Parte 1 - Manhã



Era uma casinha de tijolos cinzentos, exatamente igual ás demais daquele bairro operário no subúrbio londrino. Ainda que além se estende-se um mundo cosmopolita, descendo a rua deitava um córrego em um abrupto desnível. Pequeno e sinuoso, fluía por entre um arvoredo suspeitíssimo até desaguar no Tamisa, levando consigo uma boa quantidade do esgoto. Havia uma pequena praça de aparência descuidada, onde as crianças das redondezas iam brincar. Pequenas lojinhas se esparramavam na rua da praça, perpendicular ao conjunto de casas. Nenhuma delas tinha espaço para jardim, tão estreitas e pequenas que eram, grudadinhas umas as outras. Mas a nossa casinha cinzenta guardava, depois da porta de madeira escura, a sala mais aconchegante do mundo. Uma porta verde levava à cozinha cuja janela era voltada para um beco escuro, o que não impedia de ser uma cozinha limpa e cheia de luminosidade. Nas prateleiras havia vidros guardando todos os tipos de ervas e, posto sobre o fogão, um caldeirão de estanho. Subindo as escadas, a porta do banheiro ficava entre os dois pequenos quartos da habitação. No da direita, a porta era toda azul e uma mão caprichosa pintara o nome de seu dono em uma plaqueta de madeira: Remus. Era um garotinho, a se julgar pelos rabiscos colados pela porta: dragões, um chapéu pontudo, sapos, heróis de vassoura e um lobo negro como a noite que lá fora se esvaia aos poucos. Sim, porque amanhecia e pálidos raios solares adentravam pelas frestas e janelas, banhando um vaso de plantas incomuns e um tapete cujo tecido não era identificável. Raios solares que atravessavam o tecido fino da cortina colorida do quarto garotinho, se esparramavam pelo soalho e subiam pelas dobras do cobertor, indo pousar sobre os olhos cerrados do dono do quarto. Mesmo que estivesse tão claro qualquer um diria que Remus estava profundamente adormecido, os cabelos castanhos claros caídos sobre os olhos movendo-se quando expirava um pouco mais forte. Porém ele estava bem acordado. Simplesmente não queria abrir os olhos, pois para ele a chegada da manhã não estava completa enquanto, feito uma fada branca, sua mãe não viesse despertá-lo, cantando baixinho e sussurrando seu nome.

Conseguia ouvir os passos dela, descendo as escadas, indo por água para ferver na cozinha, voltando, pisando no tapete da sala e tornando a subir. Aí a porta abria bem devagarzinho e ela entrava, envolta em luz solar, uma claridade cinza-dourada, que embalava Remus com voz e braços e dizia-lhe que era hora de acordar. E era um momento encantador, cheio de ternura e amor. Abria os olhos bem lentamente, mergulhando na profusão dourada e encontrava os olhos âmbar da mãe. O sorriso tenro da mãe. Cabelos loiros, cheios de ondas, caindo pelos ombros. Voz baixa e doce, acompanhada pelo canto dos pássaros pousados na janela.



- Veja só, querido – disse a senhora Lupin para o filho, que acabara de entrar na cozinha, a carinha ainda meio sonolenta – Chegou uma carta do seu pai, ele vai voltar logo.

Remus piscou umas duas vezes e sentou-se à mesa circular que ficava no centro da cozinha.

Seu pai, o Sr. John Lupin, trabalhava desfazendo feitiços em casas que seriam vendidas para pessoas comuns - os muggle - por todo o continente. Por conta disso fazia longas viagens, mas sempre vinha com incríveis histórias para contar ao filho. Remus sabia que seu pai não ganhava muito, não sabia bem o porquê, afinal considerava o trabalho de seu pai realmente importante: vai saber os feitiços que poderiam se esconder nas casas...

