Obsessão



Eu tinha meus dois anos quando ele nasceu. Uma criança pálida e forte, como eu sabia que sempre seria. Eu fui a primeira criança que nossa família colocara na beira de seu berço quando já tinha aberto os olhos, para contemplar aquele que seria o herdeiro de nossa família. Não me agradou olhar para aquela face alva com dois pontos pequenos e cinzas que brilhavam diferentes de todos os outros olhos de nossa família. Ele por inteiro era diferente. Sempre seria e esse foi o seu primeiro erro. E eu, com meus dois anos de vida, senti por ele algo que eu julgaria mais tarde um erro, senti que deveria protegê-lo. Do que quer que fosse e quando quer que fosse. Chamaram-no de Sirius. Eu entenderia o significado de seu nome anos depois.

Bella, meu apelido, foi uma das primeiras palavras que o pequeno Black aprendeu a pronunciar. E era comigo que ele brincava todas as manhãs, tardes e noites. Não gostava de Narcissa e quando a mesma estava por perto ele a machucava e chorava até que a tirassem de perto dele. Eu sorria cada vez que ele fazia isso. Eu era a preferida e gostava daquele lugar. Aos quatro anos ele já era o menino prodígio da família e eu não gostava de ser deixada em segundo plano, deixei de brincar com ele, afinal já tinha meus seis anos e minhas amigas que vinham todas as tarde tomar chá comigo na varanda de casa. Tomávamos chá que minha mãe fazia, dizia que tomar chá as cinco da tarde era uma tradição que deveria ser praticada desde cedo. Mas logo elas encontraram Sirius em um dos andares da casa e as minhas tardes a partir daquele dia se tornaram repetitivas. Quando chegavam em minha casa não queriam mais saber de chá, queriam ver Sirius e isso me deixava nervosa. Sua presença me incomodava, mais do que eu jamais pensei que incomodasse, e assim eu me vi obrigada a conviver com ele na minha roda social novamente, agora que eu já tinha aprendido a odiá-lo. Mas aos poucos ele foi me envolvendo com seus sorrisos e gestos delicados de criança e eu percebi que eu nunca o odiara de verdade. E eu nunca poderia odiá-lo. Não de verdade. Não puramente.

Então, minha tia ficara grávida novamente. Sirius não gostara da notícia e odiara ainda mais a criança no ventre de sua mãe após saber que seria um menino. Estava tão obcecadamente acostumado a ser o único garoto da casa que essa notícia fez com que se revoltasse, os dias na mansão Black passaram a ser preenchidos por seu estridente choro. Duas semanas haviam se passado desde a notícia e eu já não agüentava mais o tormento do meu primo mimado. As minhas amigas não me visitavam mais por também não suportarem o garoto chorando. E ele não parecia se cansar, o que me deixava incrédula. Só parou quando viu a minha figura na porta, sorriu. Um sorriso aliviado. Eu me aproximei de seu berço dourado, com seu nome na cabeceira e tentei olha-lo com desprezo mas eu me derreti quando sua voz saiu rouca e tímida ao pronunciar “Bella”. E foi ali que começou a minha obsessão. Tão pequena que eu mal pude notar. O tomei em meus pequenos braços e o admirei enquanto ele brincava com uma mexa do meu cabelo negro, igual ao dele.

Quando o segundo filho de minha tia nasceu, Sirius havia acabado de completar cinco anos e foi a primeira criança que minha tia pôs para ver o irmão, ao qual ela deu o nome que Sirius aprendera a odiar por seu significado, Régulus, Pequeno Rei. No momento exato em que Sirius pôs os olhos no irmão começou a chorar, eu entendi seu choro. Estava com raiva do irmão, não o queria vivo. Mas com o tempo Sirius aprendera a amar o irmão. Assim como eu aprendi a amá-lo. Ele não brincava mais comigo, direcionava sua atenção para o pequeno menino que orgulhosamente chamava de irmão. Algo dentro de mim mudou quando eu percebi que não era mais sua preferida. Os anos passaram com tamanha rapidez e Sirius se encheu do irmão que se apegara a ele como chiclete. Eu sorri quando ele correu para trás de mim desesperado. De algum modo ele sabia que Régulus tinha medo de mim e eu nunca soube por que, o fato é que Régulus nunca mais voltou a importunar meu primo mais velho à partir daquele momento, só brincava com Sirius quando esse lhe chamava para nossas brincadeiras. Quando eu vi já tinha dez anos de idade e no ano seguinte seria mandada para Hogwarts.

