Um brinde ao fim do mundo



Disclaimer: Harry Potter não me pertence. Eu só me divirto com ele. E quanto a V for Vendetta... É um ótimo filme, mas eu não vou tratar fielmente do seu tema. Espero que gostem.

V for Vendetta

Capítulo I


Um Brinde ao Fim do Mundo


"É o mesmo sol que derrete a cera e seca a argila", Antoine de Saint-Exupéry.

31 de dezembro de 2000

Domingo, 23h47min

Weymouth and Portland, Dorset, Inglaterra


Suspensas no ar, magicamente, estavam as luminárias de cristal. Dentro das cúpulas em forma de lírios os vaga-lumes voavam de um lado para o outro, agitados. Sobre a areia da praia fora erguido um palco, no qual se encontrava o piano, sendo dedilhado pelo pianista. Os convidados se amontoavam aqui e ali, pisando a areia branca e pura com riqueza, à sombra de luxo e ostentação.

A comemoração era, no mínimo, irônica.

O mundo bruxo parecia ruir a cada semana. O caos se espalhava com a praga, o pó levado pelo vento: parava em qualquer lugar. Disseminava-se. Os assassinatos em massa, os confrontos sangrentos. Era quase impossível manter a bruxaria em segredo: mortes sem explicação, pontes que vinham a baixo de uma hora para outra; uma constante, intransponível tensão se propagava entre os ingleses, para sempre instalada junto do medo em seus corações, estivessem numa ruela escura vazia ou entre amigos.

Trouxas, bruxos, mestiços... Centauros, duendes, elfos-domésticos... Todos eles se davam conta de que alguma coisa, importante, decisiva, estava para acontecer. A grande Guerra Bruxa, de proporções continentais, que se arrastava havia quatro anos... Logo, muito em breve, daria-se o seu confronto final, e a vida como a conhecem deixará de existir.

Entretanto, ali estavam, bruxos esclarecidos, completamente cientes daquilo que os cerca, que os punge e sufoca, comemorando.

Que prometeria aos bruxos o Ano Novo?

Mas aqueles mesmos não precisavam de promessas. Dançavam aos pares, tiniam as taças, trajavam as vestes ricas, de seda e fios de ouro, riam gostosamente e escondiam-se atrás das máscaras.

Eles eram a oposição, a chaga da sociedade bruxa. Não temiam a lei, acreditando que eles próprios a faziam, e só seguiam a um senhor, aquele que tirava a vida dos impuros e negava a morte aos seus fiéis: Lorde Voldemort.

Um baile de máscaras para aqueles que nunca se livraram delas.

O anfitrião, Blaise Zabini, tomou as devidas precauções para que a comemoração protegesse os seus convidados de qualquer imprevisto.

Ele se encontrava num dos círculos de conversa que costumam se formar entre amigos. Amigos. Mais uma das muitas palavras que haviam perdido sentido fazia muito tempo... Blaise já não era um menino, embora ainda fosse jovem. Aos vinte e um anos já havia herdado a fortuna Zabini - que se resumia, não poucamente, a duas contas em Gringotes e na Mansão em que comemoravam - e tudo o que restara dos outros seis casamentos de sua mãe - um outro tanto em ouro e mais alguns casarões. Em parte, fora isso que fizera de Blaise uma exceção.

Por todo o mundo bruxo, nomes caíam, incapazes de aplacar o caos em seus lares. Famílias se rompiam, herdeiros do sangue se rendiam à guerra ou na luta morriam. O nome, puro e absoluto, caía em desgraça, indignidade. Para qualquer lugar que os olhos escuros de Blaise se virassem, encontrariam a nata da sociedade em frangalhos, o horror escrito em linhas dolorosas. Era o preço da guerra.

Muitos dos que ali mesmo, na areia de suas terras, estavam, vestidos ricamente, não possuiam muito mais que o orgulho e a nobreza que alegavam seus.

"Meus cumprimentos, Zabini", disse o velho Yaxley, passando-lhe duas taças de Champagne, o espumante francês importado diretamente do lugar que o nomeava, "uma festa inesquecível!"

Blaise pegou as taças, acenando com a cabeça, num gesto de agrado displicente, e passou uma delas à sua acompanhante.

"Obrigada", agradeceu ela, polidamente, dando-lhe o deleite de um dos seus sorrisos. Blaise quase havia se esquecido de que ela podia sorrir.

Pansy Parkinson não era apenas rica e bonita, com a pele muito alva, cabelos louríssimos e invejáveis olhos anis. Também possuía uma esperteza tamanha que a possibilitou resistir ao caos, manter a família e dignar o nome e o sangue. Nada lhe escapava aos olhos sagazes.

Há poucos instantes estivera medindo os convidados do seu noivo, segundo o que vestiam e o que falavam, perguntando-se se deveria ou não gastar mais que algumas palavras de polida - e fingida - educação e um sorriso forçado.

"Blaise", ela lhe sussurrou algum tempo depois, "Não gostará de saber, mas me parece que eles estão por aqui..."

"Droga!", ele deixou escapar. Entre as suas sobrancelhas surgiram linhas de preocupação, "O Ministério e suas infiltrações...!"

"Não pode culpar aqueles bastardos. Reunimos todos os nossos que restaram, com algumas alterações estratégicas."

"Sim...", Blaise murmurou, pensativo. Ao menos havia se precavido e instalado os dispositivos necessários para manter os convidados no anonimato. "Ainda assim..."

Mas ele não chegou a concluir o pensamento. A música terminou com a nota final de Chopin e a praia se silenciou por um instante, em expectativa.

"Preparem seus champanhes!", alguém lembrou a todos, sem se dirigir a ninguém.

"Nove... Oito... Sete..."

De certa forma, o velho havia acertado. Blaise levantou os olhos para o negrume estelar e encontrou por ali a lua, que transformava o mar em prata líquida e banhava-os com a sua magnificência.

"À pureza do que já houve!", as taças se soergueram no ar, o tilintar uníssono.

