Você Existe, Eu Sei

Você Existe, Eu Sei



Ana estava contente da tia-avó ter conseguido vir visitá-la a tempo para a sua formatura, mas tinha que admitir que a mulher mais velha estava agindo de forma estranha.

Ambas estavam conversando na sala da casa dos tios de Ana, mas às vezes parecia que Agatha se dirigia a uma terceira pessoa. “Só se for o homem invisível”, pensou. Estavam sozinhas ali.

- Tia, a senhora está bem? – Perguntou, preocupada com o fato da mulher estar sorrindo, pela milionésima vez, para um canto vazio da sala.

- Ah, sim, querida. Só estava perdida nos meus próprios pensamentos. Por favor, continue.

A garota estava contando as novidades sobre a escola, amigos e vestibular. Fazia um bom tempo que não via a tia, e a adolescente despejava uma torrente de informações, empolgada, sobre seus planos. Quando, em meio à tagarelice juvenil sobre as desventuras que era que a vida de uma vestibulanda, ela mencionara Tony, o namorado da escola, Agatha pareceu subitamente constrangida. E, o mais estranho de tudo, olhou para aquele mesmo canto vazio com uma expressão penalizada e preocupada.

- Querida, não é esse o garoto que queria ser só seu amigo?

- Ah... – Agora Ana é quem estava sem jeito – Isso foi no primeiro ano, tia... Aconteceu tanta coisa no ano passado... – “Como, por exemplo, eu ter deixado de usar óculos e de me vestir como uma estudante de internato inglês”, pensou.

- De fato, muita coisa aconteceu no ano passado – Agatha concordou tão sombriamente que lhe deu a impressão que a tia estava falando sobre outro assunto.

Tio Antônio e tia Bianca chegaram neste momento, interrompendo as perguntas que iria fazer a tia Agatha. Eles tinham saído para cuidar dos últimos detalhes para a formatura de Ana, deixando a garota conversando com a tia-avó.

A garota silenciou-se, mas ignorou os tios. Ainda estava furiosa por eles não a terem deixado ir a uma festa que seus colegas estavam planejando para aquela noite. Uma espécie de confraternização dos formandos. Os tios alegaram que o lugar escolhido para a festa era justamente em um dos bairros mais perigosos da cidade. Só a deixariam ir se um de seus primos mais velhos, Nando ou Edu, a acompanhassem. Nem podia pensar em uma coisa dessas! Primeiro, era uma festa só para formandos; depois, ela não precisava de babás. A zoeira da turma, caso ela aparecesse com os dois “guarda-costas”, iria ser insuportável. As garotas é que iriam gostar, é claro, pois achavam seus primos bem interessantes...

Adiantou dizer que o Tony iria com ela? Não, nem um pouco. Seu tio falou algo irônico sobre o “roqueiro magricelo” ser imprestável para situações de emergência.

Bianca pediu para ela não levar para o lado pessoal, que Antônio implicava com os namorados de todas as suas filhas, mas também o apoiou na decisão de não deixar a sobrinha ir. Na raiva, ela quase gritou que não era filha dele, controlando-se a tempo. Os tios a criaram desde que seus pais tinham morrido em um acidente de avião, quando ela ainda era um bebê.

Ana tinha todo o “esquema” bem desenhado na sua cabeça. Era a primeira vez que decidia usar sua inteligência para mentir sobre algo assim para os tios, mas estava cansada de ser sempre a “pobrezinha da Ana”, que nunca conseguia “permissão” para ir aos lugares legais. Bem, pelo menos era o que o pessoal dizia, que eram legais, ela nunca tinha estado nos tais lugares.

O plano era ir e só contar depois que tivesse voltado para casa. Diria que era uma reunião de emergência da Comissão de Formatura. Quando eles vissem que ela tinha voltado inteira, quem sabe não perceberiam que não havia nada demais? Mas, para o seu azar, os tios tinham encontrado naquela manhã Márcia Herrera, a mãe de sua melhor amiga, Carolina (1). A mulher teve a infeliz idéia de comentar com eles que ainda não tinha dado a resposta para a filha, e estava pensando seriamente em proibi-la de ir a tal festa.