Foi com essa idade que eu descobri que sentia algo por meu primo. Algo longe de ser amor, longe de admiração, longe de qualquer sentimento nobre. Eu não compreendia os meus próprios pensamentos. Eu passava noites em claro tentando achar a palavra certa para aquilo que eu sentia. E em uma dessas tantas noites escuras eu acendi uma vela solitária, que mal iluminava a tela branca a minha frente. Eu me vi pintando o retrato de um sentimento escondido. Nunca fora boa escritora ou compositora, mas eu sabia pintar muito bem e eu sabia disso. Pintei até a tinta acabar. Eu pintei os tons do sol em seus cabelos negros, as várias cores dos seus olhos e os tons vermelhos de sua boca e me senti satisfeita. O quadro havia fica belo, mas cada pessoa que olhasse varia que tinha um sentimento escondido em cada pedaço da tela de pano. Então eu o rasguei. Rasguei por que sabia que seria reprovada. Rasguei por que não tinha fundamento algum eu fazer aquilo. Rasguei por não saber o que fazer com meus pensamentos. E rasguei mais ainda por chorar por estar rasgando-o. Como eu sabia que faria com tantos outros quadros e pergaminhos. Nas semanas após a minha obra eu desisti de pintar. Tinha se tornado algo repetitivo. E eu resolvi escrever. Escrevia toda noite. Cada gesto, cada palavra, cada expressão. Eu detalhava tudo, até mesmo um simples olhar e eu me sentia bem escrevendo, digo novamente que nunca fui boa escritora, mas eu aprendi sozinha a por meus sentimentos em palavras, em pequenos poemas para ele. Rascunhos feitos em qualquer folha e a descrição perfeita dele.

No ano seguinte, com meus onze anos, recebi a carta que nos separaria. Eu sorri balançando a carta em minha mão. Meus pais e tios me deram parabéns, até mesmo Sirius tristemente me deu um tímido parabéns de longe antes de subir para seu quarto. Então meu sorriso se desmanchou; a sua tristeza, era a minha tristeza. Eu subi até o seu aposento e o encontrei deitado em sua cama, olhando o teto com um olhar vazio. Os cabelos negros e finos caídos em seus olhos que me olharam tipicamente mórbidos.

“Vou sentir sua falta”
“Também vou Sirius, mas você logo recebe essa carta.”
“Em dois longos anos”
ele suspirou pesadamente.
“Sim, em dois anos” eu sentei no pé de sua cama.
“E se você me esquecer?” ele soou infantil, e tinha consciência disso.
“Como?”
“E se nem me cumprimentar quando passar por mim nos corredores?”
ele parecia preocupado com a idéia de que eu podesse esquecê-lo, mas ele nunca realmente se importara antes, eu acho.
 “Não vou esquecê-lo, Sirius! Você é meu...Primo” eu disse antes de sair. O seu olhar triste estava me incomodando. Machucava em mim saber que ele se importava, e eu nem ao menos sabia o por que doía tanto.

Quando o dia de embarcar no expresso Hogwarts chegou, ele fez questão de ir junto me levar na estação 9¾. Me ajudou a colocar a mala dentro do trem. Eu sabia que enquanto ele não pisasse nos campos de Hogwarts eu enlouqueceria. Quando o trem partiu eu o vi acenar tristemente para mim e na curva, quando eu poderia vê-lo novamente, eu não o fiz. Não queria levar na memória a tristeza em seu rosto quando ele ficava muito mais bonito alegre. Balancei a cabeça e apoiei o rosto nas mãos. Foi então que um garoto de cabelos cumpridos e olhos profundamente negros entrou na minha cabine, sem nem pedir licença, sentou-se a minha frente, foi então que notei que seus cabelos tinham uma cor avermelhada contra o sol. Sorri, mas ele não sorriu de volta. Foi a primeira vez que senti falta de Sirius, e não seria a ultima.

