Em Uma Noite







Os raios do sol de Agosto penetravam por entre a janela e aqueciam ainda mais o abafado quarto, onde uma pessoa tentava organizar suas prateleiras cheias de livros. Cada volume empoeirado que entrava em contato com suas mãos faziam-na lembrar de algo novo.

O hábito da leitura viera com ela desde pequena, que fizera questão de conservá-lo consigo até os dias de hoje. Não era tão fanática por livros como Hermione mas era a literatura em si que encantava-a. Títulos de romances e poesias eram comuns de se encontrar nas estantes de Gina Weasley.

Ela puxou mais um livro – abriu e fechou-o com rapidez, fazendo uma grande camada de pó vir na direção de sua face. Gina espirrou, distraidamente jogando-o de qualquer jeito no chão, puxando uma outra espinha para posteriormente limpá-la. Quando ela ia repetir o processo, o pio alto de uma coruja que reconheceu como pertencente a Dino Thomas ressou pelo cômodo, chamando a sua atenção. A corruja-das-torres pousou em uma montanha que ela própria havia montado de qualquer maneira. Gina estendeu a mão para apanhar o envelope pardo endereçado a ela.


Gina,


Como vão as coisas na Toca? Aqui em casa tudo está bem, para não dizer entediante. Queria Ter encontrado você antes do início das aulas uma outra vez, mas não creio que minha carta tenha chegado até aí, posto que não houve resposta.

Tudo bem, às vezes essa bendita coruja perde-se pelo caminho, eu já estou acostumado a isso. Mesmo assim, ainda teremos uma oportunidade para nos vermos. Sexta-feira Norah Springsteen, uma amiga da minha família, comemorará seus dezesseis anos e eu preciso estar lá. Ela avisou que seria algo muito tradicional, e eu sei que provavelmente será chato – só você para tornar aquilo mais animado para mim.

Não se preocupe, eu já pedi permissão a sua mãe e ela concordou, com a condição que eu não a trouxesse muito tarde, já que vamos embarcar no Expresso Sábado de manhã. Estou mandando também algo que quero que use, porque sei que você ficará mais linda com ele.


Beijos,


Dino


O barulho da coruja saindo pela janela do seu quarto trouxe-a a realidade. Gina procurou por um segundo envelope, que ela havia desamarrado imperceptivelmente, e abriu-o para ver o que Dino mandara. Havia uma caixa retangular azul que, uma vez aberta, revelava um bonito conjunto de brincos e um colar, todos ornados com pedrinhas dum vermelho quase tão violento quanto sangue e que se ramificavam inúmeras vezes entre outras pedrinhas brancas. Ela fechou a caixinha azul (e sua boca idem), para depositá-la em cima de um de seus livros, levantando-se e saindo do quarto abafado em seguida. Iria procurar por sua mãe.

~*~

Havia sido uma noite de sono difícil, e Hermione podia sentir isso por todo o seu corpo, onde vários pontos estavam doloridos devido a sua má posição para dormir. Ela não se lembrava de Ter sonhado, porém não fazia muita diferença. O que acontecera na noite anterior fora, provavelmente, um sonho. Bem, pelo menos deveria Ter sido, na sua opinião.

Ela desceu as escadas esmorecida e chegou à cozinha quase flutuando em seus próprios pés. Hermione percebeu, ainda que de relance, que Harry e Rony estiveram conversando, mas que haviam interrompido sua conversa por algum motivo desconhecido. Sentiu-se incomodada em saber que não queriam que ela participasse da conversação.


- Bom dia. – ela cumprimentou meio que secamente, sentando-se e puxando uma bandeja de torradas para perto de si.


- Bom dia.


- Bom dia.

Os risinhos de Harry e Rony cesssaram-se. Só haviam os três na mesa e um grande silêncio pairou sob suas cabeças, ocasionalmente sendo quebrado pelo barulho das talheres ou pela Sra Weasley, que estava perto, arrumando algumas outras bandejas que poria na mesa.


- Rony, – começou Hermione, tentando parecer displicente enquanto punha geléia na sua torrada – você... Você não leu aquela carta que me entregou ontem, leu?