"Seis... Cinco... Quatro..."

A festa de final de ano na Mansão Zabini seria inesquecível. Ou pior. Cravar-se-ia na memória de muitos para sempre, como um sonho ruim, um pesadelo, que insiste em retornar para assombrá-los, atormentá-los.

"Ao perdão do que está havendo!", os convidados repetiram o gesto, uniformes.

"Três... Dois... Um..."

A tradição mandava as últimas palavras virem dos lábios do anfitrião. Foi para Blaise que o último segundo do ano se voltou e ele proferiu as palavras como a homenagem fúnebre do fim dos tempos e do início de uma longa e terrível eternidade:

"Às boas vindas do que ainda está por vir."

"Feliz Ano Novo!"

Os convidados beberam das taças e cumprimentaram-se, satisfeitos. Jatos de feitiços explosivos riscaram o ar e desenharam figuras nas estrelas. A música voltou a tocar, os pares tornaram a danças. O mundo pareceu continuar em sua órbita comum, exceto para ele.

Para Blaise, o mundo parou por um instante, tão breve quanto longo, tão cheio como vazio, e retornou à órbita em sentido contrário, como nunca antes fizera, quando seus olhares se cruzaram sob as máscaras.

Quando o último dos feitiços explosivos rodopiou no ar e atirou feixes de luz em forma de serpentes para todos os lados, teve certeza de que era ele, aquele que não deveria estar ali nem em lugar nenhum. Aquele que não deveria estar vivo.

"Blaise?", chamou-lhe Pansy, preocupada com a tensão que os ombros do noivo tomaram subitamente, "O que houve?"

"Chame... Chame um dos elfos-domésticos, rápido! E tente não atrair atenções..."

Ele esfregou as mãos, impaciente, sem descolar os olhos do recém-chegado, enquanto Pansy sumiu por entre a multidão. Seu coração acelerara-se consideravelmente e ele sentia um calor perpassar-lhe o corpo, em nervosismo.

Aquela noite seria inesquecível, pois mudaria a vida como ele a conhecia - e o futuro de todo o mundo bruxo também.

* * * * * * * * * *


Ele se largou numa das poltronas de couro negro, exausto. Fechou os olhos por alguns instantes, sentindo a cabeça latejar. A lareira fora acesa e a brasa quente crepitava entre as labaredas, aquecendo a madrugada de segunda-feira.

Mas nem o calor do inferno o faria livrar-se da frieza de seus olhos.

Estava preso naquele lugar já havia mais de três horas. Embora não alimentasse a sua paciência, o quarto de hóspedes era ricamente decorado, as cortinas pesadas e escuras num tom vermelho-sangue que contrastava elegantemente com as paredes chocolate.

Aos seus pés o tapete de pele de urso parecia quase vivo, apesar de tudo ao seu redor trazer consigo o cheiro ocre da morte.

Talvez o seu retorno àquele lugar fosse um erro – um grande erro. Imprudente. Inconseqüente. Mas era tudo o que estava ao seu alcance.

Ele levou uma das mãos ao rosto e tocou a máscara. Estava gelada como a morte, que ironia. Já não usava a máscara da morte. Não era preciso.

Seu rosto já lhe havia substituído como tal...

Livrou-se dela. Por debaixo da mesma o rosto fino, quase pálido, apareceu. Os olhos cinzentos, tempestuosos, viram-se então livres para chispar as faíscas de suas trovoadas. Passou uma das mãos pelos cabelos louro-platinados nervosamente, os lábios numa fenda séria. Dura. Infeliz.

Ele era o último dos Malfoy.

O sucessor de Lucius não era apenas herdeiro do nome, do sangue e da fortuna, mas também da guerra. E da desgraça.

A derrocada final dos Malfoy fora, sem dúvida, impiedosa, e ele ainda podia sentir a dor da perda no calor do sangue e no sal das lágrimas. Lágrimas que não eram suas.

Draco Malfoy não chorava.

Com uma determinação quase sufocante, ele fixou os olhos nas chamas que carcomiam a lenha com voracidade. Estava impaciente. Inquieto. E quase febril.

Draco estava certo de que aquilo que planejava fazer era muito arriscado - demais. Sabia que a sua decisão pendia para um dos lados da tênue linha que separava a imprudência da insanidade, evidentemente. Mas ele não se importava. Tampouco parara para pensar nas consequências.

Aquela era a sua história.

O herdeiro dos Malfoy tinha apenas uma coisa que mantinha o ar dentro de seus pulmões e o sangue correndo nas veias, uma única coisa, acima do certo e do errado, do bem e do mal e, até mesmo, da vida e da morte.

Era o seu desejo de vingança.

Cada vez que o pensamento lhe ocorria, no peito um monstro parecia se inflar, morto-vivo, cruel e faminto. Rancoroso.

Draco Malfoy queria se vingar da guerra.

Pelos olhos cinzentos perpassou um semblante bestial: era a fera da guerra que não o deixaria nunca mais, como invisível cicatriz, dolorida e dolorosa. Todos eram monstros.

Draco Malfoy queria se vingar dos seus líderes.

Com o indicador e o polegar ele massageou os olhos e inspirou profundamente, para logo depois soltar o ar devagar. Toda aquela monstruosidade que nascera dentro dele, a qual se tornara, não, não era em vão.

O ódio nascera dos poços rancorosos da profunda tristeza. Tudo acontecera tão rápido... Que ele mal podia se esquecer dos seus olhos. Os olhos anis vidrados. Vazios. Desesperados.

Mortos.

Levantou-se, incapaz de reviver as memórias, e tratou de ocupar seus pensamentos com qualquer outra coisa.

"Onde, infernos, ele foi se meter?", perguntou-se, irritado, andando de um lado para o outro da sala. A música, as conversas, as luzes, tudo da festa havia se ido das terras de Blaise - inclusive ele, aparentemente. Draco o esperava para tratar de um assunto bastante importante, senão crucial, e Blaise Zabini decidia simplesmente desaparecer!