Na mesma noite em que cheguei ao castelo eu me sentei em uma das várias mesas no salão comunal de minha casa, Sonserina, com um pergaminho e uma pena estendidos à minha frente. Eu fechei os olhos e escrevi até o momento em que não podia mas ver Sirius em minha mente, até o aceno na plataforma. Então percebi que não poderia mais escrever, eu não o via mais. Passei uma semana sem escrever nada, foi nessa semana que quase enlouqueci e resolvi escrever as memórias que tinha com ele. Isso ajudou e muito a me controlar por um bom tempo até que por fim as palavras começaram a parecerem repetitivas à mim e eu não via a hora do feriado de Natal chegar para ver Sirius novamente.

Dizem que quando esperamos muito alguma coisa, o tempo demora mais a passar. O natal chegou trazendo com ele todo o frio que o inverno poderia trazer. Na véspera eu arrumei minhas malas, pronta para voltar para casa. Quando cheguei encontrei a mesma árvore de minha infância no mesmo lugar onde sempre era montada, cheia de presentes para os pequenos Black. Procurei por Sirius depois de receber todas as parabenizações por estar na Sonserina, e só o encontrei no meu quarto, sentado em minha cama impecavelmente arrumada.

“Eu a mantive intocável desde que fora embora”
ele sorriu, como um bom primo.
“Obrigado” balbuciei.
“Bem, não me avisaram que você viria”
seu semblante era sério. Quase traído.
“Pelo que me contaram você não tem sido um bom menino”
 “Bem, desde que você se foi, eu não tenho mais com quem passar as tardes”
ele quase me acusava de ter ido para Hogwarts. Nós nos encaramos por algum tempo antes dele levantar e me abraçar. O que me surpreendeu, ele não era o tipo que se deixava levar por impulsos.
“Você faz falta, Bella” disse antes de descer.

 Eu parecia pisar em nuvens enquanto descia, mesmo sabendo que o que ele sentia por mim não passava de admiração, e na verdade eu não esperava mais do que isso mesmo dele. Eu sentei ao seu lado sorrindo, ele também sorriu. Se alguém na mesa havia notado nossa cumplicidade, não falou. O pai de Sirius iniciou um longo discurso ao qual todos os Black já conheciam, pelo simples fato de ser dito todos os natais, sem sequer mudar uma palavra de lugar. No segundo ano que passei no colégio, as frases repetidas em meus pergaminhos já eram rotina, à qual eu não me importava em escrever, desde que saciasse o meu desejo de expor meus pensamentos.

Eu não voltei mais para a casa nos feriados, eu não queria ter memórias dele. Eu queria esquecê-lo, mas ele era um dos demônios que me constituíam e sem ele, Bellatrix Black não era Bellatrix Black. Nas férias de verão entre o segundo e o terceiro ano é que Sirius recebera sua carta, eu não cabia em mim de felicidade. Eu o veria com mais freqüência que o necessário. E eu tinha tanta certeza de que ele iria para a Sonserina quanto o céu era azul. Mas para meu desespero total ele fora para a Grifinória. E a família passou a odiá-lo, assim como eu. Entretanto, nossos parentes o odiavam por ser diferente e eu o odiava por estar longe de mim, longe da minha proteção e ele não parecia se importar.

Quando ele fez catorze anos eu parei de escrever, ele sabia que eu o seguia, e eu não me importava que ele soubesse. Eu parei por que minhas anotações tomaram outro rumo. Eu descrevia não somente ele, mas as garotas com quem ele saia e como eu queria estar no lugar delas. Eu sentia ciúmes dele, ele era minha obsessão de qualquer jeito, saindo ou não com garotas. Eu podia agüentar os seus amigos, o seu ego adquirido conforme a sua beleza crescia, podia aturar que não ficasse na mesma casa que eu e eu poderia ignorar o fato de que ele fizera aquilo que uma vez tivera preocupação de que eu iria fazer, ignorar. Ele passava por mim nos corredores e não me cumprimentava, nas primeiras vezes eu repeti “ele não deve ter me visto” seguidas vezes e só parava quando achava que já estava convencida, mas as primeiras vezes se tornaram muitas vezes e mais vezes até que eu não podia mais usar aquela desculpa. Eu fui falar com ele depois de um dia cheio de aulas estúpidas.