Algumas vezes pensava se o pai não podia ter um emprego que não tivesse que estar sempre ausente. Dissera-lhe isso uma vez, mas John explicara ao filho que tem certas coisas que não se pode escolher. No caso, disse que era necessário ter um emprego para que pudesse haver comida e casa para a família. Remus conseguia entender o sentido da explicação, ainda que le parecesse assustadora a possibilidade de haver coisas tão grandes, maiores que tudo que conhecia e que não havia escolha perante a elas. Se bem que não escolhera seus pais, eles que haviam lhe feito, por que se gostavam muito, como a Sra. Lupin lhe explicara num em dia que aparecera cheio de dúvidas. Não escolhera acordar todas as manhãs envolto na luz do sol e da mãe também. Só que essas coisas eram boas, certamente que as escolheria... Mas se fosse algo ruim? Achava melhor nem pensar.

Remus Lupin, apesar de ter somente oito anos recém-completos, pensava muito, em muitas coisas. Gostava muito de observar as coisas e tentar entender “como e porquê”. Certo que não era sempre que se saia bem sucedido nas pesquisas, mas esforçava-se: conseguia ler a maioria dos textos que lhe pusessem a mão e travava somente no significado de algumas palavras. Lia os livros antigos de escola de sua mãe, algumas partes do jornal – embora o achasse muito chato – e livros de aventuras de trouxas que sua mãe comprava no sebo da praça. Gostava das histórias, dos heróis corajosos, detetives ou garotos bagunceiros como o Tom Sawyer. Até agora seu favorito fora Caninus Brancos, gostava muito de cães, principalmente desses que como Caninus eram quase lobos. Remus escrevia muito bem também, sua caligrafia ainda tinha que melhorar, mas copiava listas de pequenos feitiços e seus efeitos e escrevia historias em quadrinhos, meio confusas ainda, baseadas nos livros que lia. Mal via hora de começar a usar mágica também, afinal era filho de um casal de bruxos, e como eles um dia iria estudar em Hogwarts e ser um mago valente, cheio de aventuras extraordinárias com amigos que conheceria um dia, feitos os três mosqueteiros ou seria um estudioso e criaria poções melhores que o soro do Dr. Jekill!

Mas por enquanto seu maior passatempo era correr com as outras crianças pela pracinha, espantando o maior número de pombos que conseguissem. Naquele dia, quando Remus desceu a rua para encontrar os outros garotos, foi ainda mais alegre que de costume, sabendo que seu pai chegaria dentro de dois dias. O primeiro garoto que encontrou foi um gordinho chamado Carl. Era das pessoas não bruxas, como quase todos os outros, mas era extremamente simpático, principalmente com Remus, a quem considerava um tipo de mentor intelectual. Carl não era muito esperto, mas decididamente corajoso e excelente goleiro de futebol. Remus cumprimentou-o e ambos seguiram para a praça encontrar uma turminha de seis ou mais crianças. Nenhum deles tinha mais que nove e menos que sete anos, mas podiam sair de casa e ir brincar na pracinha, ficando à vista da Sra. Webber, a dona da venda exatamente em frente a praça e conhecida de todos no bairro. É que o maior medo dos pais era que os filhos se aproximassem demais das árvores em torno do córrego e caíssem nas águas escuras ou, ainda pior, nas garras de algum andante pronto a fazer as piores maldades. Entre as crianças criara-se uma aura mítica em torno do lugar e histórias não faltavam:

- Meu irmão disse que tem lobisomens lá! – William contou, os olhos azuis arregalados. Alguns riram, outros, como Carl, pareceram se assustar. Remus sabia que isso era bobagem, aquele não era lugar de lobisomens: numa das viagens seu pai encontrara um covil deles, não lhe contara muito bem, mas tinha certeza que era num lugar distante e ermo, nada a ver com a urbana Londres.

- Duvido – desafiou Charles, um pequeno cético, filho do farmacêutico – Lá só tem bêbados e sujeira... e mulher da vida!

- E o que é mulher da vida?

- Sei lá...

Mas Charles sabia o que era, já tinha nove anos e entendia mais das coisas, e procurou os olhos de Lupin, buscando o apoio de outro pequeno intelectual, que entendesse o que era o mundo, mesmo que o deles se limitasse às próprias casas e à praça.

Ainda assim William não se convenceu e propôs aos demais que fossem lá entender o porquê de tanto receio. Remus continuava quieto, apenas observando a conversa, pensando no dia em que seu pai chegaria... Fazia bem três meses que não o via!

- Você vai, Remus? – Carl perguntou, como se a resposta do outro fosse definir a sua.