Rony demorou algum tempo para respondê-la, entretanto Hermione preferia que ele não o tivesse feito e assim não iria ver a nota impaciente na sua voz:


- Não, eu não li. O que foi, agora você acha que eu sou algum tipo de violador de correspondências alheias ou o quê?

Hermione levantou os olhos, hesitando em continuar.


- N-não é nada disso. É só que... eu não sei, talvez você pudesse Ter lido a carta por engano e eu só queria Ter certeza...


- ... Que eu não havia aberto a carta de declaração de amor do seu queridinho Krum. Humpf.

Estava longe de ser alguma declaração para ela. Aquela carta não era de Victor Krum, feliz ou infelizmente.


- A carta não era dele!


- Então por que você se importa tanto?


- Vocês podem parar?!

Parecia que tudo ao redor tinha desaparecido em um grande borrão de cores e ruídos, mas a voz um tanto raivosa de Harry os trouxe novamente a realidade. Eles desviaram os olhos, tentando voltar à refeição.


- Vocês não conseguem parar de brigar nem no café da manhã? Francamente, isso já está virando um hábito irritante.

Hermione quase sentiu-se envergonhada, porque era sempre ela quem estava corrigindo, ela quem estava ralhando com eles, ela quem ditava as regras.


- Desculpe. – sussurrou – Não vai acontecer de novo. – ela lançou um olhar frio a Rony.


- Isso depende da frenqüência com que ela me acusar de abrir suas cartas. – murmurou Rony, parecendo ocupado em girar seu copo de suco.

Ela suspirou. Não iria entrar em outra discussão. Voltou-se para seu prato, retornando a comer. Ele precisava ficar tão aborrecido com uma pergunta simples como essa?


- Mãe! – uma voz gritou do andar de cima – Mãe!!

Hermione direcionou seus olhos para o início da cozinha, por onde Gina havia acabado de entrar, correndo e gritando por Molly, que censurou-a com o olhar. Gina sorriu para os três num cumprimento apressado. Ela dirigiu-se até sua a Sra Weasley, balançando uma carta na sua mão.


- A senhora autorizou isso?


- Autorizei o quê? – ela olhou a carta rapidamente e pareceu lembrar-se agora – Ah, sim, sim. Algum problema, querida?

Hermione estava decidida a não ouvir a conversa, ao contrário de Harry e Rony. No entanto, Gina foi bem clara ao mostrar sua aversão à decisão de sua mãe.


- Sim, mãe! Essa.. Norah Springsteen – Gina disse, parecendo enojada – é um pé no saco! A garota mais chata da face da Terra e eu tenho certeza absoluta que o ódio é recíproco!

A Sra Weasley fez algum barulho abafado de impaciência.


- Ódio. – falou, balançando a cabeça, apesar de Hermione não poder ver – Você não pode ‘odiá-la’ se mal conhece a garota.

Gina bateu o pé. Hermione ainda não estava entendendo nada da conversa, mas resolveu que perguntaria dela mais tarde sobre o que se tratava tal diálogo.


- Posso sim. Ela é... nojenta. Se ela estivesse em Hogwarts, provavelmente estaria na Sonserina.


- Oh, Gin, qual o problema de você ir até lá? Dino vai com você, não vai?

Gina respondeu nasalmente.


- Então pronto. Ele é um bom rapaz, eu sei, e ele não vai deixar que vocês duas se cruzem demais. Além do mais, vocês não se encontram há tempos. Será bom para os dois se verem de novo. Agora suba e termine de arrumar aquela bagunça no seu quarto.

Gina respirou pesadamente e quando passou pela mesa, gesticulou de forma infeliz para Hermione, antes de deixar a cozinha. Hermione não havia entendido nada e resolveu tirar isso da cabeça momentaneamente, até perceber que Harry e Rony burburavam de novo entre si.


- O que vocês tanto cochicham, hein? Parecem Parvati e Lilá com suas fofoquinhas desinteressantes!

Ela parou, achando um tanto esquisito citar o nome de Parvati e perguntando-se interiormente se Rony realmente não sabia do que se tratava a correspôndencia que a morena mandara. Rony e Harry se entreolharam, como que decidindo quem contaria para ela o conteúdo da conversa.


- Quadribol. – disse Harry – Você sabe, nosso time está desfalcado. Estamos discutindo quem seriam bons jogadores.