“Sirius?”
disse abrindo a porta da sala em que combinamos de nos encontrar, ele me olhou mórbido.
“O que foi?” o tom que usou não era nem um pouco parecido com o que eu me contentava em receber, admiração.
“O que aconteceu?” eu comecei, mal sabia por onde começar “Você mudou”
“As pessoas mudam Bella”
“Mudam, mas elas costumam ter motivos para mudar!"
“Quem disse que não tenho motivo?”
“Que motivo?”
“Eu encontrei pessoas que me abriram os olhos para o que você é”
“O que eu sou?”
“É. Você fez a sua escolha, está fazendo o que acha certo. Mas eu não posso seguir o seu caminho a vida inteira”
“O que quer dizer com isso?”
“Que você está do outro lado. Do lado que eu não escolhi. Você está com ele”
escreveu Lorde das Trevas no ar com a varinha. Como ele sabia eu realmente nunca soube, mas ele parecia decepcionado era a primeira vez que eu me sentia culpada e arrependida de minha própria decisão.
“Ah. Você acha que é errado esse ‘lado’? E o que demônios você acha certo? Andar pelo colégio azarando os meus amigos, saindo com uma garota por dia e fazendo coisas depravadas?” eu quase gritei quando o seu olhar queimou sobre mim. Ele veio até mim e pegou meu braço firmemente, ele era visivelmente mais alto do que eu. Seu rosto veio em direção ao meu, eu esperei por um beijo que não veio em vez disso eu o escutei dizer.
“Eu tenho uma confissão Bella. Eu amo depravação” e me largou tão bruscamente que eu quase perdi o equilíbrio. Saiu. Essa foi a segunda vez que senti saudades de Sirius. Uma saudade antecipada, saudade que eu não sentia desde que havia recebido a carta da escola. Eu sabia que estava perdendo-o e eu não sabia como segura-lo perto de mim. Quando me dei conta do que estava fazendo, do que estava perdendo, eu corri. Corri até ele e o olhei fundo nos olhos pedindo para que ele me entendesse, mas ele não entendeu, desviou de mim e continuou seguindo pelo corredor, eu parei na sua frente e o empurrei com toda a força que eu tinha, ele deu alguns passos para trás e eu sai correndo. Eu queria distancia dele, queria ele longe das minhas memórias.

No meu ultimo ano em Hogwarts eu pintei seu rosto novamente. Eu pintei os pequenos olhos cinzas e a cor pálida de sua pele. Passei dias tentando achar a cor certa em seus cabelos. Eu mostrava o quadro quase que diariamente para Rodolphus, o garoto de cabelos avermelhados do meu primeiro ano, ele não dizia nada, balançava a cabeça de um lado à outro e raramente fazia um elogio, mas eu sabia que ele gostava e que no fundo queria que eu o pintasse também. Eu sabia que ele suspeitava da minha obsessão e não fazia questão de esconde-la dele, ele era um bom amigo e um ótimo confidente. Tinha um longo, muito longo, cabelo castanho-avermelhado ao qual eu adorava enrolar meus dedos e passar horas a fio escovando-os. E quando terminei foi à única vez que vi um sorriso verdadeiro dele, sorriu e me elogiou, e depois de tudo ele pediu para sair comigo. Eu aceitei, precisava esquecer Sirius, pelo menos um pouco, nem que fosse meio segundo, mas eu precisava.

Eu saí com ele por uma semana até que Sirius descobrisse, eu sentia seu olhar sobre mim todas os dias durante as refeições e às vezes quando levantava os meus próprios olhos eu o via me olhando, perecia me fuzilar e ao mesmo tempo triste. Eu estava gostando daquilo, de faze-lo sentir o que eu sentia. Saudade, tristeza por não vê-lo nem falar com ele. Mas a sua dor era a minha dor. E eu procurava não pensar nisso.