- O Reminho não desobedece a mamãe, né? – William desafiou, com um tom de voz que tentava ser irônico, mas que ficou parecendo mais uma pergunta sincera, afinal nenhum deles conhecia sarcasmo de fato.

Só que Remus captou o claro sentido de ofensa e por mais que soubesse que não deveria fazer, assentiu com a cabeça: iria sim. Carl bateu palmas, agora poderia ser escudeiro de um herói. É que haviam os três lideres a turma, que eram Will, Remus e Charles, mas os três sempre discordavam entre si, pois enquanto um era sensato o outro propunha brincadeiras estúpidas, como amarrar latinhas no rabo de um pobre gato e o outro queria recolher pequenas folhas e insetos para analisá-lo, sob olhares invejosos dos outros garotos, no microscópio do pai. Só concordavam numa coisa: nada era melhor que correr atrás de pombos.




- Como foi seu dia, meu amor? – a Srª Lupin perguntou para o garotinho que acabara de entrar.

- Ótimo... – ele respondeu, apressando-se em subir as escadas antes que sua mãe o visse através das portas da cozinha. Não foi rápido o suficiente.

- Remus! Que lama é essa?

- Da praça!

- Não é não, Remus... Você nunca mentiu para mim, onde você foi?

Remus recuou alguns passos, era muito raro ver sua mãe brava. Já a vira preocupada, nervosa, circulando pela casa com as cartas do marido apertadas entre os dedos, mas brava, com ele, com Remus... E ainda mais por um motivo que tinha inteira razão... “Você mentiu” Era tão ruim, fez-lhe sentir uma dor no peito que jamais sentira antes. Seus olhos âmbar encheram-se de lágrimas.

- Mãe... Desculpa... Por favor... A gente desceu até o córrego, é que tínhamos que mostrar para os menores, mãe... Que lá não tinha nenhum lobisomem, nem mulher da vida, nem...

Por um minuto a braveza sumiu da fronte da Sra. Lupin, virando quase um sorriso. Ela puxou o filho, mesmo todo sujo, para junto de si e secou os olhos dele.

- Você sabe que quando a mamãe fala para não fazer uma coisa...

- É porque não é para fazer mesmo...

Ela sorriu e abraçou o menino.

- Então nunca mais faça isso. Imagina se alguém caísse no córrego? Você não acha que as outras mães também ficariam muito tristes se acontecesse algo com os filhos delas?

Remus concordou. A lógica de sua mãe era quase impossível de não convencê-lo.

- Agora seja um bom menino e vá tomar banho.

Remus assentiu, fungou e subiu as escadas, vencido.



- O que há, Remus?

Um clima bastante pesado pairava sobre as crianças naquela tarde. A mãe de Carl não o deixaria sair por duas semanas depois dele ter voltado para casa imundo daquela lama poluída e com os joelhos completamente esfolados.

- Gordo burro! – William protestou – Como ele conseguiu tropeçar naquela raiz?

- Ele disse que viu um fantasma! – explicou um garotinho ruivo chamado Jonathan.

- Viu nada... Se assustou com a própria sombra, aquele corninho!

Os meninos riram do adjetivo usado por William. Ele sabia um monte de palavras sujas, que eles não podiam falar na presença das mães, mas que falavam entre eles, mesmo sem saber seu significado.

- A gente podia ir lá conferir!

- Não! – Remus disse, emergindo muito rápido de seus pensamentos – Já deu errado uma vez...

- Ok, não precisa gritar... Olhem, eu tenho essas moedas, meu pai me deu para comprar chicletes – Will mostrou alguns penes gastos – Ele disse que meninos tem que fazer essas coisas de que as garotas tem medo.



Cada um pegou seu pedaço de goma e sentou no banco defronte à confeitaria. Começaram a fazer bolinhas para atrair a atenção de três meninas que acabavam de passar, com saias rodadas e suas bonecas dentro de um carrinho de bebê. As três riram e uma deu um sorriso extremamente contagiante para Lupin. Ele piscou os olhos, incrédulo. Era provavelmente a mais bonita das três, com longas tranças castanho-escuro e cílios que pareciam falsos de tão longos. Sentiu o rosto enrubescer e desviou o olhar, quando os outros deram gostosas risadas. As meninas viraram na rua delas e Remus pensou que poderia pelo menos ter sorrido de volta, mas garotas lhe pareciam coisas moles e esquisitas que gostavam de brincadeiras chatas e chá.

