JULGAMENTO



CAPÍTULO 1 Aqueles foram inegavelmente dias sombrios. Eu tinha dezoito anos e não queria escolher um lado. A verdade era essa. Qualquer lado me parecia tolo. Eu não poderia simplesmente me apresentar a Dumbledore e aos membros da Ordem da Fênix, primeiro por não concordar com a mania deles de heroísmo, depois, porque os membros da Ordem ririam da minha cara. Quem confiaria em Draco Malfoy? “Naquele” Draco Malfoy? O outro lado, o lado das trevas, que durante tanto tempo me pareceu óbvio, naquele momento não fazia mais o menor sentido para mim.


Não, eu não achava justo sair matando e torturando trouxas e sangues-ruins. Não era um fanático como Nott ou Emilia Bullstrode, que estavam fora da Inglaterra como eu, mas ansiosos para tomar o seu lugar entre os Comensais da Morte. Já há algum tempo eu havia percebido que o lado do Lorde das Trevas era absolutamente insano. Eu não tinha coragem de me opor a ele, mas decididamente eu não queria combater nas suas fileiras.


Estava numa das inúmeras propriedades do meu pai, esta localizada na França, e Pansy Parkinson havia passado para me visitar. A amiga havia sido enviada, como muitos bruxos ingleses de famílias influentes, para o exterior, onde estudava numa universidade bruxa. Os seus pais eram adeptos discretos do partido das trevas, mas não queriam se comprometer enquanto não tivessem certeza daquele lado ser o vitorioso. Como muitos bruxos da classe alta, diga-se de passagem. Outros apenas mandaram seus filhos para o exterior a espera do chamado para ingressar no exército das trevas. Eram a reserva a ser usada eventualmente.


Eu, de minha parte, passava os dias vagabundeando pelos recantos trouxas e bruxos da cidade ou enchendo a cara. Sim, aquela parecia ser uma boa maneira de passar o tempo na França.


- Você não pretende combater nas fileiras do Lorde das Trevas? – perguntou Pansy.


: - Sinceramente, Pansy? – perguntei – Eu gostaria que todos eles fossem para o inferno.


- Você não pode estar falando sério – ela me disse indignada – Seu pai...


- Acredite, minha amiga – respondi de mau humor – Meu pai é o primeiro que eu gostaria que fosse para o inferno.


- Mas, Draco...


- Pansy, por favor! Você é uma garota esperta. Que mundo seria esse governado pelo Lorde das Trevas? Você já pensou nisso? Você quer viver nesse mundo?


- Um mundo livre de sangues-ruins e trouxas!


- É mesmo? Todos os trouxas serão mortos? E os nascidos trouxas? E quem viria a seguir? Os que discordassem do Lorde? Você não percebe a insanidade disso? Quer dizer que vamos matar todos os trouxas do mundo? Acorde, Pansy! Isso é impossível!


- Você prefere um mundo dominado por aqueles idiotas da Ordem da Fênix?


- Eles não querem dominar o mundo, você ainda não percebeu? Sim, eles são uns idiotas. Mas idiotas que querem levar a sua vidinha besta, confraternizando-se com trouxas e sangues-ruins. Isso incomoda você? Ótimo. Vá viver sua vida longe deles! Com a vitória da Ordem da Fênix o mundo teria alternativas. Que Deus, entretanto, nos ajude se aqueles lunáticos seguidores das trevas vencerem!
XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX


Meses se passaram e eu continuava com a minha vida inútil. As notícias que vinham da Inglaterra eram sombrias. Mortes, torturas, mas havia também a reação da Ordem da Fênix, sob a liderança de Dumbledore e do “Santo Potter”. Minha mãe havia me mandado uma boa soma de dinheiro trouxa e bruxo, que apesar dos meus gastos nada modestos, poderiam me sustentar ainda por várias vidas.


- As notícias não são boas, jovem Draco – falou sem cerimônia o homem de capa negra, pouco depois de ser trazido à minha presença por um elfo doméstico.


Minha cabeça ainda zunia um bocado pela farra da noite anterior. Com um gesto displicente dispensei a bela bruxa francesa que passara a noite comigo e de quem eu nem mesmo lembrava o nome.