Em uma saída especialmente fria para Hogsmead ao qual eu fui acompanhada de Rodolphus, pela milésima vez. Eu estava na Cabeça de Javali, local onde eu e ele costumávamos ir sempre, mas dessa vez Rodolphus resolvera dar uma passada em qualquer lugar que eu realmente não tinha prestado atenção. Eu estava esperando um copo de wisky de fogo quando Sirius entrou, estava sozinho, sério e um olhar mórbido mais mórbido ainda, se era possível. Pegou no meu braço e me levou para fora com tamanha brutalidade que eu mal consegui caminhar. Ele me levou pra longe da agitação da pequena cidade, perto de uma gruta, na parte mais escura da cidade. Deu uma volta e meia em torno de si, um braço cruzando o tórax da direita para a esquerda e uma mão no queixo tudo isso acompanhado de um ar perigosamente pensativo, por fim disse:
“O que você está tentando fazer?”
“Eu? Em relação à que?”
me encostei à parede massageando o braço.
“Em relação à que?” ele pareceu exasperado “Você sair com o merda do Rodolphus! Você sabe que eu não gosto dele e mesmo assim o faz”
“E desde quando você tem que gostar das pessoas que constroem a minha roda social? Eu não me meto na sua roda de amigos e eu esperava que não se metesse na minha também” Ele me olhou incrédulo. Sabia que eu estava atacando-o por que não sabia outro modo de me defender e isso não parecia incomoda-lo, o que parecia não deixa-lo em paz era o fato de eu sair com Rodolphus e ter Severus como amigo. Eu estava envolta em meus pensamentos, construindo o meu forte em volta de mim mesma e só voltei ao mundo real quando ele deu um soco na pedra, furioso com alguma coisa, eu tive a sensação de que a pedra rachara, mas eu sabia que dentro de mim, ao meu redor, o muro que eu estava fazendo com tanto carinho desmanchou. Ele me olhou decepcionado antes de sair e me deixar sozinha. Eu sabia que era apenas proteção aquilo tudo, mas no fundo eu queria que fosse mais.

Na minha formatura eu entreguei à ele todas as minhas anotações e o seu retrato envolto em papel pardo. Nós fomos para os jardins e ele rasgou o papel e sorriu ao ver seu rosto estampado no tecido, me agradeceu com um selinho, igual quando éramos crianças, e com um feitiço refez o embrulho depois de me agradecer novamente desta vez com um “obrigado” que eu mal tive tempo de responder e ele já havia ido se encontrar com uma garota loira, dera um beijo nela, que fez uma lágrima escorrer do meu olho, e um abraço, que fizera outra lágrima rolar. Passei os dedos gelados sobre os meus lábios quentes antes de voltar para a festa com o meu mais bem ensaiado sorriso.

Eu voltei para a casa. E quase enlouqueci novamente, pela terceira vez. Os quadros que eu fazia tornaram-se enfadonhos, chatos, e os textos eu há muito já tinha deixado de escrever. No primeiro mês que eu passei em casa eu visitava seu quarto quase diariamente, ou então a biblioteca, eu li todos os livros possíveis de lá. No seu quarto, eu sentava em sua cama e observava a nossa imagem perfeita, eu e ele, deitados nela. Nos dois meses depois eu aprendi a bordar e tricotar, sozinha. Eu comprava toalhas brancas e bordava seu nome nela, eu picava meus dedos e muitas delas ficaram manchadas com meu sangue. Depois de cinco meses bordando e tricotando eu aprendi, com minha mãe, a costurar. Eu costurei meu vestido de noiva, mesmo que eu não tivesse pretendente algum, eu sonhava que ele seria o homem ao meu lado no altar. No 12º mês eu tranquei a porta do quarto dele e, quando passava pelo corredor, apertava o passo até estar longe da porta, apenas para não cair na tentação de entrar.

Na noite em que se formou, ele não voltou para a casa, ele não voltou por que não pertencia mais a família e todo dia eu lembrava disso quando olhava a tapeçaria da árvore genealógica dos Black, onde meu tio havia queimado seu nome com a mísera ponta de um cigarro, nem se deu ao trabalho de tirar o nome do primogênito com dignidade. Às vezes eu sentava em frente a ela e encarava por horas a fio, como se ela fosse me dizer onde ele estava ou que ele iria voltar.

