A fuga do St Mungu's





Ela acordou com barulhos estranhos vindos do corredor. Pareciam macas deslizando no chão liso de hospital. Milhões de vozes sérias receitavam remédios e davam ordens rápidas.

Abriu os olhos e se deparou com um quarto cheio de outras camas iguais as suas, ocupadas e com uma porção de homens e mulheres circulando com potes e vidros esquisitos.

Seus olhos rondaram todo o quarto e se depararam com a placa em cima da porta: Acidentes com feitiços.

Só podia estar pirando. Era isso mesmo que estava escrito? Acidentes com feitiços? Existia uma memória vaga daquele quarto, mas apenas disso. Não se lembrava de mais nada.

- Ah! Srta Mary! Finalmente acordou! – Era uma das mulheres que antes circulavam o quarto.

Então seu nome era Mary...Não se lembrava disso.

- Parece estar bem melhor. – A mulher sorriu gentilmente. – Seus cabelos agora estão vermelhos! Ontem estavam tão opacos com uma cor bege.

Cabelos vermelhos que antes estavam beges? Certamente não entendera uma só palavra que a mulher disse.

- Ah! Antes que eu esqueça... – E a enfermeira empurrou um frasco com um líquido estranho e odor engraçado. – Beba, vai se sentir melhor.

Ela bebeu sem rodeios ainda olhando aterrorizada para a enfermeira que logo recolheu o frasco já vazio e saiu apressada do quarto voltando logo depois seguida de um outro homem. Este a examinou e deu alguns avisos à enfermeira.

Não estava gostando nem um pouco daquele lugar. A maioria ali era, certamente, louco e ainda não gostava do jeito infantil de como a enfermeira a tratava.

Ouviu muitas vezes a palavra “bruxo” e “feitiço” e concluiu que aquilo só podia ser um hospício e não um hospital.

Só havia um jeito de escapar dessa maluquice; e era fugindo. Deu uma boa olhada na grande janela perto de sua cama: estava começando a nevar.

Quando as luzes finalmente se apagaram (sabe-se lá como) levantou-se da cama e foi até o outro lado do quarto onde um homem loiro e bonito estava sorrindo para o espelho.

- Me empresta seu casaco? – Perguntou sorridente.

- Devo saber o motivo? – Ele continuava sorrindo encarando o espelho fazendo breves acenos.

- Vou ali em baixo, onde tem outro espelho, para ver como fica em mim. - Respondeu com receio imaginando se ele iria acreditar.

- Ah sim...Neste caso... – E retirou o sobretudo verde musgo entregando-o na mão dela.

- E a boina... – Pediu apontando para a boina vermelha que ele também usava.

- Claro!

E sai do quarto cuidadosamente sem fazer ruído encontrando-se algumas vezes com os outros “loucos” que vagavam os corredores.

Ao chegar à recepção inventou uma desculpa de que era apenas uma visita que já estava indo embora e logo antes de sair abaixou a boina cobrindo a cara para que sua enfermeira não a visse

Mary...Era isso. Só sabia seu nome. Estava em Londres, sozinha...Sem saber onde morava, sem saber para onde ir.

Encostou-se em uma cabine telefônica e ficou encarando o chão. Todos que passavam riam de suas roupas demasiadamente grandes e de sua boina cafona.

Sentou-se no chão frio e botou as mãos dentro do sobretudo para esquentá-las. Um casal passou lentamente por ela conversando animados e assim conseguiu ouvir algo como “Amanhã pego o trem em King’s Cross”

“King’s Cross” – Isso era familiar de alguma maneira. Não lembrava ao certo o que isso significava, mas era familiar...

Mais alguns minutos encarando o chão e cinco libras caíram ali perto. Alguém estava entregando-lhe uma esmola. Não olhou para cima para ver quem era o doador, apenas pegou o dinheiro e levantou-se.

Ficou em pé no meio fio perto de um semáforo. Enquanto todos atravessavam, ela apenas ficou para ali em pé.

- Precisa de um táxi, Srta? – Um jovem perguntou vestido com um quepe e uniforme.

- Ah...sim. Isso seria bom.

O jovem fez sinal com a mão e logo um táxi apareceu. Ele abriu a porta para ela e fechou-a gentilmente.

- Para onde deseja ir? – Perguntou o taxista ligando o taxímetro.

- King’s Cross...



A estação estava bastando movimentada e ela apenas ficou na porta sem saber o que fazer dali para frente. Não seria uma boa idéia pegar um trem e ir a outro lugar desconhecido. Devia permanecer em Londres e tentar procurar sinais de reconhecimento.

Encostada perto da porta da estação, todos a olhavam como maluca devido a suas roupas. Resolveu caminhar por ali perto. Estava começando a se preocupar com o lugar que passaria noite, ainda mais nevando daquele jeito.

Caminhou uns quatro quarteirões para a esquerda e continuava a subir a rua observando a neve caindo nos jardins das casas tão grandes e bonitas. Como queria estar aquecida por uma lareira e vestindo algo confortável.

Notou algo estranho. Parecia que a numeração das residências estava errada. Não havia nenhuma casa entre a 10 e a 14.

“Está faltando o 12” – Pensou. Rapidamente algo lhe veio à mente. Algo relacionado ao numero doze. Ficou remoendo o numero na cabeça tentando lembrar o que o ele significava.