Era estranho receber a visita de Severo Snape. Desde que fora desmascarado como espião da Ordem da Fênix ele evitava me procurar, apesar de ter sido amigo da minha família e quase que um segundo pai para mim. Certamente não me procurara, evitando me comprometer junto aos partidários do Lorde das Trevas. Se eu não estivesse ainda zonzo teria desconfiado mais rapidamente que só algo terrível colocaria o antigo professor de poções à minha frente naquele outono francês.


- Meu pai? Minha mãe? – perguntei em pânico, ficando instantaneamente sóbrio.


- Ambos. Infelizmente. – respondeu friamente Snape.


Corri até o banheiro mais próximo e pus para fora todo o estoque de vinho e champanhe que havia entornado no dia anterior. Nem me lembro como consegui chegar nos meus aposentos.


Horas mais tarde, tomando uma poção que Severo Snape havia preparado, mais ainda catatônico, eu finalmente pergunto:


- Foram os malditos da Ordem da Fênix, não é verdade?


Severo me encarou com os seus olhos escuros e frios.


- Você sabe que os membros da Ordem raramente matam - Potter não sealguém – ele me respondeu – Aliás, acho que isso é um grande defeito deles.


- Quem, Severo? – pergunto com um fio de voz – Quem os matou?


- Tudo indica que o próprio Lorde das Trevas. Havia uma tensão constante entre os seus subordinados. Lucio caiu em desgraça depois da tentativa frustrada de matar Potter usando uma traidora dentro da ordem.


- O Lorde... o matou?


- Você sabe que ele não tem amigos, Draco. Matando seu pai ele demonstra aos demais o quanto é impiedoso Ele matou também a sua mãe. Sinto muito.


O silêncio pairou sobre nós por algum tempo. Eu não sabia realmente o que fazer. Sentia-me perdido e vazio. Até aquele dia, de uma maneira demente eu achava que tudo voltaria a ser como antes. O que não significava necessariamente que seria o paraíso.


Não é porque Lucio está morto que eu direi que ele foi um pai exemplar. Ou que Narcisa foi uma mãe amorosa e dedicada. Na minha classe social os filhos são vistos apenas como herdeiros. Não duvido que meus pais me amassem, mas não me lembro deles terem demonstrado isso muitas vezes. Então Severo me surpreendeu:


- Sua mãe era minha informante entre os Comensais da Morte – ele anunciou simplesmente.


Como eu o olhava apalermado, o ex-professor esclareceu a questão antes que a dúvida começasse a se formar na minha mente.


- Não foi por isso que o Lorde a matou. Fui assegurado disso. Ele apenas achou que ela não era mais útil sem Lucio.


- Ela gostava de você, não é, Severo? – a pergunta pega o ex-espião da Ordem de surpresa. Que no caso de Snape dura apenas alguns segundos.


Sempre desconfiei que Narcisa nutria algum sentimento por Severo.


- Como um bom amigo, apenas – ele responde tranqüilamente – Ela amava mesmo aquele tolo do seu pai. Não foi por mim que sua mãe resolveu trair a causa do Lorde. Foi por você.


- Por mim?


- Escute, Draco.Sua mãe era uma aristocrata. E isso geralmente significa desprezo pelos trouxas ou nascidos trouxas. Mas ela não era uma fanática como a sua tia Bellatriz.


- Ou como meu pai.


- Ou como o seu pai.
XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX


Mais tarde, na verdade meses depois, mais calmo, ouvi de Severo Snape os planos de Narcisa Black Malfoy.


Minha mãe, como disse Severo, era uma aristocrata que desprezava trouxas, mestiços e “sangues ruins”. Mas era mimada e acomodada demais para participar de uma cruzada contra eles. Se não fosse por Lucio, provavelmente ela jamais iria aderir ao Lorde das Trevas.


Lucio, por outro lado, era quase tão fanático quanto a sua cunhada (irmã de Narcisa) Bellatriz Lestrange. Fanático, mas não tolo. Do tipo que não gosta de se arriscar pessoalmente, mas que adora usar outras pessoas para fazer o trabalho sujo. Desde a sua fuga de Azkaban, voltou a ser o principal planejador de Voldemort (preciso me acostumar a pronunciar e escrever esse nome!). Era ele que ardilosamente recrutava traidores, infiltrados no ministério e na imprensa e recompensava e punia em nome do Lorde.