Descobriram tudo e, furiosos por não terem sido informados da verdade (era assim que ela preferia chamar, ao invés de “mentira”, como os tios disseram), eles a haviam proibido de sair.

Agatha estava presente e se mantivera diplomaticamente calada. Concordava com os tios de Ana, mas não falou nada por duas razões: primeiro, se intrometer na educação da sobrinha, mesmo que fosse para concordar, era o mesmo que declarar guerra a Bianca. Segundo, isso iria indispor a garota contra ela e não estava podendo lidar com mágoa juvenil quando tinha que se preocupar com o visitante incógne que trouxera consigo.

Achando que era hora de ir, se despediu da sobrinha. Antônio perguntou, amigavelmente, se ela não queria ficar na casa deles; sendo apoiado, ainda que relutantemente, por Bianca. Ela agradeceu, mas recusou a oferta. Seria impossível ficar na casa deles com aquele... “Visitante”.

Há tanto tempo venho procurando
Venho te chamando
Você existe, eu sei
Em algum lugar do mundo você vive
Vive como eu
Onde eu ainda não fui


Ana se despediu a abraçando afetuosamente:

- Então, eu vou para o meu quarto estudar. – Sorriu uma última vez para tia, e passou por Antônio e Bianca como um furacão, sem olhá-los: - Afinal, parece que é a única coisa que eu posso fazer!

O barulho da porta do quarto de Ana se fechando estrondosamente foi ouvido, e Agatha achou melhor se despedir dos adultos e ir embora. Antônio e Bianca estranharam ela ficar parada ao lado da porta aberta da rua, olhando disfarçadamente ao redor como se esperasse que alguém passasse. Quando percebeu que estava sendo o centro das atenções, respirou fundo, sorriu e saiu.

- Ela sempre foi meio esquisita, não é? – Antônio comentou com a esposa, que acenou com a cabeça afirmativamente.

Na rua, Agatha não pôde evitar rir baixinho:

- A menina tem temperamento difícil, não é, Carlinhos? – Esperou a resposta por alguns segundos e, quando ela não veio, o sorriso sumiu: - Carlinhos? – Olhou ao redor, até que seus olhos pousaram na janela do quarto da sobrinha – Ah, não! – Murmurou – Ele não pode estar onde eu estou pensando que está, pode?

***

“Que enrascada!”, Carlinhos pensou. Não tinha resistido a chegar mais perto de Ana e, protegido pela Capa de Invisibilidade de Harry, caminhara silenciosamente para o início do corredor, de frente para ela.

Nunca imaginou que Ana caminharia, de repente, para aquela direção, e tão depressa que não lhe deixou outra alternativa a não ser ir recuando, de costas, enquanto ela avançava. Afinal, estava invisível, mas não era um fantasma que poderia ser atravessado.

Quando se deu conta, estava no meio de um quarto evidentemente feminino, e Ana entrou nele em seguida, fechando a porta atrás de si. “Sem saída”, pensou. Também não podia atravessar paredes. E aparatar estava fora de cogitação, pois faria barulho e teria que deixar a Capa de Invisibilidade para trás. Tudo o que podia fazer era esperar até que ela ou alguém abrisse a porta.

Observou Ana caminhar até uma escrivaninha, abrir um livro e, após alguns instantes lendo-o, começar a escrever em um caderno. O semblante dela aos poucos foi passando de bravo para concentrado.

Enquanto resolvia o problema de física – ou tentava resolver - Ana tinha a sensação de não estar sozinha. É claro que se convenceu que era tudo fruto da sua mente, que providenciara até mesmo a impressão de estar sentindo um perfume masculino (e muito agradável, por sinal). Após alguns segundos, acabou simplesmente se deixando ficar ali, com aquela sensação reconfortante e agradável.

Como é o seu rosto?
Qual é o gosto que eu nunca senti?
Qual é o seu telefone?
Qual é o nome que eu nunca chamei?


Carlinhos não tinha entendido muito da conversa com os tios dela – seu português era tão escasso ainda! Apenas compreendera que havia uma festa, em um lugar perigoso, e que os tios dela não a deixaram ir. Se entendera direito mesmo, não podia deixar de concordar com eles. Principalmente quando soube que o tal namorado dela estaria lá.