- Largo...12... – Repetia alto ecoando pela rua deserta. – Largo Grimmauld,12.

E sem perceber uma casa havia se materializado entre as 10 e 14. Uma enorme casa. Não tão bonita quanto às outras, essa tinha uma aparência muito antiga.

Aquilo tudo era muito estranho e começou a pensar em todas as loucuras que já tinha visto e ouvido naquele dia. Deu passos em direção a soleira da casa e decidiu entrar. Era melhor passar a noite ali do que do lado de fora no frio.

Bateu na porta engolindo em seco. Quem será que morava naquela casa tão assustadora?
Recuou um pouco, mas tarde demais: alguém já estava vindo abrir a porta.

- Ninfadora? – O homem perguntou ao ver a menina do lado de fora.

Ela ficou calada olhando atônita para ele.

- O que está fazendo aqui? Está frio ai fora, venha...

- Quem...é você? – Ela perguntou enquanto era puxada por ele para dentro de casa.

- Você e suas brincadeira Tonks... – Ele sorriu. Aquele homem também era familiar. Era jovem, mas sua aparência era cansada e apesar de sua juventude já possuía cabelos grisalhos.

- Eu conheço você? – Perguntou ela ainda assustada.

Ele perdeu o sorriso.

- Você está bem, Tonks? Não se lembra de mim?

- Bem...você é familiar...

- Da onde está vindo?

- Acho que de um hospital, mas... – Era tudo muito confuso em sua cabeça.

- Então é verdade. – Ele disse sério. – Você foi atingida por um feitiço da memória.

“Ah não! Feitiços de novo!”

- Olha... eu já ouvi hoje sobre feitiços e não entendi nada.

- Ora, mas você é uma bruxa. – Ele voltou a sorrir. Mas logo se arrependeu de ter falado tão rápido. Ela o olhava mais aterrorizada.

- Uma bruxa? – Repetiu.

- Venha vou preparar um chá para você. – Ele pegou no braço dela, mas a moça recuou. – Vou explicar-lhe tudo. É só você confiar em mim.

Ela sentiu vontade de fugir dali. Não queria mais ouvir o homem maluco falando, mas algo dentro de si dizia para confiar nele.

Os dois foram até a cozinha. O homem dirigiu-se a pia e encheu a chaleira com água. Ela observava o lugar atentamente.

- Bem... – Ele começou acendendo o fogão e depositando a chaleira. – Em primeiro lugar você é uma bruxa. E o motivo de sua amnésia se deve exatamente ao que os bruxos fazem: feitiços.

Ele sentou-se na cadeira à mesa e fez sinal para ela fazer o mesmo.

- Eu fui atingida por um feitiço?

- Sim. E foi um feitiço muito forte pelo que vejo. Você perdeu totalmente a memória. – Ele a encarou seriamente por um momento. Depois girou os olhos pela cozinha. – Esta vendo essa casa... Ela pertenceu à sua família.

- Minha família? – Finalmente descobria algo sobre sua família.

- Ah sim...Essa casa pertencia aos Black, mas você nunca morou nela. – Ele se espreguiçou na cadeira. – Sua mãe, uma bruxa legitima, casou-se com um trouxa. Ou seja, casou-se com alguém não bruxo e foi abolida da família.

A menina o ouvia com atenção mesmo sem acreditar em uma palavra.

- Você estudou em uma escola de bruxaria durante sete anos e depois se tornou auror. Um cargo importantíssimo no Ministério da Magia.

Ministério da Magia. – Isso também era familiar.

- Ministério da Magia? – Ela repetiu pensativa.

- Sim. Você trabalha lá há dois anos.

- Eu ainda trabalho lá?

Ele balançou a cabeça afirmando. Nesse momento a chaleira começou a chiar e logo o homem se levantou para despejar a água em duas xícaras.

- Você também é bruxo? – A menina perguntou aceitando o chá.

- Sou. – Ele respondeu sentando-se novamente. – E você já me conhece há alguns anos...

Ela deu um gole no chá.

- As pessoas no hospital me chamavam de Mary, mas você me chamou de...

- Ninfadora. – Ele completou sorrindo. – Você odeia mas é o seu nome. E Tonks é seu sobrenome.

Ela deu outro gole demorado.

- Eu não posso ser uma bruxa... – Disse convencida.

- Mas você é.

- Eu não posso ser...não há como provar.

Ele arqueou as duas sobrancelhas. Depois deu mais um gole no chá.

- Meus pais moram aonde? – Tonks perguntou.

- Sua mãe mora em São Petersburgo. Seu pai faleceu há algum tempo.

- Não sei se posso acreditar em você. Dizendo-me que sou bruxa e tudo mais...

Ele riu.

- Realmente Tonks, você não era tão teimosa. – E colocou a xícara em cima da mesa. – Pois bem. Nós vamos à São Petersburgo e ai te provo que é bruxa, ou melhor, sua mãe te prova.

Ela o encarou por breves instantes. Esse homem era interessante e com certeza estava sendo amigável até ali.

Tonks se debruçou sobre a mesa e estendeu a mão.

- Fechado. – Disse séria.

- Fechado. – Ele apertou sua mão com força.

- A propósito... Qual o seu nome? – Tonks perguntou voltando ao seu lugar.

- Remo Lupin.






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