Num ímpeto raivoso, Draco deixou o aposento em que estivera trancafiado desde que Blaise o acolhera e marchou pelos corredores, tomando cuidado para não se aproximar das janelas francesas, em busca do anfitrião.

O casarão estava tão silencioso que ele se perguntava se as batidas de seu coração não seriam suficiente para causar ecos altos o bastante para chegarem aos ouvidos de Blaise - e a quem mais que ali, por ventura, estivesse. Agradeceu pelo tapete escuro abafar seus passos.

Depois de uma longa caminhada pelo o que lhe pareceu toda a genealogia dos Zabini disposta em quadros seculares - de homens cheios de si e mulheres pomposas, transbordando arrogância e tradição - ele começou a ouvir o que parecia ser um murmúrio inconstante, mais alto e, então, mais baixo, ilogicamente. Mais alguns passos e ele percebeu que alguém estava gritando.

Para seu horror, a voz pareceu mais que familiar e, no entanto, menos, muito menos que amigável.

"...não ouse negar! Estou lhe avisando!", berrou a voz feminina, visivelmente descontrolada, "Mostre-nos! Entregue-o imediatamente! Ou quando ele souber... Juro que verá!"

"Já disse: não em minha casa. Não receberei ordens de você", a voz fria de Blaise se fez ouvir, quase indiferente se não fosse pelo desprezo com que pronunciara a última de suas palavras.

Draco aproximou-se sorrateiramente de uma pesada porta de mogno, da qual a descuidada fresta derramava o jato de luz vindo da lareira e das inúmeras velas dispostas pelo aposento. Já um tanto mais perto, observou aqueles que ali estavam. Um tremor involuntário perpassou-lhe o corpo ao avistá-los – entre preocupação e desgosto.

* * * * * * * * * *


“Foi uma festa maravilhosa!”, exclamou o último dos seus convidados antes de desaparatar, ou assim pensou Blaise. Desfez-se do sorriso polido do qual se utilizara nas últimas horas daquela madrugada quase que instantaneamente e deixou o hall da sua mansão rapidamente.

“Droga”, ele murmurou, irritado, “Droga! Droga! Droga!”

O seu semblante demonstrava nervosismo, visivelmente abalado com o aparecimento do recém-chegado. Draco Malfoy era a última pessoa que esperava ver novamente em suas terras – sobretudo depois da publicação do seu atestado de óbito. Mas ele estava vivo.

Draco estava vivo e, junto dele, tudo o que Blaise fora antes da guerra e tivera de se livrar para sobreviver. As memórias emergiam como se estivessem vivas, em algum lugar dentro dele. Despreocupação. Irresponsabilidade. Diversão... Felicidade.

Entretanto, acima de tudo o que sentia, ele sabia muito bem o que o seu retorno significava: problemas. E dos grandes.

Caminhou a passos rápidos até o escritório e adentrou-o, sem hesitar. Fechou a porta de qualquer jeito, distraído.

“Que foi que houve, Blaise?”, perguntou a loura, que estivera a sua espera como pedira, “Não o vejo assim há meses!”

Ele se sentou na sua poltrona e, com um aceno da varinha, fez com que uma garrafa de firewhisky e um copo flutuassem em sua direção. Encheu-o e bebeu tudo num só gole.

“Mas o que é que você está fazendo?”, perguntou Pansy, horrorizada. Blaise nunca bebia demais. E talvez por isso a preocupação crescesse dentro dela. Não poderia ser qualquer coisa que o preocupava.

“Ouça, Pansy... E ouça bem porque eu só direi uma vez...”, avisou. Fez uma pausa, durante a qual seus olhos negros mergulharam nos anis dela, dissecando-a.

“Diga logo de uma vez!”, ela mandou, pondo as mãos na cintura e levantando o queixo, imperativa. Ele meneou a cabeça, cansado.

“Hoje...”

“Vamos, Zabini, desembuche logo!”, soou a voz feminina, mas agora não era a aflita e curiosa de Pansy. As palavras saíram venenosas, caçoadas e desdenhosas, dignas dos lábios de Bellatrix Lestrange.

Blaise virou-se na direção da voz tão velozmente que pôde sentir o pescoço cansado protestar. A mulher emergiu das sombras, arrogante. Em sua companhia trazia Rabastan.

“O que...?”, começou Blaise, furioso, mas Bellatrix levantou uma das mãos no ar para calá-lo, impertinente.

“Acho que você sabe muito bem o que estamos fazendo aqui, Zabini”, ela disse, sibilante como uma serpente. Sorriu para Pansy, cruel, “Aliás, não era exatamente o motivo da nossa vinda que você contaria para a Parkinson aqui agora mesmo?”

Blaise se levantou, controlando-se. Tentou se acalmar até beirar a indiferença e lançou-lhe um olhar gélido, quase cortante.

“Retire-se imediatamente.”

Bellatrix riu, presunçosa. Analisou-o por alguns segundos antes de prosseguir.

“Não espera que eu realmente o faça, não é?”

Blaise não respondeu, ilegível. Impassível, empunhou a varinha, segurando-a firmemente sob a capa de festa. Os olhos de Bellatrix perscrutaram a escuridão dos seus, quase sugando-lhe por aqueles globos anis, praticamente sem piscar.

“Você não tem chance nenhuma. Muito menos contra nós dois”, ela falou, como se lesse seus pensamentos. O rubor tomou o rosto de Blaise, em ódio, e ele pareceu considerar as suas palavras, mas não daria o braço a torcer.

“Eu posso tentar.”

Bellatrix nunca fora muito paciente para com joguinhos de palavras e aquele em especial a estava aborrecendo profundamente. O Lorde das Trevas deixara bem claro que, caso não cumprisse o que lhe fora ordenado, ele mesmo a faria pagar – e o beijo do dementador pareceria repentinamente convidativo e açucarado.