O fracasso da emboscada contra Potter, contudo, que culminou com a prisão e morte de vários comensais, fez com que caísse em desgraça junto ao seu amo. Voldemort não admitia fracassos, não admitia contestações. E Lúcio era arrogante demais e independente demais para aceitar isso passivamente. Ninguém sabia direito dos detalhes. Apenas, um belo dia, Voldemort anunciou a morte dos Malfoys. E isso obteve o efeito desejado, pois se matava friamente as pessoas mais próximas a ele, ninguém estava seguro. Era a obediência obtida pelo terror absoluto.


Minha mãe, apesar da aparência de uma mulher fútil (que ela cultivava em benefício próprio), percebeu desde o início que os partidários das trevas não passavam de um bando de dementes ou oportunistas, liderados por um completo psicopata. Ela não era importante o suficiente para ser informada dos planos mais secretos dos Comensais, mas também não desconfiavam dela a ponto de esconder-lhe os mesmos planos. Sem falar naquelas informações que discretamente conseguia do marido. Por que ela fazia isso?


Não era por qualquer convicção pessoal, com certeza. Não tenho dúvidas que minha mãe apreciaria um mundo onde o poder do sangue e do nome fossem reconhecidos. Ela apenas sabia que aquele lado não tinha futuro. Como eu, ela sabia que a causa abraçada por Lucio em nome do Lorde das Trevas não tinha a menor chance. Acho que percebeu também que ela própria não tinha futuro.


Transferiu, nos últimos meses de vida, todo o patrimônio pessoal que tinha direito como herdeira dos Blcks, uma das mais ricas famílias bruxas da Europa, para mim. Exigiu que Severo intercedesse a meu favor se o lado das trevas fosse derrotado. Suponho que ela nunca acreditou seriamente numa vitória daqueles por quem seu marido combatia.


Ou seja, uma mulher esperta. Tentou abrir flancos nos dois campos. E, acima de tudo, tentou garantir a minha vida e o meu futuro. Pena que as ilustres autoridades do mundo mágico estivessem dispostas a colocara tudo a perder. 

XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX


Quinze dias depois de receber a notícia da morte dos meus pais, acompanhava no Profeta Diário as informações sobre a captura de Bellatriz Lestrange. Confesso que fiquei feliz em saber que minha adorável tia havia sido mutilada e tivera o rosto deformado por Harry Potter. A imprensa tratava Potter como o herói do mundo mágico e os feitos da Força Aérea eram cantados em prosa e verso. A reportagem do jornal dizia que só restava um esconderijo a ser descoberto. A fortaleza onde Voldemort estava escondido e de onde planejava seus ataques. A reportagem dizia ainda que descobrir essa fortaleza poderia significar o golpe mortal nos seguidores do Lorde das Trevas. Comecei a rir.


Um riso insano sacudiu meu corpo pelos minutos seguintes. A fortaleza do Lorde das Trevas! Acontece que eu sabia onde ficava essa fortaleza. Meu pai havia me contado dois anois antes. Da maneira como o Lorde tomara de uns bruxos mestiços um castelo no norte da Inglaterra. A maneira como ele eliminou aquela família de mestiços e sangues ruins. Uma propriedade que pertencera a Salazar Syltherin e o Lorde decidiu que era sua por direito. Tinha que ser esse o esconderijo! Talvez ela estivesse sob o feitiço Fidelius. Mas esse feitiço não funciona quando alguém sabe dizer exatamente onde e o que procurar. A Informação. A localização da fortaleza de Voldemort passaria para a história do mundo bruxo como “A Informação”.
XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX


Era um mês de novembro frio de doer os ossos. O tempo combinava com o meu humor. Eu havia sido intimado a comparecer a Londres para o meu julgamento. Poderia ter fugido. Apenas achei que uma fuga seria algo indigno de um Malfoy. E também não sabia se esse tipo de vida de fugitivo me interessava. O Grande Conselho Bruxo havia ignorado a palavra de Severo Snape e de Alvo Dumbledore me isentando de qualquer participação nas fileiras do Lorde das Trevas. Ignorara o fato da minha informação ter a ajudado o lado dfa luz a vencer a guerra.