Fitou o rosto concentrado da garota, sentindo a ternura tomar conta de si. Ela era tão doce... “Com o mesmo arzinho impertinente que havia na Ana adulta, é verdade”, pensou com uma pontada de divertimento. Mas ainda assim, tão meiga...

Antes de ceder ao impulso de abraçá-la e beijá-la (Mérlin, ela nem tinha dezoito anos ainda, sentia-se um pervertido!), se afastou cuidadosamente, observando o quarto com uma mistura de excitação e culpa.

Era um cômodo simples, mas arrumado de forma a dar o mínimo de conforto. Uma cama com um criado-mudo ao lado, um roupeiro, uma cômoda com várias gavetas e mais um móvel com alguns aparelhos cheios de luzinhas e botões que ele não soube identificar. Também havia algumas prateleiras com bonecas, ursinhos de pelúcia, porta-retratos e livros – muitos livros. As beiradas das prateleiras tinham folhas de papel coladas, como em um varal, de forma a mostrar vários símbolos com letras e sinais matemáticos que lhe lembravam vagamente dos cálculos que fazia nas aulas de Astronomia, em Hogwarts.

Ana resmungou alguma coisa que parecia um lamento impaciente, e depois ficou olhando de um daqueles papeizinhos nas prateleiras para o caderno várias vezes, com expressão de desgosto. Verificou algo nas últimas folhas do livro e exclamou, exasperada:

- Como assim, a resposta é quatro?

Aquilo, Carlinhos tinha entendido. E teve que se controlar ao máximo para não rir. Como queria abraçá-la agora!

Ana pensava por que raios a universidade queria saber dos conhecimentos dela sobre eletromagnética. Queria entrar para a faculdade de Direito, e não para a NASA!

Estava apagando o cálculo para refazê-lo – “Até que dê quatro!”, pensava indignada – Quando as vozes exaltadas de crianças e a visão de uma pipa se enroscando em sua janela chamaram sua atenção. “Vizinhos!”. Pôs a cabeça para fora da janela, por pouco não se enrolando em barbante e fitinhas coloridas.

- Ana! – Gritava um dos meninos – Solta a nossa pipa!

- Mas... – Estava irritada – O que é que vocês estão fazendo soltando pipa tão perto de fios elétricos? – Apontou para os postes da rua – Tá, eu vou soltar, mas só se prometerem ir brincar lá no campinho, onde não tem fios. “E é longe da minha janela”, acrescentou mentalmente.

Os garotos pularam e gritaram ao mesmo tempo, prometendo. Ana, então, esticou-se tentando alcançar o brinquedo, que tinha se enroscado no vão entre a madeira e o vidro da janela. Como não conseguiu, sentou no parapeito, pondo metade do corpo para fora, as pernas para dentro do quarto. Estava justamente pensando que era uma maluca, que precisava aprender a ser menos coração-mole com crianças, quando tudo aconteceu.

A mão que se segurava no vidro escorregou quando ela tentou se esticar mais um pouco. Sentiu o tronco caindo, enquanto as pernas tentavam achar um apoio. Naqueles poucos segundos, tudo que conseguiu pensar era que a lei da gravidade faria seu trabalho e ela acabaria lá em baixo. “Não!”, a palavra estava presa em sua boca.

“Não!”, Carlinhos quase gritou.

Carlinhos percebeu imediatamente que o que ela estava fazendo não era uma boa idéia e quase fizera um feitiço para soltar o objeto que ela tentava alcançar. Mas ele acabaria ricocheteando no vidro, inutilmente. Então, aproximou-se mais, atento a cada movimento que ela fazia.

Quando as mãos dela escorregaram, não pensou duas vezes antes de agarrar os pés de Ana com as próprias mãos, ainda cobertas com a Capa de Invisibilidade, emburrando-os para baixo por não mais que dois segundos. Ela conseguiu se segurar novamente no vidro e passar a cabeça para dentro do quarto, ofegante.