“Onde ele está?”, perguntou bruscamente.

“Onde quem está?”, Pansy, que ainda pouco entendia daquela conversa, mas o suficiente para saber que dois Death Eaters armados e irritados dividindo a sala com um Blaise teimoso não era bom, interferiu.

Bellatrix fixou seus olhos em Blaise, ferina.

“Responda, Zabini! Não a deixe curiosa!”

Ele se viu preso naquela questão. Suspirou, tentando ganhar tempo, quando uma idéia lhe ocorreu. Talvez não fosse o bastante – mas ele haveria de tentar. Baixou a varinha.

“Eu realmente não sei do que está falando, Lestrange”, e se virou para Pansy, mecanicamente, os pensamentos a mil, “Apenas me acertaria com Pansy sobre o que dizer aos aurores caso perguntassem da festa e do porquê de termos escolhido apenas sangues-puros como convidados, para despistarmos as suspeitas anti-trouxas que nos cercam e caem sobre nós.” Seus olhos se reencontraram com os de Bellatrix, indiferentes. “Desculpe-me se não é um dos meus costumes saudar Death Eaters que invadem a minha casa.”

“Bem...”, Rabastan comentou, descrente, “É uma pena não termos mais pessoas como ele do nosso lado, não é, Bella? Ele é tão dissimulado...”

Diferentemente de Rabastan, no entanto, Bellatrix não via graça nenhuma na criatividade do Zabini. Era o seu pescoço que estava em risco – não que realmente acreditasse que seu lorde fosse torturá-la... Mas era sempre bom não arriscar.

“Você sabe muito bem de que ele esteve aqui”, ela começou, alteando a voz inconscientemente, o sangue fervendo nas veias, “E é você quem o está protegendo e acobertando agora mesmo, não ouse negar! Estou lhe avisando!”

Blaise continuava impassível, imune às suas ameaças. Frente àquele insulto, Bellatrix já não tinha controle de si mesma.

“Mostre-nos! Entregue-o imediatamente! Ou quando ele souber... Juro que verá!”

“Já disse: não em minha casa. Não receberei ordens de você.”

Ela levantou a varinha, empunhando-a contra o peito dele, ameaçadora. Seus olhos cinzentos eram agora banhados pela fraca luz bruxuleante das velas e as sombras em seu rosto se tornavam cada vez mais profundas.

“Leve-me até Draco Malfoy ou vou matá-lo!”

* * * * * * * * * *


Draco observou o silêncio se propagar na sala, a ameaça recente ecoando dentro de sua própria mente. Ainda assim, não moveu um músculo sequer. Não havia reparado que seus lábios estiveram entreabertos ou que prendera a respiração nos últimos instantes. Apenas concentrou-se na sucessão de fatos que se dariam a partir dali – ou não.

Blaise encarou Bellatrix de igual para igual, mas o ambiente tornou-se gradativamente pesado, tenso. Ele sabia que não lhe restavam muitas opções. Seus olhos escuros cintilaram perigosamente.

“Mate-me.”

A mulher pareceu de repente perplexa com a demonstração de coragem, enquanto Pansy pareceu chocada. Então, Bellatrix sorriu de leve, irritante.

“Ele vale tanto assim? Morrerá pelo seu... Amigo?”

Foi a vez de Blaise sorrir, seguro. Bellatrix se sentiu afrontada, mas esperou que ele falasse.

“Mate-me... E ele já estará longe demais quando meu corpo tocar o chão.”

A mesma audácia com que ela tivera de lidar por tantos anos. Tolos que pensavam ter alguma chance contra o Lorde e o seu poder cruel e devastador.

“Está bem...”, ela moveu a varinha alguns centímetros para a direita, divertida, “Mas eu acho que prefiro começar por ela.”

Pansy, que estivera digerindo as enigmáticas palavras de seu noivo sobre Draco – que decerto estava morto havia muito tempo – estar por ali, viu-se sob a mira feroz da varinha de Bellatrix.

Draco engoliu em seco.

Sabia que Blaise e Pansy o acobertariam o quando pudessem, mas daí a morrerem por ele... Não podia deixar que o outro tomasse tal decisão, nem a queria. Sentindo mais um arrepio perpassar-lhe o corpo, focou-se nos seus novos objetivos mais uma vez e, hesitante, empurrou a porta de madeira para que se abrisse.

Bellatrix foi a primeira a observá-lo, os seus olhos mergulhados em satisfação ao vê-lo aparecer.

“Draco, meu querido sobrinho, que bom que resolveu aparecer”, ela murmurou, numa voz propositalmente infantil, ainda que sombria, “Por que não vem cumprimentar a família?”

Os seus olhos cinzentos a focaram, desinteressados.

“O que você quer?”

Ela levou uma das mãos até o rosto pálido do rapaz, acariciando-o com as costas dos dedos. Draco sentiu-a gélida e, como a premonição do que está por vir aproximando-se, ele afastou o rosto.

“Não se trata do que eu ou você queremos.”

Draco deixou os olhos vagarem por algum ponto qualquer da sala. Ele sabia o que viria a seguir – e, de certa forma, estava pronto ara enfrentá-lo.

“Ele quer me ver, não é?”

Bellatrix meneou a cabeça, afirmativamente.

“Por isso partamos.”

Draco lançou um último olhar a um Blaise descrente e uma Pansy boquiaberta antes de sentir a pesada mão da tia pousar nada delicadamente sobre o seu ombro. E desaparatar.

O seu corpo bateu dolorosamente contra o chão de pedra. Draco teria fechado os olhos e esperado alguns instantes para que a dor que se apoderava do seu corpo baixasse ao menos um pouco, mas sob os olhos secos de Bellatrix temeu parecer fraco. Levantou-se rapidamente e seguiu-os.

Rabastan liderou-os por uma estreita fenda entre o que lhe parecia uma parede natural, rochosa.

Estariam numa espécie de bosque?