O mesmo ministério, que foi tão covarde na hora de combater Voldemort, agora se mostrava implacável na condenação aos adeptos reais ou fictícios do Lorde das Trevas. Tudo para impressionar a opinião pública do mundo bruxo.


 - Potter não se deixará usar dessa forma, Draco – explicou o antigo mestre de poções – Ele é acima de tudo um rapaz honrado. Idiota, arrogante, mas honrado.


- Severo... – disse resignado – Eu passei sete anos incomodando Potter e seus amigos em Hogwarts. Você acha que ele perderia uma oportunidade de me colocar em Azkaban?


- Você sempre avaliou mal os seus adversários, Draco - respondeu Snape – Um defeito grave para um sonserino.


- Veja bem. Potter pode simplesmente dizer que ouviu alguém dizer que eu era um Comensal da Morte. O que provavelmente seria verdade e ele me colocaria para sempre em Azkaban. Suponho que Weasley vai depor também, não é mesmo?


- Weasley não conta – diz Snape friamente.


- Não?


- Eu, Alvo, M’Bea, Thomas, Granger, todos nós, demos declarações isentando você. Mas eles não ficaram satisfeitos. Eles sabem que você e Potter eram inimigos de escola e contam com o depoimento dele para trancafiar você para sempre e se apropriar do ouro da sua família. Quem iria duvidar da palavra do Eleito?


- Eu estou nas mãos do “Santo Potter” – resmunguei.


- Ainda bem que você está nas mãos do “Santo Potter” – me corrige Severo – Ele não dirá nada contra você. Simplesmente porque não há nada a ser dito. É simples assim.


- Veremos, Severo. Veremos. XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX


Se era para dar um espetáculo, eu o daria. Mas do meu jeito. Nos dias que antecederam o julgamento passei a fazer três refeições por dia, aceitei finalmente as poções revigorantes que Severo havia ministrado e suspendi todo o consumo de álcool. Na véspera do julgamento, olhando no espelho no meu quarto na Mansão Malfoy, achei que estava muito bem. Mas ainda assim achei que deveria comprar roupas novas. Mesmo indo para Azkaban, um Malfoy não se apresenta mal vestido.


Quando saí da loja de Madame Malkin, resolvi dar uma volta pelo Beco Diagonal. Poderia ser meu último passeio. Era tarde para fugir. Um feitiço de localização havia sido colocado em mim e o ministério me encontraria em segundos, ainda que eu fugisse para a Patagônia.


Apesar do frio, fazia um dia claro e bonito. Apreciei o movimento das pessoas e os raios do sol, que bem poderiam ser os últimos que eu usufruía em liberdade. Quando finalmente me pus a andar vi, saindo da livraria Floreios e Borrões, meu velho “amigo” Rony Weasley. Estava inegavelmente mais alto e parecia mais encorpado do que há um ano atrás, quando terminamos a escola. Estava de mãos dadas com uma moça bonita que carregava uma sacola de livros. Não pude deixar de me sentir chocado e surpreso. A garota bonita era Hermione Granger. A “sangue-ruim”. Elegante, com roupas bruxas casuais, os cabelos presos num rabo de cavalo displicente. Como se não ligasse para o fato de ser bonita.


Então ela estava com o “pobretão”, eu pensei. Sempre imaginei que ela gostasse do Potter. Weasley me viu primeiro do que a namorada. O olhar que o ruivo me lançou não foi aquele com o qual eu me acostumara a receber dele em Hogwarts, que era de raiva e talvez, uma ponta de inveja, pelo fato de me ver sempre andando com roupas novas e reluzentes, enquanto ele próprio usava apenas trapos usados. Não. Até porque agora estava com roupas trouxas novinhas em folha e estava muito bem vestido nelas, devo admitir.


O seu olhar mostrava, isso sim, um profundo desprezo. Como se estivesse na presença de alguma coisa particularmente repugnante. Ou seja, eu.