Rony fez uma cara marota.


- Larissa Leigh seria uma óóótima batedora, não acha?


- Morgana Ward também não seria tão ruim...


- Oh, me poupem! – falou Hermione – Eu não entendo nada disso, mas decididamente vocês não estão discutindo sobre Quadribol.

Ela levantou-se – não porque estivesse com raiva, embora estivesse – e dirigiu-se com agilidade até o quarto de Gina, notando que Harry e Rony voltavam a conversar baixinho, para seu aborrecimento.

~*~


- O quê? Capitão do time---


- Shhh. Não precisa espalhar para os quatro ventos!


O café da manhã estava uma delícia, como sempre. A mesa com guloseimas, que antes estava sempre cheia dos integrantes da família Weasley, hoje não comportava mais que dois garotos de dezesseis anos. Um deles lia atentamente o pergaminho vindo de Hogwarts, mandado por Minerva McGonagall, a diretora da Grifinória. A carta era rápida e objetiva – falava sobre a escolha da professora para o novo capitão do time de Quadribol da Casa, a qual possuía apenas dois integrantes. O outro apenas bebericava seu suco, um pouco desanimado pelo tamanho da responsabilidade que isso significava. Não que ele estivesse com medo, mas ele já estava suficientemente preocupado com o próximo período de estudos para ainda Ter que escolher outros cinco jogadores para o time.


Harry olhou para Rony.


- E então, o que você diz?

Rony olhou Harry de soslaio.


- Que McGonagall anda precisando de férias. Ela está louca.


Rony interrompeu-se, vendo que sua mãe retornava à mesa para colocar mais uma bandeja de torradas. Ele esticou-se e pegou uma, enquanto Harry falava.


- Eu achei isso legal. Digo, Carlinhos também foi capitão do time, não foi?

Rony concordou, suspirando. Comparações, era isso o que ele podia esperar quando a família soubesse. Deu graças a Deus por Minerva não Ter mandado esse pergaminho junto com os materias (o que ele estranhara) porque sua mãe provavelmente saberia de imediato.


- Ai, Merlin.


- Pare de se lamentar, Rony. Eu sei que no fundo, no fundo você está pulando de alegria.

Rony esboçou um sorriso pelo tom usado por Harry.


- É... Lá no fundo mesmo. Na verdade, é tão fundo que eu não estou nem um pouco alegre.--- – ele parou – Humpf. Acabei de me lembrar de uma coisa.

Harry terminou de comer seu pedaço de torta.


- O que foi?

Rony demorou poucos segundos para responder. Ele rolou os olhos, pronunciando de forma infeliz “Hermione”.


- O que tem ela?

Ele olhou surpreso para Harry, como se este não percebesse o real perigo de toda a situação. Era um olhar acusador de ‘você-não-a-conhece?’.


- Aposto cinco galeões como ela vai dizer algo do tipo ‘Mas e a monitoria?’.


- Uh. – fez Harry, balançando devagar a cabeça, positivamente – É verdade.

Rony deu uma leve cutucada em Harry, mostrando-o a chegada de Hermione à mesa. Pela sua cara, Harry poderia Ter dito que Hermione estava adivinhando que ambos estavam falando sobre ela. Eles nada falaram sobre o assunto, até Hermione os encurralar na parede, percebendo que havia alguma coisa diferente neles.


- O que vocês tanto cochicham, hein? Parecem Parvati e Lilá com suas fofoquinhas desinteressantes!

Eles se entreolharam.


- Quadribol. – disse Harry – Você sabe, nosso time está desfalcado. Estamos discutindo quem seriam bons jogadores.

Harry percebeu que Rony estava rindo, olhando atravessadamente para o nada.


- Larissa Leigh seria uma óóótima batedora, não acha?

Ele acompanhou-o.


- Morgana Ward também não seria tão ruim...


- Oh, me poupem! – disse Hermione, um tanto irritada – Eu não entendo nada disso, mas decididamente vocês não estão discutindo sobre Quadribol.

Ela levantou-se, deixando a cozinha com velocidade. Rony voltou-se para Harry assim que achou seguro falar.
- Por que você não contou?


- Talvez porque o capitão seja você.

Uma careta formou-se no rosto de Rony, que estava tentando esquecer isso.