Draco sentia o suor frio umedecendo o seu pescoço conforme caminhavam. Que queriam com ele ali? Bellatrix lhe dissera que Voldemort esperava para vê-lo, mas para que, senão eliminá-lo? Já não tinha serventia – não o servira durante os últimos... Quantos meses fazia? Talvez fossem anos, não saberia dizer. O Lorde, entretanto, não haveria de esquecer o seu último encontro com o jovem Malfoy.

Apertou os punhos mecanicamente.

Como pudera se recordar do ocorrido naquele exato instante? A sua última batalha rodava como um filme frente aos seus olhos cinzentos, mas não restava o que fazer. Era impossível alterar o passado. Entretanto, pensar no motivo que o fazia odiar o Lorde das Trevas segundos antes de encontrar-se com o próprio era pouquíssimo aconselhável.

Tentou pensar em qualquer outra coisa, desesperado, quando – feliz ou infelizmente – algo mais lhe chamou a atenção.

Rabastan havia estancado no lugar.

Draco observou a razão pela qual o Death Eater se deteve repentinamente, mas não a conseguiu distinguir. Aliás, não havia muito que distinguir. Dali a poucos passos nada se veria. Era apenas um negrume incerto e total, como um túnel sem fim. Teria volta?

“Daqui em diante você estará só”, disse o homem, uma sádica satisfação desenhada nos seus lábios finos, “Vá e logo.”

“Nem ouse tentar fugir”, advertiu Bellatrix, adiantando-se, “Ou iremos atrás de você. E dos seus amiguinhos.”

Draco os examinou, desafiador. Talvez, por um segundo, houvesse considerado fugir. Mas aquele encontro seria, cedo ou tarde, inevitável. Meneou a cabeça, tentando livrar-se de qualquer dúvida que lhe restasse, e ergueu o queixo, decidido. Afinal, era tudo o que lhe restava. Caminhou a passos firmes até a escuridão e embrenhou-se nela, deixando para trás os outros dois sem remorso algum.

Ele abriu os braços e seguiu tateando as paredes. O chão sob seus pés não parecia muito confiável – ele o vira se mexer aqui e ali? Mas não recuou. Continuou em frente por alguns demorados minutos. O ar começa a lhe faltar e o cheiro animalesco do lugar começava a incomodá-lo até que, enfim, a claridade emergiu das trevas, não muito longe de onde se encontrava. Draco estava quase a alcançando quando se deteve subitamente.

Nas suas pernas a víbora se enroscava.

Ele chocou-se com a parede de costas, procurando se afastar, mas fora em vão. Uma olhada bastaria para que visse, banhadas pela luz do suave amanhecer, as inúmeras serpentes que se arrastavam aos seus pés, venenosas.

“Infernos!”, exasperou-se. Estava desarmado num covil. Quanta estupidez... Algumas das criaturas viperinas já lhe subiam pelas pernas quando ele se decidiu. E, sem segundas considerações, correu para fora do túnel.

Debateu-se por instantes, livrando-se das cobras que lhe tinham agarrado, e se distância delas, escorando-se numa árvore para retomar o fôlego. Fechou os olhos, cansado.

Mas que droga de vida vinha levando?

Sobretudo, foi o cheiro que o despertou. Os mesmos ares sinistros dos cemitérios – a putrefação. Ele reabriu os orbes cinzentos e mirou a superfície lisa e calma de um pequeno lago que ali havia. Uma estreita e pouco confiável ponte de madeira o dividia, levando quem quer que no local viva até uma construção ao centro, antiga e irregular. Um velho casarão.

Com um mau pressentimento, o Malfoy se aproximou do lago. As águas escuras evidenciavam o improvável: era mais profundo do que deveria. Mas sob elas haveria algo além da vida e pior que a morte. Muito pior.

Ele estremeceu.

Juntando toda a coragem que lhe restava, ou melhor, toda a imprudência que ainda se apoderava dele, caminhou vagarosamente sobre a ponte. A madeira fazia um barulho muito suspeito, como se tencionasse ceder, mas ele não pretendia entrar naquele lago. Decididamente.

O Malfoy atravessou a distância da terra ao casarão e parou na soleira da porta, repentinamente hesitante. Viera até ali e para pensar em desistir? Mas tudo naquele lugar parecia fazer-se num misto de vida e morte. As vidraças empoeiradas e quebradas lembravam os tristes olhos vagos do abandono e as portas e janelas saltavam dos pregos como sorrisos tortos, desregulados... Sobretudo, os murmúrios do vento trazidos daquela presença sombria tentavam-no a se retirar, sussurrando segredos como se o lugar fosse habitado por criaturas invisíveis. Fantasmas, os quais um dia já foram os pais das sombras que agora vivem no mundo. A humanidade. Talvez fosse a humanidade perdida há muito tempo que voltava para perturbá-los em suas monstruosidades, evocando o adormecido. E falhando miseravelmente.

Draco esgueirou-se para dentro do local e observou a claridade morna do sol penetrar as falhas da construção. O ambiente estava impregnado daquele mesmo cheiro podre que antes sentira no túnel e que se espalhava por todo o lugar. Mas a sala estava vazia.

“Estranho...”, ele murmurou intrigado. Para que o mandariam a um lugar vazio e abandonado no meio do nada? Entretanto, mal pôde começar a se perguntar, ouvira alguma coisa. Vozes. Vindas do segundo andar.

O louro se aproximou das escadas, devagar, mas não foi preciso se esforçar muito. Uma porta fora aberta, rangendo irritantemente, e do topo da escadaria surgiu a figura baixa e corpulenta de Wormtail.

O Death Eater sorriu, doentio, e se aproximou murmurando, ininteligível.

“Milorde nunca erra...”, dizia, “Siga-me!”

Draco o seguiu contrariado, mas silencioso. Ralhava consigo mesmo. Tivera a oportunidade de dar as costas a tudo aquilo e, ainda assim, não o fizera. Caminhara alegremente para dentro do batedouro, outra estupidez. Quando aprenderia?