Levei anos para admitir para mim mesmo o quanto aquele olhar havia me abalado. Quando caminhava para longe do casal, sem conseguir emitir algum tipo de comentário sarcástico, pude ouvir Ronald Weasley dizer, tenho certeza de que alto o bastante para se fazer ouvir:


- Enquanto o Harry está naquele estado, esse janota está por aí passeando, como se fosse dono do mundo. XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX


O “estado” de Potter eu pude averiguar no dia seguinte, no julgamento. Acho que o que mais decepcionava e irritava as pessoas era o fato de que Draco Malfoy não estava ali para pedir perdão, para suplicar por clemência. Draco Malfoy estava bem vestido, parecendo bem alimentado e saudável. Enfim, acho que todos estavam decepcionados pelo fato de que Draco Malfoy continuava a ser Draco Malfoy. Respondi a todas as perguntas de maneira objetiva. Não, eu não era e nunca havia sido um Comensal da Morte. Não, eu nunca havia me juntado ao Lorde das Trevas ou o apoiado, mesmo que indiretamente. Não, eu não concordava com as crenças extremistas de meu pai e de minha tia Bellatriz Lestrange. Não, eu nunca havia conspirado contra o governo bruxo da Grã Bretanha ou contra qualquer outro governo bruxo de qualquer parte do mundo.


Quando foi anunciada a presença de Harry Potter na Sala de Audiências, eu compreendi a raiva de Ronald Weasley.


Tive dificuldade de reconhecer o jovem magérrimo que adentrou o recinto ministerial, amparado pelo melhor amigo e por Hermione Granger (que estava mais bonita ainda, com roupas bruxas de gala). Quando eu digo amparado não é uma força de expressão. O grandalhão ruivo praticamente o carregava. Toda a Sala de Audiência e mais os espectadores e membros da imprensa bruxa se levantaram e o aplaudiram. Inegavelmente ele era um herói. Um herói que estava destroçado fisicamente (e psicologicamente, eu descobriria depois) enquanto eu, o covarde fugitivo, me apresentava saudável e com as minhas mais caras vestes bruxas.


Meu pai dizia sempre que pouco importavam o heroísmo, a honra, a compaixão. Importa quem vence no final. Importa quem tem o poder. O estado de Harry Potter parecia dar razão às sábias e pérfidas palavras de Lucio Malfoy. Tudo aquilo para que? Eu imaginava que um sujeito como Potter não estivesse interessado no poder ou no prestígio. Tanto heroísmo para terminar desse jeito?


Uma coisa incômoda pesou no meu peito naquele momento. Harry Potter me mandaria, sem dúvida, para Azkaban. E eu mereceria estar em Azkaban. Estava preparado para isso e não sentiria nenhum ódio do herói do mundo mágico por me mandar para lá. Era o que eu faria se estivesse no lugar dele e ele no meu. Ninguém o acusaria de ser injusto. Nem mesmo eu o acusaria de injustiça. Mandar o filho de Lucio Malfoy para a prisão para sempre era o mínimo que ele poderia fazer naquele momento ao me ver tão saudável e bem vestido, enquanto ele próprio parecia saído de uma tumba. XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX


 


Primeiro eles interrogaram Rony Weasley. Não, decididamente ele não tinha mais onze anos de idade nem era mais aquele garoto desengonçado e inseguro, que fazia alegria dos sonserinos em Hogwarts. Sentou-se de maneira imponente, o corpo comprido ereto no banco das testemunhas. Quando falou, o fez de maneira segura e clara.


- Não, senhor, eu não acho que Draco Malfoy algum dia tenha sido um Comensal da Morte.


- O senhor é amigo ou teve qualquer relação de amizade com o Senhor Malfoy? – perguntou o funcionário do ministério


Weasley deu uma gargalhada. Surpresa, a maioria da audiência também riu. Depois de tomar fôlego, ele encarou o funcionário como se esse fosse um retardado. Provavelmente ele era.


- O senhor deve estar brincando... – disse o ruivo.


- Senhor Weasley, por favor responda a pergunta – advertiu Georgius Blackwell, recém nomeado Ministro da Magia, que presidia em pessoa o julgamento.