- Ah, é.

Harry levantou uma sobrancelha para Rony, usando um tipo sarcástico de voz que incomodou o ruivo.


- Medo de Hermione Granger, é?

Rony parecia muitíssimo indignado com essa insinuação e deixou isso bem claro em sua expressão. Um pouco alto demais, como se Hermione fosse ouvi-lo dizer aquilo, ele pronunciou:


- Eu? Com medo dela? Ha ha ha ha.

~*~

Gina bufou pela terceira vez seguida. Ela parecia muito mais que zangada, principalmente a julgar pelo modo como batia o pé no chão repetidas vezes. Hermione não entendia o porquê de tudo aquilo – pois Gina ainda não pronunciara nem uma palavra sequer – mas já estava a se aborrecer também.

A carta que Gina havia carregado para a cozinha estava sobre a cama, parecendo não ser mais importante para nada. Hermione, olhando as costas de Gina com cautela, esticou-se sobre os travesseiros para alcançar o papel. Ela não sabia a verdadeira razão para pegar a carta furtivamente, porém não ligava. Hermione desdobrou o pergaminho lentamente, sem fazer muito barulho, e logo leu o que Dino comunicava a Gina sobre o aniversário de Norah Springsteen.

O primeiro pensamento que passou pela cabeça de Hermione quando ela colocou a carta no lugar de outrora foi sobre como Dino parecia mesmo gostar de Gina. Não por causa do que ele havia escrito na carta ou mandado a Gina, mas porque pelas poucas vezes que ela os vira juntos, notara o modo carinhoso como ele tratava a ruiva. Nada muito meloso, simplesmente o necessário. Dino parecia sempre muito atencioso com Gina, essencialmente quando ela começava a falar e falar – era quase como se ele se divertisse com isso.


- Eu não quero ir.

Hermione tomou um susto tão grande que sentiu como se seu coração pulasse até a boca e voltasse mais rapidamente ao lugar de origem. Ela respirou profundamente porque odiava ser pega de surpresa, odiava ser descoberta quando fazia algo escondido. Hermione voltou seus olhos a Gina, que mordia a parte interior da bochecha. Gina mexeu num fiozinho da barra de sua calça jeans nervosamente. Hermione observou-a.


- Por que não?

Por alguns segundos, Gina não respondeu, como se retirar aquele fio com paciência fosse a coisa mais importante para ela no momento. Ela sabia que Hermione a estava olhando, entretanto precisava escolher as palavras certas para falar o que estava se passando pela sua cabeça. Enfim levantou o rosto e Hermione percebeu que o globo ocular de Gina estava dilatado friamente.


- Há algum tempo atrás, Norah e Dino tiveram... algum tipo de namoro. Ele sempre me falou que nunca havia significado nada, mas Norah não pensa do mesmo jeito. Alguém por aí que conhece Norah muito bem me contou que ela não gosta muito de mim e eu também não vou muito com a cara dela. – Gina deu de ombros – Só que eu simplesmente não sou falsa o bastante para agir naturalmente no aniversário dela.

Gina não parecia exaltada, apenas calma e branda. Ela voltara a mexer na barra de sua calça, talvez à procura de algum outro fio solto. Hermione fitou a carta e depois Gina.


- Não é uma questão de falsidade. É educação.

Ela ouviu uma risadinha zombeteira atípica de Gina. Ela encarou Hermione, meio descrente, e voltou a falar, numa voz com um tom de divertimento quase sádico o qual Hermione estranhou, porque raramente vira Gina dialogar com essa nota na própria voz.


- Oh, ela vai ver a grande educação marcada na cara dela.


- Gina, – reiniciou Hermione, num modo um tanto maternal que ela lembrou de Ter usado por vezes com Rony e Harry – você precisa estar um nível acima de Norah. Se ela alfinetar ou flertar com Dino, ignore-a.

A boca de Gina abriu-se para responder, mas nenhuma palavra saiu de lá. Ela fechou-a novamente e uma mão foi mecanicamente até a têmpora, massageando-a lentamente.


- Eu sinceramente vou tentar.