- Mulheres... – murmurou Charles, apesar de nenhuma delas ter olhado para ele, talvez por parecer uma batata usando uma peruca cinzenta. De qualquer forma não era beleza que garantiria um futuro ao gênio da ciência.

- O que a gente faz agora? – quis saber o ruivo Jonathan.

Remus deu de ombros, ainda pensando sobre coisas da vida. Se quisesse ser como seu pai teria que acha uma garota como sua mãe... E para ter um filho ele ia ter que gostar dela; por aí tudo bem, mas de acordo com seus conhecimentos, beijá-la também! E nos lábios! Eca!

Uma musiquinha monocórdia virou pela esquina e encheu toda a rua. Alguém vinha vindo com um realejo ou coisa parecida. As meninas reapareceram, correndo em direção ao som, as bonecas provavelmente deixadas em algum cantinho seguro. Outras crianças juntaram-se a elas, inclusive Remus, Charles, Will e os demais.

O dono da música era um velhinho de ar gentil, carregando uma banca de artigos coloridos, brinquedos e truques mágicos. A mesa parecia flutuar e as bolhas de sabão saindo de uma locomotiva de ferro não estouravam, mas dividiam-se em bolhas menores e mais brilhantes. Remus teve a ligeira impressão que não eram truques todas aquelas coisas. Agora os adultos também começaram a juntar-se em torno do recém chegado. Remus sentiu uma mão pesada apertando seu ombro, mas tudo que viu foi sua mãe aproximando-se com uma sacola de compras. Ele correu até ela, chamando-a para ver as demonstrações.

- Olhe mãe, é um dos nossos!

A Sra. Lupin sorriu, segurando a mão do filho.

Agora o velhinho da banca tirara um acordeão de sua bolsa e tocava uma música rápida e melódica, a qual todos aplaudiram, pois parecia haver um coral de sapos acompanhando o instrumento e ninguém jamais vira nada parecido. No fim do último acorde, a locomotiva que soltava bolhas de sabão deu um assobio como se agradecesse.

- Aproximem-se! Venham, venham! – disse o velho, mostrando sua mesinha. Os brinquedos, todos feitos de liga metálica, moviam-se como se tivessem vida: eram personagens de circo e de contos fantásticos.

- Parece mágica! – murmurou aquela menina que sorrira para Remus.

Remus conhecia esses brinquedos encantados, já vira algo semelhante uma vez quando fora ao Beco Diagonal com sua mãe, mas esses pareciam bem mais reais do que aqueles que ele havia visto antes. Encarou o artesão com um sorriso. O homem olhou de Remus para a mãe do garoto e ela deu um meio sorriso para ele, como quem sabe como o mágico faz o truque. Em resposta o velhinho acenou com a cabeça e fez um gesto de abrangência sobre a mesa: sua arte era para todos, tanto faz se compreendessem-na ou não. E era verdade, pois Remus olhava para as figurinhas metálicas com tanto encantamento quanto os outros meninos.

Uma especifica chamou sua atenção: era um homenzinho que caminhava em círculos, então uma esfera branca que pairava sobre sua cabeça acendeu e ele estancou exatamente onde estava, como se recebesse um baque na nuca. Aí começava a mudar: suas pequenas mãos metálicas tornavam-se patas e unhas afiadas eram projetadas para fora, suas orelha ficavam pontudas e o rosto tomava forma caninas, assim como os dentes se arreganhavam, surgia uma cauda e o corpo encurvava – um lobo.

O bonequinho correu pela mesa e escalou um caixote de ferramentas, uivando. Rosnou e grunhiu para Remus, que o assistia com os olhos arregalados. A Sra. Lupin percebeu.

- Acho que já chega – ela disse e a esfera sobre o lobisomem de metal apagou-se. Ele voltou ao normal e tombou para o lado.

- Incrível! – murmurou Remus, boquiaberto.

O velhinho voltou-se para o garoto:

- Você gosta?