Wormtail parou em frente a uma porta e abriu-a, trocando algumas palavras com quem quer que ali estivesse. Uma ordem cortou o silêncio e o barulho de móveis riscando o assoalho se fez presente. No momento seguinte, meia dúzia de Death Eaters se retirava do aposento.

Um deles demorou-se uns segundos esquadrinhando o rosto de Draco e o rapaz o reconheceu como sendo o marido de Bellatrix, Rodolphus Lestrange. O homem pareceu observá-lo com um interesse contido, quase satisfeito. Aquilo não poderia significar boa coisa.

“Entre”, disse Wormtail em tom de deboche, “Não deixe milorde esperando!”

Lançando-lhe um olhar escaldante, Draco adentrou o aposento e, quando a porta bateu pesadamente às suas costas, soube que cometera o maior erro de toda a sua vida.

O ambiente era frio e miserável, com algumas poucas cadeiras ao canto e uma poltrona velha e gasta mais ao centro.

“Há quanto tempo, Malfoy”, soou a voz fria e calma, aveludada, do Lorde das Trevas. Draco fixou os olhos cinzentos na figura do homem a sua frente. Instintivamente, estreitou-os, antes que pudesse se deter. Os olhos escuros do Lorde, em fendas ferinas, analisavam-no, divertidos. “Bem vindo de volta.”

“Queria me ver?”, perguntou o rapaz, tentando parecer indiferente enquanto seu coração acelerava gradativamente. O outro sorriu.

“Temos assuntos pendentes a resolver.”

O silêncio se propagou entre eles. O Lorde, seguro. Draco, nervoso.

“Ajoelhe-se.”

Ele se recusava a mostrar submissão àquele homem – àquele monstro desprezível novamente. Voldemort esperou que o rapaz o obedecesse, mas quando ficou claro que isso não aconteceria, o seu sorriso desapareceu.

“Muito bem...”, disse, como quem não vê alternativa, e sacou a varinha. Antes que o Malfoy pudesse perceber o que estava para acontecer, seu corpo já havia batido contra o chão e contorcia-se dolorosamente.

Draco pouco ou nada se lembraria das palavras que eram proferidas pelos lábios viperinos de quem já fora o seu lorde. Os gritos que lhe escapavam sem a sua permissão ecoavam dentro da sua cabeça e tinha a impressão de que seu peito era rasgado friamente. O Lorde regeu a cruel sinfonia e, depois de longos minutos, ele pareceu entediar-se com o som que o louro era capaz de produzir.

O Malfoy tentou levantar-se, mas nada parecia estar no lugar dentro dele. Tentou pôr-se de pé, mas caiu de joelhos, atordoado.

“Vê? Seria muito mais simples se obedecesse desde o início”, disse o outro, indiferente.

“O que você quer?”, cuspiu Draco com raiva, soando fraco e rouco. O Lorde riu.

“Deveria me agradecer por ainda viver. Se eu quisesse, já estaria morto. Mas digamos que a sua situação me é bastante... Favorável.”

O rapaz tentou entender aonde o homem queria chegar, mas não conseguiu.

“Minha atual situação?”, repetiu confuso, uma das mãos massageando o peito dolorido inconscientemente.

“Você está morto, Malfoy”, ele disse e os seus olhos chisparam faíscas incandescentes, desumanos, “Não se preocupam mais em caçá-lo. Não o procuram. Não se importam mais com você. Você não é ninguém. E é exatamente disso que eu preciso.”

Draco o examinou, desconfiado.

“O que você quer que eu faça?”

O Lorde se levantou e caminhou até o outro lado da sala. Removeu uma tábua solta do fundo falso de madeira e tirou dali um rolo de pergaminho. Atirou-o a Malfoy.

“Consiga-os para mim.”

Draco passou os olhos pela grafia pequena e bem desenhada. Arregalou-os então.

“Você só pode estar brincando...”

* * * * * * * * * *


Ela continuou perplexa ainda por um bom tempo depois de ele desaparecer. Seus lábios permaneciam entreabertos, como se encorajassem a fala, mas as palavras não vinham. Ao menos não de uma maneira que fizesse sentido.

“Ele... Ele era...”, repetia embasbacada. Blaise conhecia-a bem demais para precisar do restante da frase.

“Sim, era ele. Draco voltou.”

Pansy passou de surpresa para repentinamente irritada. Fixando seus olhos anis no noivo, esbravejou:

“E por que você não me disse isso? Por que não me disse nada?”, ela se aproximou de Blaise, mantendo as mãos nos quadris, “Há quanto tempo ele estava aqui?”

Ele desviou o olhar, evasivo, “Há três horas e meia.” Pansy pareceu prestes a explodir, num ataque de nervos, quando ele se apressou a explicar. “Eu bem que tentei lhe avisar, mas parece que não tive muita escolha, não é?”

Ela bufou, indignada. “Se ele está vivo... Por que publicaram o seu atestado de óbito? Por que diziam que ele morreu?”

Blaise sentou-se, livrando-se da capa de festa, e desabotoou uns dois botões da gola da camisa. Servira-se novamente da garrafa de firewhisky, tomando metade do conteúdo do copo, parecendo preocupado.

“Sei tanto quanto você.”

Pansy podia ler nos traços firmes e belos do seu rosto que o noivo buscava alguma coisa em pensamento que ela desconhecia.

“No que está pensando?”

Os olhos escuros de Blaise mal se moveram, concentrados.

“Problemas.”

“Que problemas?”

“Ainda não sei... Mas eles virão.”

As palavras dele silenciaram a conversa entre os dois por algum tempo. Vinham lutando contra a queda havia anos, ameaçados a todo o tempo pela guerra e pela miséria, mas resistiam. A derrocada era uma idéia assustadora e inquestionável, mas naquele instante parecia perigosamente próxima. Impreterível.

Pansy sentou-se ao seu lado no sofá, apoiando uma das mãos nos seus ombros, delicadamente.