Hermione sorriu para si mesma, pensando no grande poder de persuasão. Ela já havia usado esse seu talento nato e especial diversas vezes e a maior parte delas estava sendo repassada em sua mente, indo desde seu primeiro ano em Hogwarts, quando tentava impôr as regras a dois garotos descuidados, até agora. Isso era algo para se orgulhar, porque mesmo McGonagall havia falado sobre essa sua característica que seria uma qualidade para uma monitora como ela.


- Hermione... você pode me ajudar a escolher o que vestir?


- Uh...

~*~

Ela sempre percebera, desde que ainda era criança, que a maior parte das garotas era deveras preocupada com a sua aparência. As suas amigas trouxas vivam a usar e procurar por maquiagens que escondessem suas não-visíveis imperfeições, o que Hermione sempre considerara perda de tempo. Até mesmo quando alisara seu cabelo para o Baile de Inverno, no seu quarto ano, não fora meramente por vontade própria. Lembrava-se perfeitamente de Lilá e Parvati insistindo para que ela usasse suas madeixas castanhas e cheias de uma maneira diferente. Dera um trabalho desproporcionalmente enorme mas o resultado fora assutadoramente bom.

No entanto, ao recordar-se disso as memórias da carta de Parvati voltavam à tona com insistência, embora isso não tivesse nenhuma ligação com o que estivesse fazendo agora. Era uma perseguição horrenda a qual Hermione tentara deixar de lado desde outro dia.

Precisava retornar sua concentração para a realidade – era uma Sexta-feira quente, Gina não parecia agradada em Ter que ir ao aniversário de Norah Springsteen e ela, Hermione, estava fazendo... fazendo o quê?


- Hermione!

O olhar vazio de quem estava pensando em coisa nenhuma sumiu do rosto de Hermione imediatamente. Gina a estava fitando através do espelho, talvez esperando que Hermione voltasse e terminasse o penteado que ela queria. Ela havia dito que não conseguiria fazer um bom coque nos cabelos ruivos dela, mas Gina pedira tanto que acabara cedendo.


- Desculpe.

A noite já estava caindo e uma fina linha laranja continuava no horizonte, embora o céu estivesse repleto de estrelas. Do quarto de Gina podiam-se ouvir a grande zorra que os garotos estavam fazendo lá embaixo com Fred e Jorge, que volta e meia apareciam na Toca. Gina parecia muito impaciente em seu vestido branco e Hermione apressou-se para finalizar o penteado. Gina levantou-se mais rápido do que o planejado para analisar sua aparência no espelho à sua frente. Virou-se para Hermione.


- E então...?

Ela olhou esperançosamente para Hermione, temendo que estivesse estupidamente tradicional com aquele vestido. Apesar de odiar usar vestidos brancos por achar que parecia uma personagem trouxa que assombrava crianças, hoje ela pensava que estava bastante bonita. O vestido, que ela mesma comprara com o dinheiro que havia guardado durante o ano passado, ia até seus joelhos e desde a barra até o início do corpete era detalhado com pequenas pedrinhas azuis, as quais ela transfigurara ainda na escola para que ficassem quase da mesma cor de seu cabelo. Combinava perfeitamente com o conjunto que Dino lhe oferecera.

As madeixas vermelho-douradas de Gina estavam presas num coque pomposo e formal e somente uma mecha estava fora do penteado de propósito. O rosto de Gina também não pedia muita maquiagem e ela somente quisera por algo nos lábios e no contorno dos olhos, para valorizar suas sardas. No geral, ela estava perfeitamente bonita na opinião de Hermione.


- Mesmo? – perguntou, como se dando a chance a Hermione de falar a verdade. – Porque esses sapatos estão me incomodando terrivelmente.

Sem muitas cerimônias, Gina sentou-se na cama pesadamente, retirando os sapatos de salto e deixando-os no chão enquanto analisava seus pés. Ela bufou, vendo que em alguns pontos eles estavam muito vermelhos.


- Eu já disse como eu odeio esses sapatos?


- Hum... Só umas quinze vezes, hoje.


- Em homenagem aos dezesseis anos de Norah... Eu simplesmente odeio esses sapatos!

Hermione não evitou um pequeno sorrisinho. Ela balançou a cabeça, vendo que Gina tentava não rir também, e sim parecer brava com a situação. Batidas um pouco fortes foram ouvidas pelo lado de fora e a voz de Rony foi abafada pela porta.