Ele fez que sim. Então o artesão pegou o bonequinho da banca e deu na mão do garoto:

- Leve-o!

A Sra. Lupin interveio:

- Não temos dinheiro e...

- É um presente, senhora!

- Remus, você não o acha assustador?

- Não!

- Ele é corajoso, não é mocinho? Estará na Grifinória suponho...

O menino sorriu, satisfeito. Seu pai fora grifinório.

- Certo – a Sra. Lupin deu-se por vencida – E veja, o senhor faz um belo trabalho.
- Agradeço madame... Nunca fui muito bom em você-sabe-o-que, mas aprendi esse tipo de artesanato e cada peça é única, como se eu tivesse que achar seu dono certo – então voltou a atenção à multidão extasiada e soprou um apito que fez estrelas douradas caírem sobre eles.




- Uau! – admirou-se Will, quando Remus fez o boneco voltar ao normal e cair sobre a palma se sua mão – Então ele foi com a sua cara!

Charles lançou um olhar invejoso ao brinquedo, então disse:

- Cada truquinho mais bobo, aquele velho charlatão. Vai dizer que vocês não viram os barbantes?

- Não! – os outros meninos responderam.

- E lobisomens não existem... Não faria sentido...! É contra a evolução!

- O que? – perguntou Carl, tentando assimilar o que tinha de óbvio na explicação de Charles.

- Não tem nada demais, Carl – disse Remus – E eu deixo vocês brincarem.

Os meninos comemoram e William quis pegar o bonequinho que voltara a transformar-se em Lobo. Recebeu uma dentada no polegar.

- Ai! O vagabundinho me mordeu!

- Ótimo, agora você é um deles... – disse um dos meninos, afastando-se de modo provocador.

Will arregalou os olhos e encurvou o corpo, rosnando.

- Ah é?

Todos riram e saíram correndo. Will olhou em volta e escolheu ir atrás de Remus. Saltou em cima do colega e os dois rolaram pelo chão de terra batida, numa luta concorrida. A principio era uma brincadeira, mas começava a machucar de verdade e os dois começaram a tentar se acertar para valer. Will prensou Remus no chão e ia desferir uma cotovelada no rosto do garoto, mas algo aconteceu: com um estalo, ele voou pra longe do garoto e aterrissou com as costas num monte de areia.

- Caramba! – Carl admirou-se, olhando de um para o outro – Que chute você deu!

- É... – disse Remus, levantando-se e limpando a terra das roupas – Foi um chute...

Depois William pediu desculpas: era o mínimo que podia fazer como perdedor da briga, mas ainda assim não estava nem um pouco contente. Os meninos deixaram a briga para lá e foram inventar outra brincadeira. Remus guardou o homenzinho metálico num galho oco de uma das árvores da pracinha. Não tinha gostado de ter machucado Will, mas ficou estranhamente contente em ter feito - mesmo que sem querer - uma mágica. Algumas vezes imaginava que não tinha mágica nenhuma e que não conseguiria ir para Hogwarts quando completasse onze anos.



Remus entrou em casa quase saltitando. Estava meio esfolado por causa da briga e do futebol, mas fizera uma mágica e seu pai chegaria essa tarde! Dessa vez ele estava vindo da Escócia e o garoto mal podia esperar pelas histórias de casas assombradas.

Mas assim que botou os pés na sala, notou que havia algo errado.

- Mãe? – ele chamou, indo até a cozinha. Também estava vazia.

Apreensivo, ele subiu as escadas. A porta do quarto que pertencia a sua mãe estava entreaberta.

- ...mãe? – ela estava sentada no batente da janela, com uma carta apertada entre as mãos. Remus soube que era uma notícia muito ruim, então foi até o batente e sentou ao lado da mãe. Ela guardou a carta, para que o filho não a lesse – Mãe? O que...?

- Seu pai não poderá vir, querido.

- Por quê?

Ela aspirou um pouco de ar:

- Aconteceu uma coisa... no trabalho dele... que vai atrasá-lo um pouco.

- Mas... Isso já aconteceu antes... Por que a senhora está tão preocupada?

- Dessa vez é diferente...