Ana permaneceu sentada na janela, respirando ruidosamente por causa do susto, os olhos arregalados fixos nele. “Ela está me vendo!”, pensava Carlinhos. Ele próprio respirava com dificuldade, ajoelhado no chão, de frente para ela, incapaz de desviar o olhar ou de emitir uma única palavra. Será que ela gritaria de medo? Será que fugiria?

Mas Ana não fez nada disso. Após alguns segundos, ela olhou de um lado para o outro do quarto, como se estivesse procurando algo. Estava apreensiva, mas não com medo. Foi então que Carlinhos entendeu que ainda estava invisível. Ana estava olhando para algum ponto atravéss dele, e não para ele. Com o susto, ele nem mesmo tinha se lembrado que ainda estava com a capa o cobrindo.

Engoliu em seco, e se afastou com o máximo de cuidado, sentindo um misto de alívio e decepção. Ana não deveria vê-lo. E, se realmente a amasse, não permitiria que isso acontecesse. Mas não conseguiu deixar de se sentir frustrado. Queria tanto aparecer na frente dela e se apresentar e, quem sabe, quando ela o conhecesse bem, diria o quanto a amava...

Se eu esbarrei na rua com você
E não te vi meu amor
Como poderia saber?
Tanta gente eu conheci
Não me encontrei só me perdi
Amo o que eu não sei de você


Ana tinha quase certeza de ter sentido mãos se fechando em seus tornozelos e os puxando para baixo. Dois segundos, não mais que isso. Mas sentira. No entanto, o quarto estava vazio, a despeito da sua sensação de não estar sozinha ter aumentado. Parecia que estava trocando energias com outra pessoa e a experiência era... Excitante.

“Adrenalina, somada aos filmes de ficção científica que ando assistindo”, pensou sacudindo a cabeça. “Como eu sou ridícula!”.

- Ana, o que está acontecendo? – Era a voz de tia Agatha do outro lado da porta.

Ela correu para abrir a porta, ainda atordoada. Por que aquelas idéias malucas sempre passavam pela cabeça dela? Por que não achava estranhas certas coisas que via ou sentia, mesmo que sua cabeça lhe dissesse que eram absurdas?

- Tia? Pensei que tivesse ido embora.

- Ah... – Agatha hesitou – Um chamado urgente da natureza, sabe como é – riu.

Na realidade, Agatha usara a desculpa para procurar Carlinhos pela casa. Mas como ele não estava em nenhum outro lugar... Quando pegasse aquele rapaz! O que ele pensava que estava fazendo no quarto se sua sobrinha? Os homens são todos iguais mesmo: você dá a mão e eles vão logo pegando o braço todo!

Após um baque surdo, a pipa se desprendeu sozinha, levada pelo vento. As crianças soltaram vivas lá em baixo, enquanto Ana resmungava:

- Perfeito! Agora é que isso acontece!

Carlinhos tinha achado melhor acabar com o perigo que representava aquela pipa. Agora que Ana estava afastada da janela, podia se aproximar e lançar um feitiço “mobiarmus” para soltar o objeto. Foi perfeito, porque parecia que tinha sido o vento que o soltou.

Ana disse para a tia, em tom desaprovador:

- Acredita que aqueles garotos estavam soltando pipa perto dos fios elétricos? Eles se reúnem em grupinhos e acham que só porque estão em turma nada vai acontecer...

Interrompendo-se bruscamente, Ana fez uma expressão de quem tinha sido fulminada por uma idéia. Então, pediu licença para a tia, um fio de voz, e foi até o corredor, de onde gritou:

- Tio? Tia?

- Sim, querida? – Bianca respondeu.

- Eu... Estava errada. Sobre a festa. Me desculpem.

Após alguns segundos de silêncio surpreso, Antônio respondeu devagar:

- Tudo bem...

Ana voltou para dentro do quarto, onde perguntou, sorridente:

- A senhora queria falar comigo, tia Agatha?

***

Ana ouvia aliviada, pelo telefone, que Carol também tinha recebido um grande e redondo “não” dos pais a respeito da festa daquela noite. Sentia-se um tanto culpada por gostar em saber disso, é claro, mas pelo menos não seria a única a não ir porque não tivera “permissão”. Ter este tipo de problema era muito embaraçoso, especialmente na idade que elas tinham atingido.