- Você está pronta?

Gina fez uma careta para Hermione. Voltou a olhar a porta, falando com uma pontinha de raiva:


- Isso importa?


- Bem Srta Eu-Ando-Muito-Chata-Ultimamente, eu acho que o seu namoradinho acabou de chegar, portanto... isso não faz a mínima diferença. Eu vou embora.

Gina arregalou os olhos, parecendo espantada pelo aviso de que Dino estava no andar de baixo. Não esperava-o tão cedo. Quer dizer, ele estava bem em cima do horário marcado, mas Gina esperava atrasos. Atrasar-se era algo sempre muito comum. Ela recuperou sua fala logo.


- Rony! Rony, diga que eu já estou indo.


- Eu não sou seu pombo-correio, Gina.

Apesar de Ter respondido de forma séria, ela sabia que Rony falaria a Dino para esperar um pouco mais. Gina olhou para Hermione, parecendo surpresa.


- Que droga de pontualidade! – praguejou Gina, recolocando o sapato – Eu não posso nem ao menos me atrasar um pouco?

~*~

Harry pôs os nós dos dedos na boca, impedindo a si mesmo de soltar uma risada. Ele desviou os olhos das expressões sarcasticamente sérias de Fred e Jorge, que trancaram o maxilar com acidez, cruzando os braços sobre o peito e fitando Dino rudemente. Harry poderia jurar que Dino havia quase e encolhido de medo.

A sala estava uma completa bagunça, dado que Harry, Ron, Fred e Jorge estiveram discutindo fervorosamente a última rodada de jogos de Quadribol da Torneio Europeu, sob os goles de cerveja amanteigada que os gêmeos haviam trazido do Beco. Eles não haviam visto Hermione e Gina durante boa parte do dia, no entanto sabiam que ambas estavam trancadas no quarto de Gina. Por falar em Hermione, Harry pensava que ela andava um pouco estranha de uns dias para cá. Andava um pouco mais aborrecida com ele e com Rony, mesmo por razões que nenhum dos dois conhecia e passava mais tempo com Gina, em conversas não-permitidas a Rony e ele, do que antes. Hermione estava realmente esquisita.

Jorge pigarreou, seu rosto contorcido com rigidez. Fred deu apoio, falando numa voz firme:


- Quais são suas intenções com a minha irmã? Hein, hein?

Harry mordeu o lábio, não olhando o Dino estupefato que estava na sala. Ele sabia que Dino estava embaraçado, mas estava muito ocupado tentanto esconder sua diversão para ajudá-lo com aqueles dois.


- Bem, na verdade eu ---


- Oh, pare de importuná-lo, Fred!

Os gêmeos viraram-se, Dino se esticou um pouco e Harry levantou os olhos até poder ver a figura esguia de Gina, que estava ladeada por Rony e Hermione. Ela parecia suavemente irritada ao adentrar a sala em passos pequenos. Discretamente os olhos de Harry perscrustaram o rosto límpido e sereno de Gina, posteriormente observando o corpo delgado que usava um perfeito vestido branco, contrastando infinitamente com o vermelho dos cabelos de Gina e com o colar e os brincos que a adornavam. Ela não parecia perceber – ou se havia percebido estava fingindo não ver – a sua análise e segundos intermináveis se seguiram até Gina levar os olhos a ele e sorrir.

Havia muito mais do que surpreendimento no rosto de Harry, porque ele simplesmente não podia acreditar que Gina havia deixado-o envergonhado. Harry quase sentiu as bochechas esquentarem, mas desviou o olhar antes que Gina notasse o efeito que causara. Sem querer, fitou Dino, que vinha em direção a Gina, parecendo um tanto maravilhado.


- Você está linda.

Rapidamente Harry encarou Gina, que por um breve e veloz instante retribuiu o olhar, antes de um sorriso desenhar-se nos lábios dela. Ela apertou a bolsa branca sem alças que possuía nas mãos.


- Obrigado. – sorriu mais abertamente. Dando-se conta que todos os outros estavam observando ambos, voltou-se para Dino – Vamos?