- Como? – o menino insistiu, como se fosse chorar. Era horrível ver sua mãe, sempre sorridente, com uma expressão tão triste, mil vezes pior que vê-la brava. Ele queria entender porque, agora que ele tinha começado a fazer mágicas, podia até fazer algo pra ajudar!

- Não, meu bem... Vá tomar banho que eu vou esquentar o jantar, depois vá dormir.

Ela levantou e o abraçou. Remus não quis soltar dela, sabia que algo deveria ter saído gravemente errado.

- Tudo bem! – ela murmurou – Nada mudou, ok? Vai ficar tudo certo...

Remus sabia que não ficaria tudo certo tão cedo. Era visível.

No dia seguinte um homem desconhecido, usando uma capa comprida, batera na porta querendo falar com a Srª Lupin. Ela o levou até a cozinha e antes de fechar a porta para conversar com ele, fez Remus subir as escadas para não ouvir a conversa. Depois ele viu pela janelinha do banheiro o homem sair pela porta da cozinha e executar algum feitiço complicado sobre a casa e desaparatar em seguida.

Depois, a mãe começou a olhar toda hora pela janela, como se fosse aparecer alguém e invadir a casa. E ela quase não deixou Remus sair quando Jonathan apareceu na porta da casa deles chamando o garoto.




- Demorou, hein? – disse o ruivo, quando Remus abriu a porta e sentou na escadinha de pedra ao lado do colega.

- Não foi por querer – ele explicou, pegando um graveto do chão e agitando-o no ar.

- Sem problemas... ah... – Jonathan pareceu ficar sem jeito e baixou a cabeça, cutucando com um interesse mais que necessário uma falha no cimento.

- Hoje você não ia devolver o meu... – começou Lupin, mas Jonathan ergueu o rosto e falou logo de uma vez:

- Eu perdi o homenzinho!

Remus fez uma careta. Sabia que não deveria ter emprestado, mas tinha ficado com pena de Jonathan, ele era o mais pobrezinho dos meninos e não tinha quase nenhum brinquedo. Mas o ruivo tentou se explicar, parecia mortificado em ter perdido algo que jamais poderia compensar:

- Foi o Will! Ele pegou de mim e correu, você sabe que ele corre muito mais que eu... aí ele jogou...

- Onde...? – Remus perguntou, mas já sabia a resposta.

- No arvoredo, pro lado do rio! Desculpa!

O ruivo fez uma careta de quem não sabe mais o que dizer. Remus suspirou, muito aborrecido e pensando que se o Will aparecesse de novo ia ver só uma coisa. Disse isso para o Jonathan, que abriu um sorrisinho mínimo e disse que ajudaria.

- E eu posso entra lá... e procurar!

Remus também havia pensado nisso.

- Não deve ter caído muito longe...

Mas Remus afastou o pensamento, se fosse lá de novo sua mãe ia ficar mais triste do que já estava.

- Tudo bem, Jhonny... Sem problemas...

- Mas...

- Deixa assim, a gente resolve com o Will.

Se bem que... Se fizessem direito, tomasse cuidado para não se sujar demais com a lama... Sua mãe nem chegaria a saber... E era verdade, Will era só um garoto, não podia jogar muito longe o bonequinho...



Apesar de Carl e Jhonny terem insistido que deveriam descer até a margem do rio com Remus, o garoto deixou bem claro que somente ele deveria fazê-lo. Fora um desafio de Will, uma pequena vingança pelos dias anteriores – Que ele provasse ser capaz e ganharia o respeito merecido.

Agora que escorregava pelo desnível coberto de raízes, Remus pensava se tinha sido boa idéia ter impedido os outros dois de acompanhá-lo. Embora ele estivesse descendo no lugar exato onde o ruivo disse que Will jogou o bonequinho, haviam raízes e folhas demais, precisaria de muito tempo para procurar devidamente.

Então o pedaço de barro seco onde pisava desmoronou e antes que pudesse agarrar alguma coisa, Remus rolou o resto do desnível e caiu sobre um monte de folhas secas. Fedia muito lá embaixo, era bem na parte mais suja do rio, logo depois das lojas, de onde desaguava muito mais esgoto. Levantou, sentindo arderem vários arranhões pelos braços – a última vez que descera lá, tinham usado uma trilha por onde os garotos mais velhos desciam para ir pescar no rio; e onde estava era absolutamente longe dessa trilha, justamente na parte em que havia mais árvores e a subida era mais íngreme.