Dois anos depois, Rodolphus Lestrange, com quem eu nunca havia perdido o contato por ser o único que me ouvia falar de Sirius, me pedira em casamento. Eu já estava com vinte e um anos, era uma boa idade para casar. Eu aceitei, meio a contra gosto. Eu não mandei convite a ele, não sabia onde ele estava, a única que mantinha contato com ele era Andrômeda, minha irmã caçula, e ela não falava o seu “esconderijo” nem sob tortura, minha mãe tentou isso. E acho que foi ela quem falou para ele sobre meu casamento, pois ele apareceu na noite em que me tornaria Sra Lestrange. Foi até meu quarto, onde me vestia com ajuda de algumas amas, e pediu para que elas saíssem.

“Vai mesmo se casar com Rodolphus?”
"Não vejo por que não”
falei arrumando meu coque. “Ele é um ótimo partido”
 “É, cheio da grana”
“E com um bom nome! E boas influencias.”
“Sobre o que?”
“Muitas coisas, meu primo, coisas com as quais você não concorda.”
Eu não vi quando aconteceu, mas em um minuto eu estava fechando o meu colar de prata com um grande pingente formando um B e no outro eu estava com os lábios colados aos de Sirius. Eu poderia morrer ali e ainda assim estaria feliz.
“Ainda vai casar-se?”
“Ainda.”
Olhou-me triste.
“Podíamos fugir”
“Agora? Ficou louco? Eu seria deserdada”
“Seriamos dois”
“E viveríamos como? De vento? Você parece que não pensa!”
eu estava frustrada por não poder fugir com ele. Por não ter a mesma coragem que ele. Por aparentar ser o que não sou. Forte.
“Os seus valores são dinheiro e poder” Ele afirmou, mas sabia que aquilo não me abalaria, era verdade. E verdades, quando já sabemos, não doem. Saiu do quarto depois de falar aquilo e as amas voltaram. Eu desarrumei o coque e mandei que me deixassem o mais bela possível. Eu queria esconder a minha tristeza com a minha beleza, o que não era difícil. Quando eu desci, eu o vi no pé da escada, me olhando triste e furiosamente. Foi a primeira vez que me permiti chorar. Discretamente deixei uma lágrima escorrer quando meu pai pegou meu braço. E a cada passo em direção ao altar as lágrimas vinham mais intensas acompanhadas de um belo sorriso. Todos no salão pensavam que era emoção, alegria. Quando era exatamente ao contrario. Eu sentia o seu olhar queimar na minha nuca. Foi a única e última vez que olhei para trás e o vi chorar junto comigo. Ele estava tão perto mas eu o sentia tão longe a cada passo que eu dava em direção a Rodolphus. Foram cinco minutos, mas foram os cinco minutos mais longos de toda a minha existência. Ao pegar a mão gélida e pálida do meu futuro marido, Rodolphus me olhou de uma maneira quase carinhosa e soltou um “ele não merece as suas lágrimas, Bella. Você está linda”. Rodolphus nunca soube do nosso beijo secreto e se soubesse não faria diferença. Ele nunca me deixaria, era louco por mim, de certa forma. Nunca chegou a ser como Sirius era para mim. Uma obsessão. Mas com o passar dos anos eu adquiri por ele um carinho quase apalpável.

Uma certa manhã ele cansou de escutar sobre meu primo, como eu sabia que ele cansaria. Eu nunca mais falei sobre ele, mas nunca o esqueci. Depois de um tempo, eu não tive mais notícias dele, se estava vivo ou morto, casado ou solteiro, se tinha ou não filhos. Cheguei a mandar cartas a Andrômeda pedindo por notícias dele, mas ela respondeu me dizendo que não sabia dele havia alguns anos. Pelo jornal eu soube que ele estava em Azkaban. Algo sobre a morte dos Potter e mais treze trouxas. Lord só me informou desse acontecimento no dia seguinte, logo eu que era sua mais fiel seguidora. Eu só fui a Azkaban no ano seguinte. Ele estava sentado, encolhido, no chão, abraçando as pernas e olhando para a lua através de uma pequena janela com grades. Murmurando coisas inaudíveis. Não tinha mais um rosto tão bonito, mas com certeza ainda era charmoso.

“Sirius?”
“Não foi... não... Eu não, não...”
 “SIRIUS?”