- Pois é, menina, dá para acreditar? – Ela ao menos se deu ao trabalho de pôr solidariedade na voz, uma vez que o fato de não ir já não a incomodava tanto.

Seus pensamentos estavam no estranho episódio daquele dia. Podia jurar que algo a puxara para dentro do quarto, impedindo-a de cair. Ou “alguém”, porque tivera a nítida sensação que fora tocada por mãos... E mãos fortes! Será que estava tão pirada com o vestibular que estava tendo alucinações táteis?

Agatha entrara no quarto em seguida, e acabara deixando para pensar no... Como chamaria o que tinha acontecido? Mistério? Nem mesmo tinha certeza do que havia... Na realidade, estava mais para coisa da sua cabeça, mesmo. Devia ter batido com os tornozelos em algo e nem notou... Franziu o cenho. Não... Foram mãos!

A tia havia lhe dado um livro de presente de formatura. Já havia ouvido falar nele, parecia que estava fazendo um grande sucesso na Inglaterra e nos Estados Unidos: “Harry Potter and The Philosopher´s Stone”. E tinha a uma seqüência, já. Deixou escapar o comentário (que ela não pretendia que fosse rude, é claro) sobre ser um livro infantil. Então, Agatha sorrira e lhe dissera que “às vezes, certas coisas devem ser ditas primeiro às crianças, porque, entre todas as pessoas do mundo, elas são as mais capazes de compreender”.

Se a frase já era esquisita por si só, ficou ainda mais quando comentou algo sobre como era difícil conseguir autorização do Ministério para por a mão nestes livros.

Morrendo de curiosidade, acabara esquecendo a Física e tinha terminado de ler o primeiro capítulo quando Carol ligou. Que coisas fascinantes! Adorou o personagem principal, o Harry, e tinha vontade de “botá-lo debaixo das asas” protetoramente. Ele era tão fofinho! E havia uma tal de Professora McGonagall que podia se transformar em um gato! Não pôde deixar de ligar o livro com o seu “salvador invisível”. E se magia existisse? E se alguém pudesse se disfarçar de cômoda ou cadeira?

“Um protetor misterioso”, suspirou romanticamente. Aquilo a fazia se sentir tão... Especial!

- Carol... Mudando o assunto de saco para mala... Você acredita que todo mundo tem alguém destinado para si? Uma alma gêmea?

- Espero que não esteja falando daquele palito que você chama de namorado – a amiga comentou sem estranhar a mudança brusca de assunto, porque era comum entre elas este jeito de conversar – Ele parece o Salsicha, do Scooby-Doo! Ainda mais com aquele cavanhaque!

- Não parece não! – Protestou, divertida – O Salsicha é ruivo – riu. Ana não entendeu porque, de repente, aquela cor de cabelo lhe pareceu tão bonita. – O que você tem contra o Tony?

- Nada... Olhe, até que eu o acho um cara legal. Inteligente, gosta de tocar músicas do “Legião Urbana” para você no violão, esses lances bonitinhos, mas... Você realmente gosta dele?

- Claro que sim! – Ana não sabia por que a incomodou tanto pensar nisso – Por quê?

- Porque... Ah, vou falar! Você sempre foi uma garota legal. Insuportavelmente certinha, mas legal, amiga, inteligente. Por que ele só olhou para você no ano passado, quando você mudou o visual? Acho que merece coisa melhor, Ana. Desculpe se te ofendo, esquece isso se quiser, tá? Mas, sinceramente: você se imagina passando o resto da sua vida com ele?

- Pelo amor de Deus, Carol! Eu nem fiz dezoito anos! Nem quero pensar em um cara desse modo por enquanto.

- Então, por que todo esse papo de “alma gêmea”? – Debochou.

Ana não sabia o quê responder. Só... Céus, aquele perfume masculino ainda estava em seu quarto, embora a sensação de estar acompanhada tivesse sumido. Não conseguia parar de pensar... Por que sentir um perfume a perturbava mais do qualquer beijo que Tony tivesse lhe dado?