Começou a procurar, com todo o cuidado, por entre as folhas. Se já pudesse ter uma varinha e usá-la... Mas para isso ainda tinha bem uns dez longos anos. Com um suspiro ajoelhou-se na terra, procurando por entre as várias samambaias que haviam por lá.

Algo estalou perto do rio.

Remus ergueu a cabeça e olhou em volta. Podia ouvir o som de água encanada – o esgoto – caindo no rio. Olhou para a abrupta descida que separava o bairro do arvoredo e do rio, de onde estava não podia ver os outros garotos esperando por ele, se é que estavam lá ainda.

- Jhonny? – Remus chamou, apreensivo. Talvez estivessem tentando assustá-lo, mas logo ouviu a voz de Carl lá em cima:

- Achou? Quer que desçamos?

Remus franziu ligeiramente a testa. Talvez tivesse sido só um esquilo. Gritou de volta, para que ficassem lá, que logo ele voltaria. Será que Will tinha jogado tão longe assim? Ou alguém encontrara primeiro o homenzinho metálico e o levara embora?

Parou de procurar e olhou para cima, desconsiderando o mal cheiro, que não era tão ruim depois de algum tempo lá em baixo. Virou o corpo para cima, esticando as pernas, então soltou os braços e caiu deitado sobre as samambaias. De onde estava via a luz solar de pleno meio dia tentando passar pelas espessas copas das árvores, cujas folhas agitavam-se assanhadamente para o vento. Um pássaro cortou muito rápido o arvoredo, sumindo entre os ramos. Haviam até pássaros lá... Por que os pais temiam tanto que os filhos fossem no arvoredo? Não parecia haver tantos perigos assim...

- Chapeuzinho vermelho! – gritou alguém.

Remus levantou muito depressa do meio das plantas. Deu de cara com um homem muito magro, face descarnada e uma barba rala por fazer, olhos grandes e avermelhados. Suas roupas eram rotas e sujas. Aliás, o homem inteiro parecia não saber o que era um bom banho há meses e tinha um terrível hálito alcoólico. Era um mendigo, desses que pediam esmolas perto da igreja e então iam gastar o dinheiro ganho em algum bar. Remus arregalou os olhos e correu para longe do homem, mas este simplesmente riu e coxeou alguns passos sem um rumo certo.

- Não, não, garoto! O velho Limp¹ só diz que é que nem a chapeuzinho vermelho, esses garotos entrando aqui...

- Como, senhor? – Remus perguntou, por atrás da tubulação enferrujada do esgoto, como se fosse uma barricada segura.

- É que... – disse ele, mais para si mesmo que para o garoto. Era como se Remus fosse só mais uma pessoa entre várias outras espalhadas pelo arvoredo – Parecem chapeuzinho vermelho, os meninos vindo passear na floresta, foi o que o Lobo me disse, sabe?

Remus não entendeu uma palavra do que o homem estava dizendo, desde quando Lobos falavam? Mas bêbados não deveriam dizer coisas sensatas, não é mesmo? Continuou a ouvi-lo.

- O Lobo disse que vai “pegar eles”, não foi? O Lobo Mau, o velho Limp disse que os meninos não faziam mal, sim... Eram uns pestes, mas nada, nada...! E então o Lobo disse que “meninos” é lucro, porque ele veio atrás de outra coisa, que foi ofensa feia, feia, que “gente que não se comporta como ser humano, só pode ser uma besta” Mas veja você...!

Ele apontou Remus e como quem lhe dá um conselho, ele murmurou:

- Cuidado com o Lobo Mau, chapeuzinho vermelho!