“O que?” ele me olhou, os olhos sem foco.
“Sinto sua falta” eu segurei as grades e mordi o lábio inferior até sangrar, segurando as lágrimas.
“Bella?” ele se grudou às grades, trazendo seu rosto à claridade. Estava mais pálido, com mais olheiras, mais cansado.
“Sim. Sou eu, Sirius” eu passei a mão pelo seu rosto.
 “Ninguém veio me visitar. Não me amam mais” ele delirou.
 “Eles nunca realmente amaram alguém”
“Eles amavam você. Era o exemplo que queriam que eu seguisse. Um exemplo de puro-sangue”
“Mas eles não sabiam que eu sempre quis ser como você”
“Um deserdado? O rebelde? Ou a ovelha negra?”
“O mais forte. O mais seguro. Um homem corajoso” ele pareceu sorrir.
“Foi a única que deve ter notado isso”
“Não, Andrômeda também. Ela admirava você”
“Não admira mais?”
“Ela acha que você fez aquilo que saiu nos jornais.”
“Mas não fui eu” ele gritou batendo nas barras de ferro.
 “Eu sei. De alguma forma, você idolatrava os Potter”
“Eram meus amigos, Bellatrix” por um momento os seus olhos pareceram se fixar nos meus. Eu pus meu rosto mais para frente e toquei seus lábios, ele fez o mesmo. E nós nos beijamos com a barra da cela entre nós até o homem mal encarado vir me dizer que a visita havia terminado, quando eu estava virando a esquina do corredor ele falou, olhando para baixo, onde há pouco meus pés haviam estados:
“Eu te amo, Bella.”
“Eu te amo, Sirius.” Uma lágrima escorreu pelo meu rosto, ele pareceu sorrir na penumbra da carceragem. Alguns anos depois eu fui presa durante uma missão, junto com Rodolphus, Lucio Malfoy, minha irmã Narcissa agora Malfoy e mais alguns parceiros. Mas eu sabia que Lord viria nos “salvar”.

Acho que para me torturar, me colocaram em uma cela em frente à de Sirius, que a essa altura já estava louco. Eu o vi rir de mim quando entrei na cela. “Não falei que era uma escolha errada, Bella?” Eu o ignorei e ignorei sua gargalhada. Eu o vi rir sem motivos, murmurar coisas sem sentido, berrar e bater contra as barras durante anos, até que eu já estivesse igualmente louca e o acompanhasse naquilo tudo. O Lord demorou algum tempo para nos resgatar, mas Sirius já tinha conseguido escapar e não me levara com ele. Eu o odiei profundamente, ele me deixara ali para apodrecer. Deveria ser algum tipo de vingança.

Três anos depois, eu lutei contra ele em uma luta no ministério contra o seu afilhado e seus amiguinhos, claro, depois veio Dumbledore e seus comparsas. Nós estávamos em uma das sub câmaras do ministério lutando, eu e ele. Foi quando todo o meu ódio por ele ter me deixado em Azkaban saiu em forma de um jato verde que atingiu seu peito e o fez cair, para mim em câmera lenta, de encontro a um véu negro. Minha boca abriu-se em choque quando ele não voltou, quando não se levantou. Eu ouvi o idiota do seu afilhado, Potter, gritar seu nome. Eu vi todas as nossas lembranças passarem como um filme na minha cabeça. Eu quis gritar e chorar e ir atrás dele no véu, mas eu não podia. Eu estava em uma missão.

Sirius havia ido e com ele todo o lado bom que um dia eu pensei ter existido em mim. Sirius era o colorido dos meus dias, ele era algum sentido que eu havia encontrado na vida.

Os meus dias eu passei a completar apenas olhando para os pergaminhos já escritos, lembrando de como ele era. Eu olhei uma única vez o seu retrato na parede do porão e deixei todos os meus manuscritos numa mesa logo a baixo ao mesmo. Eu tranquei Sirius Black em um porão. E nunca mais entrei lá de novo. Mas eu confesso que enlouqueci muito mais depois disso. Eu tentei me apaixonar por Rodolphus. Eu fiz de tudo para esquece-lo. E eu o fiz, de certa forma. Eu o coloquei em uma parte não usada do meu subconsciente e procurei nunca mais pensar em sua morte.

Eu procurei esquecer que eu havia matado meu único amor. Sirius Black.

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