueceu a pompa e virou-se. Seu primo estava parado com as mãos escondidas nos bolsos. Seu semblante tangenciava a raiva.

- Este é o senhor Malfoy, Regulus. Lucius Malfoy. – ela os apresentou.

- Prazer, Regulus Black. – impôs estendendo a mão em cumprimento. Só um tolo não perceberia a troca de olhares fulminantes. Regulus não queria perder o conquistado, Lucius não queria perder uma conquista.

- Acho que a dama já tem sua devida companhia. – falou Malfoy com um aceno – Com licença.

- Obrigada. – Narcisa agradeceu com uma breve reverência – O que foi Regulus?

- Vamos embora.

- Eu quero ficar mais um pouco.

- Ótimo, sua mãe saberá disso. Ela disse claramente para que voltasse comigo... Quando eu quisesse.

Ela não retrucou, apenas lhe meteu um olhar fuzilando o azul mar. Segundos depois a grande lareira ardia em chamas esmeralda sob os olhos atentos de um homem elegante.”


*


Enfim seus dedos tocaram as pétalas, finas feito seda. Os quilates nas mãos brilharam à pouca luz do luar que entrava pela janela aberta. Apertou um botão de rosa nas mãos, perfurou as fibras despedaçando-o. Deixou os restos caírem sobre a cama, num movimento de retardo, junto às emoções que a derrubavam mais e mais. Com os olhos marejados, fez de farelos mais alguns botões.

Então houve o dia que eu conheci Lucius Malfoy. “Encantado”, ele me cumprimentou. Simplesmente pasmei com nossa semelhança.

Talvez tenha sido por isso que esqueci de Regulus tão rápido; concordava aos incentivos da minha mãe ao dizer que o Malfoy era um bom rapaz, de boa família. Apenas confirmava numa lentidão de pensamentos que me denunciava estar apaixonada. Nunca tinha visto aqueles olhos cinza, meio nublados e um requinte que ultrapassava o meu primo.


Num turbilhão, sentiu extremos que nunca sentira em anos. Ódio por seus sentimentos frequentemente negados e amor por um pecado. Culpada, mil vezes a culpada que era a viver sem poder fazer nada para livrar-se do crime que cometia. Mais do que assassina da Narcisa que era, do sorriso breve da garotinha e da avidez da jovem estonteante. Facas eram dispensadas neste tipo de delito.

Mas a minha insanidade teve de ser esquecida, pois eu virei metade amor e metade atração.

Às vésperas do casamento, conservava-se a dançar num segundo plano, a inventar uma atriz que apenas gravasse o seu papel... A esperar sua marcação no cenário. Parecia um bolero, superlotado de pedidos incessantes e dramatizados, num ritmo alucinante, sedução e morte!... Foi assim, exatamente assim, que Narcisa Black morreu. Finalmente restou apenas a insossa Sra. Malfoy.

Talvez um dia eu descubra como fiz para suicidar minha alma. Como fiz para me apaixonar perdidamente e esquecer quem era realmente minha fascinação. No futuro, quem sabe, eu descubra como pude manter esta geometria complicada de três vértices... e eu fui a ligação entre tudo.



N/A: Agradeço a quem leu e ...um coment não mata ninguém! ;D

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