Ele deu três passos largos em direção ao garoto. Assustado, o menino tropeçou nos próprios pés e saiu correndo, tão rápido quanto podia, pelo meio do arvoredo, torcendo para encontrar logo a trilha certa ou pelo menos algum lugar mais fácil de subir. Agora, parecia haver figuras a espreita por todos os recantos sombrios daquele lugar. Tinha certeza que havia visto um espírito agourento caído por entre as raízes de uma árvore: uma mulher pálida, muito mais magra que o bêbado, olhos grandes e desfocados e os braços esqueléticos cobertos de pontos vermelhos. Mal conseguindo respirar, Remus havia saído do arvoredo e caminhava pela margem do rio. Podia ver a cidade estendendo-se ao longe, mas as árvores bloqueavam qualquer vista do pequeno bairro operário em que vivia. Tinha certeza que estava indo para o lado certo, sabia que se encontrasse um pier apodrecido, encontraria uma trilha que ia dele para fora do arvoredo.

Seus olhos encheram-se de lágrimas: e se não conseguisse voltar? Correu mais um pouco, mas nem sinal do pier. Sem saber o que fazer, entrou no arvoredo, atento para saber se não havia nenhuma daquelas pessoas que pareciam mais mortas que vivas.

Pé-ante-pé, deu várias voltas e achou que onde estava daria para subir pelo declive, era mais alto que do lugar por onde descera, porém menos inclinado. Agarrou-se a uma raiz e enfiando os pés na terra, fez todo o esforço para içar-se para cima, sempre buscando novos apoios. Mas a terra esfarelava muito e Remus escorregou várias vezes, até cair de volta exatamente no ponto por onde começara a subir.

Murmurou baixinho pela mãe. Mas nada, não ia vir ninguém – provavelmente ficaria lá para sempre, até se tornar pálido e insano, como aquelas pessoas que habitavam as margens do rio. Nunca iria para Hogwarts, nunca mais haveriam aquelas manhãs em que sua mãe vinha despertá-lo trazendo a aurora nos braços. Então um pensamento sinistro lhe ocorreu, o primeiro de toda sua vida – O homem dissera algo sobre um Lobo, algo que ele havia falado... E se não fosse ao todo uma alucinação? – Remus estremeceu da cabeça aos pés, lembrando do bonequinho ferrando os dentes no dedo de Will. “Meu irmão disse que tem lobisomens lá” - E Remus estava num lugar completamente afastado e vazio. Tinha que sair dali.

Levantou e correu em direção às margens do rio, pensando que seria melhor segui-las até uma ponte ou o Tamisa, ou até que alguém o encontrasse. Quase podia ouvir uma fera rosnando próxima de seus ouvidos. Jamais sentira o coração latejar tão aceleradamente. Tinha que sair dali. Tudo o que lera sobre isso não tinha lhe soado agradável, contavam de um tal de Lobo Fenrir, que era o pior de todos e que tinha enormes olhos amarelos e dentes pontiagudos, mesmo sob forma humana. Até alguns trouxas já ouviram falar sobre ele, o chamavam “Lobo Mau”.

O menino olhava em volta, era horrível a sensação de que realmente havia algo vigiando-o, seguindo-o por entre as árvores... Seria o Lobo? Mesmo que fosse um lobo, lobo mesmo, comum nos bairros mais afastados, seria igualmente ruim.

A poucos passos dele escapar da pressão sombria do arvoredo, uma garra meio humana, meio animalesca agarrou-lhe o pulso, puxando-o para o escuro, esmagando a face do garoto contra o chão. Remus se debateu, mas mal conseguia respirar, quanto mais mover-se. Sentiu a criatura bafejar próxima ao seu pescoço, rosnando baixinho de como desejava experimentar-lhe a carne.

Remus soube que ia doer muito. E que seria demorado. Para que? Estava além de sua compreensão o modo como seu corpo era prensado sobre o barro fétido.


Continua...


N/A: Bem... é isso... Eu escrevi da parte do velhinho até o final do capítulo de uma vez em um sábado depois de terminar os trabalhos da faculdade *surto de inspiração* E foi escrito ao som de black metal e outras coisitas assim... acho que rendeu, eu realmente melhorei muito desde minha primeira R/H tosquinha..


1- Limp significa “manco”.


Quero agradecer muitíssimo á minha sistah-sócia-beta-reader-oficial Morgana Black - a fic me pareceu muito melhor depois de ter passado pelas mãos dela ^^ Thanks sistah... love yu tu much - e essa fic eh pra vc, pq eu sei q vc ama/adora o Lupin!


Agradeço os leitores e... COMENTEM!
Abraços,
Ana H. Bla¢k

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