Eu deveria me sentir honrado em ter o ministro em pessoa presidindo o meu julgamento. Apenas casos muito sérios exigem a presença física da mais alta autoridade do mundo bruxo. Casos que garantam repercussão e possam passar à comunidade mágica a idéia de que o seu principal mandatário se preocupa com os cidadãos bruxos. Enfim, o circo completo.


- Não, senhor – respondeu finalmente Weasley.


- Mesmo assim o senhor atesta a sua inocência? – insistiu o burocrata.


- Acontece, senhor – e Weasley pronunciou aquele “senhor” deixando claro que não tinha nenhum apreço ou respeito por aquele que o interrogava – que eu acho Draco Malfoy um verme desprezível. Assim como todos aqueles que pensam como ele. Mas se começássemos a mandar as pessoas para Azkaban pelo fato de serem desprezíveis ou por possuírem idéias preconceituosas, bem, não haveria prisão grande o suficiente, não é mesmo?


De novo explodiram risadas na audiência. Weasley continuou dando ao funcionário do ministério o mesmo olhar “amistoso” que havia dirigido a mim no dia anterior. Mais tarde eu soube que o desprezo do ruivo era porque esse funcionário havia tentado suborná-lo dias antes, insinuando que um depoimento contra mim poderia abrir-lhe algumas portas no serviço público. Não era um mundo maravilhoso aquele?


Tive que admitir depois que foi a integridade daqueles grifinórios que eu sempre havia desprezado que me livraram da prisão. Se o depoimento do ruivo me surpreendeu, o que estava por vir marcaria para sempre a minha vida dali em diante e as escolhas que eu faria no decorrer dela. XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX


Primeiro foi o silêncio quase religioso, depois os aplausos. As pessoas ficaram de pé para aplaudir Harry Potter. O rapaz saudado como herói, entretanto, não parecia nem um pouco com um. Na verdade ele estava visivelmente doente, mal recuperado da sua luta contra Voldemort. Uma coisa eu percebi, contudo. Nós sonserinos normalmente somos bons observadores. Parte dos altos funcionários presentes aplaudiu o Eleito com visível má vontade. Na verdade julgavam o rapaz grande demais, por assim dizer. Qual governo gosta de conviver com um cidadão que tem mais credibilidade do que ele?


Com uma voz que não expressava de forma alguma os seus modos servis, o mesmo burocrata que interrogara Rony Weasley perguntou para o herói do mundo mágico:


- O senhor mantém algum laço de amizade com o Senhor Malfoy?


Risadas estouraram no recinto e as autoridades tiveram um trabalho danado para restaurar a ordem. Havia muitos contemporâneos meus e de Potter dos tempos de Hogwarts e aquela pergunta só poderia ser uma piada, na opinião desses. O próprio Harry achou graça da pergunta. Um sorriso tímido iluminou por um momento o seu rosto pálido.


- Não, senhor – ele respondeu, ainda sorrindo.


- O que o senhor pensa do Senhor Malfoy? – perguntou o funcionário.


Um novo sorriso foi dado por Potter à guisa de resposta.


- De repente o que eu penso é importante para vocês – disse, irônico – Pena que vocês não se preocuparam em saber o que eu pensava na época que Voldemort (e aqui houve um frenesi na audiência ao ouvir o nome do Lorde das Trevas) e seus comensais matavam e torturavam. Isso teria poupado muitas vidas, sabe?


Um silêncio constrangido baixou como uma névoa gelada na Sala de Audiências do ministério. Eu não podia acreditar. Harry Potter estava simplesmente atacando o governo bruxo.


- O Ministério da Magia do Reino Unido não está em julgamento nesse momento – disse finalmente o ministro Blackwell, acabando com o silêncio do ambiente – Eu gostaria que o Senhor Potter se limitasse a responder as perguntas.


“E eu gostaria que você caísse morto, seu covarde!”, gritou alguém da audiência, instaurando uma tremenda confusão, onde impropérios eram proferidos às autoridades e funcionários tentavam restaurar a ordem.


Potter ficou o tempo todo impassível no seu lugar. Acho que fui o primeiro a perceber quando ele começou a tremer de maneira descontolada. Primeiro eu achei que ele estivesse rindo de alguma coisa. Depois eu percebi que não era riso o que sacodia o seu corpo. Era simplesmente um tremor de doente. O que aconteceu a seguir ficaria marcado para sempre na minha mente, mesmo antes que eu pudesse compreender o seu significado.