Harry piscou diversas vezes. Claro, ele havia esquecido-se. Não lembrara que Gina e Dino eram namorados. Uma sensação fria desceu pelo seu estômago, a qual ele tentou ignorar. Ele reconheceu aquilo como sendo decepção – gélida e bruta decepção de saber por um momento que Gina havia mudado muito, a ponto de deixar para trás aquela época em que ficava encabulada na frente de Harry. Ela havia esquecido-o.

Ele não percebeu o quão egoísta estava sendo, porque durante todos esses anos ele não havia correspondido a algo que considerava uma paixonite infantil. Agora estava sentindo-se um grande imbecil, porque parecia que em apenas um dia o mundo tinha virado de cabeça para baixo e ele estava vivendo a situação inversa. Era ele, Harry, quem estava admirando Gina e sentindo-se envergonhado; era ele, Harry, quem estava tendo aversão por Dino somente porque ele havia sido mais rápido; era ele, Harry, quem se sentia um grande idiota porque não devia estar pensando em nada disso. Ele não devia estar pensando em Gina.


- Claro, claro.

Harry nem havia notado que todos haviam se deslocado para acompanhar o casalzinho que deixava a Toca. A Sra Weasley estava presente também e ele nem tinha visto-a ali. A voz de Jorge o fez despertar:


- Thomas, se você não trouxer a minha irmãzinha até as dez horas, eu mando todo o Ministério atrás de você, ouviu bem?

A Sra Weasley repreendeu o filho com um olhar.


- Não cheguem tarde, crianças.

Fred fitou-a com uma cara de “isso é sermão que se dê?” e posteriormente com algo do tipo “veja como se faz”:


- E preste atenção, Thomas, se você deflorar a minha irmã querida ---


- Fred!

Rony e Harry não conseguiram parar suas próprias risadas e Hermione cobriu a boca com a mão para não correr o mesmo risco. A Sra Weasley, pelo contrário, parecia bastante séria. Gina abanou a cabeça, ignorando-os e ela e Dino despediram-se.


- Fred e Jorge! – brigou ela, quando Gina e Dino haviam ido embora – Isso é jeito de tratar o garoto?

Harry sentou-se num sofá e Hermione acompanhou-o, sentando-se ao seu lado. Rony seguiu com Fred em direção a cozinha, enquanto Jorge dava tapinhas nas costas da mãe, que balançava a cabeça minimamente.


- É melhor prevenir do que remediar, mãe.

A sala ficou vazia, exceto por Harry e Hermione, que ficaram em silêncio por algum tempo. Hermione suspirou, depois esticando-se para pegar uma garrafa de cerveja amanteigada que não estava aberta. Ela abriu-a, tomando o conteúdo tranqüilamente.


- Você anda muito diferente.

Hermione pareceu não escutar e quando Harry estava pronto para repetir a sentença, ela abaixou a garrafa, olhando-a como se ela fosse responder ao amigo. Ela respirou com profundidade e depois encarou Harry com algum tipo desconhecido de arrependimento.


- Eu sei. – ela falou, numa voz vazia – Quer dizer, eu não sei porque, mas eu sei. – Hermione passou uma mão pelo rosto, como se estivesse fatigada. Então recostou-se no ombro de Harry – Estou muito cansada, sabe.

Ela parecia estar falando mais para si mesmo do que para ele, e Harry preferiu não dizer nada por um minuto. Ele passou a mão por trás das costas de Hermione, afagando o ombro dela e trazendo-a para mais perto. Ela também abraçou-o e ambos ficaram assim durante uma fração de segundos, em silêncio.


- Harry. – chamou Hermione fracamente; sorrindo, ele percebeu – Eu vi.

Ela não falou mais nada após isso, mas Harry sentiu-se meio que enrijecer temendo que Hermione estivesse falando do que acontecera mais cedo e que ele esperara que ninguém tivesse notado – porém, como era de se esperar, Hermione o surpreendera novamente, com sua grande habilidade em observar os outros. Ele tentou voltar ao normal, mas era impossível. Harry ainda estava na dúvida se Hermione estava mesmo falando disso ou se era ilusão dele. Hermione fez um barulho abafado que ele não reconheceu e então ela levantou-se.


- Boa noite.

Com a testa enrugada em aturdimento, Harry viu Hermione levantar-se e seguir para fora da sala. Ele poderia Ter dito com pouca certeza que ela estava rindo.



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