“Com os aurores?”, arriscou, mas ele não respondeu, “Com os Death Eaters?” A resposta atingiu-lhe duramente. “Com os dois?”

Ele suspirou. “Talvez.”

Blaise a puxou mais para perto, deitando-a em seu peito e acariciando-lhe os cabelos louros. Ela sentiu o coração perder um compasso. Sobretudo, o noivo costumava abrigá-la em seus braços, possessivo, quando algo o afligia. E aquela não era uma exceção.

“Nada nos derrubou, nem nunca irá.”

Pansy sorriu de leve, quase imperceptivelmente. Sabia que aquela era a sua maneira de dizer “vai dar tudo certo”.

“Sei que não, mas...”

“Mas o que?”, ele repetiu impaciente. Pansy rolou os olhos.

“Nós já estamos envolvidos! E se Lestrange voltar...?”

“Eu terei pena dela”, Blaise respondeu friamente.

“Como você é teimoso!”, ela soltou incrédula, “Sabe que não pode deter todos eles!”

“Ninguém vai mandar em mim, Pansy, seja ela ou seu lorde maldito, ninguém vai.” Ele se conservava impassível, controlando a raiva e a indignação. Por vezes, chegava a ser tão maquiavélico, tão calculado, que a irritava. Pansy era explosiva. Blaise era planejado.

“Não quero que obedeça! Só...”

“Que fujamos?”, ele disse em desdém, “Que deixemos tudo o que é nosso e também o que somos? Que escolhamos o exílio?”

Ela não respondeu. Aquelas palavras feriam o seu orgulho sonserino, mas não havia verdade mais crua.

“Não acredito que está me pedindo para fazer isso...”

“Não estou!”, defendeu-se, “Só quero que vivamos! E se isso significa fugir...”

“É indigno”, ele resumiu, simplesmente, “Fugir é uma desonra.”

“E fica é estupidez!”

Blaise se calou, contrariado. Não havia maneiras de se ver, um Zabini, um sonserino, um filho do sangue, do luxo e da tradição – um filho do pode fugindo. Mas sabia que Pansy tinha razão. Que adiantariam honrarias aos mortos?

“Então vamos fugir como ratinhos assustados...”, murmurou, derrotado, desviando o olhar. Pansy rolou os olhos e sorriu, satisfeita com a demonstração de sensatez. Eram sonserinos, por Salazar! Que deixassem a imprudência para grifinórios!

“Não somos ratos.”

“Somos o que?”, ele perguntou desinteressado. Detestava perder, principalmente quando o vencedor tinha razão. Pansy virou-lhe o rosto para si até que ficassem face a face.

“Somos humanos.”

“Que consolo...”

Ela o empurrou contra o encosto do sofá e agarrou-lhe a gola da camisa, aproximando-se do rosto dele vagarosamente.

“Escute aqui, teimoso...”

“Como quiser, Srta. Parkinson.”

Pansy sorriu, significativa.

“Vamos gastar o meu nome até trocá-lo?”

Ela apoiou o corpo no dele e roçou seus lábios, provocando. Blaise levantou o rosto, beijando-a, e suas mãos alcançaram as coxas cor de leite da noiva, acariciando-as. Pansy intensificou o beijo, aprofundando-o, enquanto o noivo lhe alcançava os quadris, impertinente. Ela estava prestes a torturá-lo, nos seus costumeiros jogos amorosos, quando um estalo a distraiu.

Draco Malfoy aparatara.

Seus olhos cinzentos se chocaram com os anis de Pansy e ele pareceu indiferente à situação em que encontrara os amigos de escola. Gélido.

Sem pensar duas vezes, a loura abandonou o noivo no sofá, precipitando-se para junto de Draco, ansiosa.

“Você está bem? Por onde andou? Aonde o levaram? Machucaram você? O que queriam?”, perguntou quase sem respirar, perdendo o fôlego, mas o louro a ignorou, limitando-se a passar por ela e aproximar-se de Blaise.

O outro o olhou, interrogativo, mas Draco parecia decidido a poupar palavras. Retirou a varinha do bolso interno das vestes e mostrou-a a Blaise. Estava quebrada.

O amigo entendeu onde o louro queria chegar e sacou a sua própria, apontando-a para a dele. Em segundos, a varinha estava como nova. Draco acenou a cabeça positivamente, em aprovação.

“Era só isso.”

Ele afastou-se do amigo e já caminhava em direção à porta quando fora interrompido.

“Espere aí.”

O louro virou o rosto ao sofá, as mechas platinadas caindo de leve sobre os olhos claros, incômodas e desmedidas, só para ver Blaise se levantar, aproximando-se. O amigo simplesmente venceu a distância que havia entre eles e, já ao seu lado, bateu a porta entreaberta, impedindo Draco de se retirar.

“O que foi?”, ele perguntou mal humorado.

“Se você pensa que sairá daqui assim, engana-se.”

“Eu só precisei de um favor”, deu de ombros, cansado. Blaise podia ver os efeitos da guerra escritos nos traços do rosto do Malfoy: parecia ainda mais pálido e doente.

“Então nos faça um”, mandou, imperativo, apontando para a poltrona. Draco o fuzilou com os olhos, os mesmos olhos cinzentos de que Blaise se lembrava de anos atrás. Não. Eram outros. Olhos de um assassino? Ou olhos de um morto? Fraquejou.

O Malfoy não suportava aqueles ares de segurança e superioridade que o amigo lhe passava, como se pudesse mandá-lo!, mas estava só. Só e desgraçado. Draco sentou-se no lugar que lhe fora indicado, a contragosto.

“Então?”, Blaise o encorajou curioso.

“Voldemort quer que eu realize uma de suas estúpidas missões”, cuspiu irritado.

“Foi isso que andou fazendo?”, arriscou Pansy, “Tem trabalhado para Voldemort?”

O louro emudeceu. Blaise sabia que ele não responderia, mesmo que não imaginasse o porquê.