De maneira totalmente insana eu pensei em correr para ajudá-lo. Alguém da audiência finalmente havia percebido o seu estado e gritou “Potter está tendo uma crise!”. Com uma agilidade que eu nunca suspeitei que possuísse, Hermione Granger saltou a pequena grade que separava a audiência do local onde a testemunha era interrogada e com poucos e rápidos passos estava em frente ao seu melhor amigo, fazendo-o beber um líquido esverdeado de um frasco que havia tirado das vestes. Quando um segurança do tribunal se aproximou da garota, para ajudá-la ou para repreendê-la, nunca se soube, foi empurrado por Rony Weasley que estava bem atrás da namorada.


- Talvez se chamássemos um curandeiro... – disse o funcionário que estava interrogando Harry.


- Eu sou a única curandeira que ele precisa no momento – falou Granger, com tanta autoridade, que imediatamente calou o burocrata.


Hermione ficou todo o curto tempo que durou a crise em volta do amigo. Depois de ter se certificado que Harry havia bebido todo o conteúdo do frasco que havia lhe dado, enxugou o suor do seu rosto com um lenço e passou carinhosamente a mão nos seus cabelos. E sorriu para ele. A doçura daquele gesto e daquele sorriso me feriram mais do que feriria uma sentença de prisão perpétua em Azkaban. Durante muito tempo eu me perguntei porque a imagem de Hermione Granger cuidando do Eleito havia me tocado tanto.


Passei muito tempo lembrando do olhar terno da garota, da sua postura decidida, do seu sorriso doce. A maneira pela qual ela e o ruivo haviam agido sem hesitação para ajudar o melhor amigo. Passados tantos anos, aquelas imagens ainda me abalam um pouco. Durante muito tempo não entendi o porque. Mas na verdade era bem óbvio.


Decididamente minha mãe se sacrificou por mim. Não tenho hoje a menor dúvida disso. E não há prova de amor maior do que essa, eu penso. Mas não me lembrava até então de ter recebido dela ou de qualquer pessoa um olhar como aquele que Hermione Granger dispensou a Harry Potter naquele dia.


Meu primeiro pensamento foi que Weasley era um idiota e que a sua namorada amava mesmo o Eleito. Mais tarde, entretanto, convivendo anos com aqueles grifinórios no time dos Cannons, vislumbrei aquele olhar outras vezes. Muitas vezes vindos da própria Hermione. Ele demonstrava amor, sem dúvida. Mas não um amor feito de luxúria ou de desejo.


É aquele amor incondicional que as mães destinam aos filhos queridos (embora eu nunca o tenha visto no semblante de Narcisa Malfoy), as irmãs aos irmãos mais amados e se o sujeito for um cara de sorte, talvez, apenas talvez, ele mereça esse olhar de uma amante. Mas alguns passarão a vida inteira sem recebê-lo.


Muitos podem imaginar que Harry Potter era um sujeito de sorte por receber esse tipo de olhar, que vi várias vezes no rosto de Hermione e mais tarde também no de Gina Weasley. Mas o “Potter Perfeito” não era apenas um cara de sorte, hoje eu sei. E vocês não imaginam o quanto foi difícil para mim admitir isso. Naquele dia longínquo de novembro, bem no meu íntimo, eu sabia que ele havia feito por merecer que uma jovem maravilhosa como Hermione Granger o olhasse daquela maneira.


Acreditem ou não, independentemente do meu destino naquele julgamento, comecei a achar que eu poderia ser uma pessoa melhor do que havia sido até então. E que me esforçaria para tanto. XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX


NOSSA! COMO DEU TRABALHO ESSE CAPÍTULO! EU SEI, EU SEI, VOCÊS QUERIAM SABER O QUE HARRY DIRIA SOBRE DRACO. MAS TERÃO QUE ESPERAR MAIS UM CAPÍTULO, QUE NÃO DEMORA... MUITO! ABRAÇOS! E AGUARDO REVIEWS!


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 

Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.