“O que ele quer?”

Draco bufou. Por que a intromissão agora? Não precisava daquilo, nunca precisou. Mas, de certa forma, a presença dos amigos o confortava. A última missão que realizara sozinho fora tão... Difícil. Em todos os aspectos.

Sem reconsiderações, atirou o pergaminho a Blaise. Esse o abriu e leu as poucas palavras que haviam sido rabiscadas ali de qualquer jeito.

“E o que isso significa?”, perguntou confuso. Para que Voldemort precisaria de algo como aquilo?

“Ainda não sei, mas vou descobrir.”

“Vai?”, repetiu Pansy, nervosa.

“Vou... Eu vou matá-lo.”

Ela teve de se segurar para não desabar. Aquilo não podia ser verdade. Inacreditável.

“Vai o que?

“Vou destruir Voldemort.” A convicção a alarmou. Draco conspirava contra Voldemort. Draco se opunha a Voldemort. Draco queria matar Voldemort!

“Como?”

“Não sei.”

“Quando?”

“Não sei.”

“Está tentando se matar?”, ela soltou desesperada, alteando o tom de voz, antes que pudesse se deter. Era Draco, por Salazar!

Os olhos cinzentos faiscaram secos.

“Eu já estou morto.”

Pansy pareceu incapaz de prosseguir, incrédula. As palavras do louro apenas pareciam não fazer sentido enquanto atormentavam seus pensamentos. Blaise interferiu.

“Então... Você o destruirá.”

“Eu vou precisar desenhar?”, provocou Malfoy, ácido, “Sim, eu pretendo não só destruir Voldemort como Potter também.”

Blaise riu.

“Está ouvindo o que diz? Acabou de declarar guerra a todo o resto do mundo!”

O Malfoy achou o comentário audacioso, mas não desistiu.

“Não estou apenas ouvindo como tenho plena consciência do que pretendo fazer”, seus olhos se estreitaram perigosamente, “Lutarei contra os dois lados da guerra sozinho. Mas eu me vingarei.”

O amigo abrandou o riso, limitando-se a sorrir, mas já não debochava. Para horror de Pansy, Blaise se interessava.

“Certo, então, mas eu vou com você.”

Draco arregalou os olhos, surpreso, e entreabriu os lábios, mas por algum tempo nada disse. Nem sequer cogitara a possibilidade de levar alguém consigo. Por que não? Ainda assim... Aquela era a sua história.

“Você vem?”

Ele não podia obrigar ninguém a vir consigo. Não queria que lutassem por ele. Não precisava que lutassem por ele. Desejava se vingar com as próprias mãos, segundo seus esforços.

“Vou.”

O louro pareceu entender. De certa forma, fazia sentido, embora não pudesse pôr em palavras. Apenas fazia. Estavam juntos de novo. Uma última vez. Sentiu-se um pouco mais vivo em meio àquela sordidez. Instintivamente, miraram Pansy.

Ela rolou os olhos, indignada, e cruzou os braços, bufando.

“Está bem, mas que fique bem claro que o que pretendemos é burrice...”

Blaise a puxou para um beijo enquanto Draco tentava camuflar um meio sorriso. Estavam juntos de novo, sim, mas não era para ser feliz. Não era.

“Não há nada que nos reste, fugindo ou ficando”, o noivo dizia, abraçando-a, “Só adiávamos o inevitável. Tudo o que temos é o que acreditamos.”

“O que haverá para acreditar quando estivermos mortos?”

Mas eles ignoraram o seu comentário. Não havia tempo para pensar no irremediável.

“Vamos buscar o que é nosso. Mas primeiro...”, Draco fixou os olhos no relógio de pêndulo do escritório, indeciso, “Precisamos ver umas pessoas.”

“Que pessoas?” Pansy desconfiou.

“Velhos amigos... Que perderam tanto quanto nós.”

O Malfoy se aproximou de uma das janelas francesas e afastou a cortina vermelho-sangue, os olhos cinzentos buscando o horizonte. O sol já tomara o seu lugar no céu como de costume – apenas mais um dia em suas vidas.

O primeiro que mudaria o futuro e resgataria o passado. O seu passado, que se recusava a morrer. Mas era, principalmente, um recomeço. O fim viera e fora – agora a história se refazia. E ele seria o escritor. Hoje era o dia.

O primeiro dia do fim do mundo.

“Hoje é dia de vingança.”

Behind those eyes lies the truth and grief

(Atrás desses olhos encontra-se a verdade e a angústia)

Behind those beautiful smiles, I've seen tragedy

(Atrás desse belo sorriso, eu vi a tragédia)

The flawless skin hides the secrets within,

(A pele perfeita esconde os segredos por dentro,)

Silent forces that secretly ignite your sins

(Forças silenciosas que secretamente acendem seus pecados)


N/A: oficialmente, o primeiro capítulo mais longo que eu já escrevi. Como vocês puderam perceber, essa estória não é pequena, nem simples, o que me dará uma certa dor de cabeça pra deixar tudo do jeito que eu quero, mas adorarei escrevê-la e espero que mais pessoas me acompanhem durante essa fiction em mais uma trama louca. Ah, outra coisa: Blaise/Pansy, sim. Não será tão simples quanto parece (acho que fui bastante malvada com a Pansy nesse capítulo, não? Mas eu compenso em outro). Essa fiction tem muitos casais também e eu pretendo desenvolver, no mínimo, um capítulo para cada um deles. A lot of sugar for us! E, acima de tudo, essa fanfiction é sonserina (acho que deu para perceber...). Um brinde à nossa casa!
Agradecimentos especiais a Roxanne Rosier, Hawk e Tainara Black, escravos e beta-readers nas horas vagas.
Eu não posso colocar aqui trechos do próximo capítulo, mas já vou adiantar o nome dele para que a curiosidade de vocês queira me matar: Fantoches da Meia-Noite. O que será que nos aguarda? Beijos e comentem.

Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.