Como é o seu rosto?
Qual é o gosto que eu nunca senti?
Qual é o seu telefone?
Qual é o nome que eu nunca chamei


Anos mais tarde, ao sentir este mesmo perfume, Ana não se lembraria que não era a primeira vez que ele mexia com seus sentidos. Mas então, estaria ocupada usando os outros quatro, conhecendo cada detalhe do dono dele.

Do outro lado da linha, alguém com sotaque castelhano chamou Carol. Os pais da amiga eram argentinos. Em breve, ela iria se mudar para a Bahia, estado para o qual o pai dela tinha sido transferido. Ele trabalhava em uma multinacional e iria para uma filial que tinha sido aberta recentemente. Carolina era sua amiga desde o jardim de infância. Antes, era sempre Ana que estava partindo e voltando por causa do tio militar; ou então, porque fora estudar fora do país, quando tinha ido morar com tia Agatha. Só que agora ela ficaria e Carol iria embora. Ambas pretendiam fazer Direito, só que em universidades diferentes. Sentiria falta dela.

As amigas se despediram, dizendo que se veriam na formatura, no dia seguinte. Havia tanto o que fazer ainda!

***

No dia seguinte, já era tarde da noite quando Carlinhos entrou no quarto de Ana. Com o mínimo de magia possível, para não ser detectado pelo Ministério da Magia do Brasil, e com muito cuidado. Não poderia ficar muito tempo também.

Se Agatha sequer sonhasse que ele estava ali, àquela hora, zelando pelo sono da sobrinha dela, nunca mais o ajudaria. Gastara muito tempo tentando explicar que o que acontecera no dia anterior não fora sua culpa. Claro, no final, ter impedido que Ana caísse da janela contara pontos a seu favor. Mas precisava vê-la uma última vez antes de ir embora.

Sentira tanto orgulho dela naquela noite! A garota estava linda e ele sentiu que tanto alunos quanto professores bateram palmas mais forte quando seu nome foi chamado. Mesmo em um canto afastado, tinha a clara impressão que Ana se destacava dos demais, como se tivesse brilho próprio. Ou será que eram seus olhos apaixonados que o faziam ver coisas?

Aqueles dois dias tinham sido um bálsamo para as feridas de sua saudade. E, ao mesmo tempo, uma tortura. Viu Ana dançar com um garoto magricela e totalmente sem graça. Certamente, era o namorado. O que ela vira nele?

“Calma, Carlinhos!”, dizia para si mesmo. “Ainda não é a sua Ana. Mas ela vai voltar para você”. Sorriu ao lembrar como ela parecia pressentir sua presença no baile. Teve, inclusive, que lançar feitiços de confusão nela. “Você sabe que estou aqui, não é?”, pensava enquanto a fitava a face adormecida dela com ternura. “Pode ainda não ter seus poderes, mas já é uma bruxa. Enfeitiçando a todos por onde passa. Minha bruxinha...”.

Sei que você pode estar me ouvindo
Ou até pode estar dormindo
Do acaso eu não sei
Talvez veja o futuro em seus olhos
Pelo seu jeito de me olhar,
Como reconhecerei você?


Inclinou-se sobre ela, sabendo que estava se arriscando demais. Mas não conseguiu controlar o impulso de sussurrar-lhe ao ouvido: “Eu te amo”.

Emocionado, observou ela suspirar e sorrir. Lutou por alguns segundos contra o desejo de mover os lábios e roçar levemente os lábios contra os dela. A distância era tão pouca... Não! Tinha se arriscado muito. Além disso, aquela visita já estava nos limites do que Agatha chamava de “aproveitar-se”. Tinha que ir embora.

Partiu, prometendo a si mesmo que não voltaria a se arriscar tanto, que de agora em diante se contentaria a esperá-la... Promessa que quebrou várias vezes nos anos seguintes.

Ana abriu os olhos, ainda inebriada com o sonho maravilhoso que tivera. Sonhara com um homem sem rosto, que lhe dizia coisas maravilhosas e a fazia se sentir amada. E, no sonho, havia um filhote de dragão com ele, chamado Norberto! Olhou, um tanto decepcionada, para o livro que estava lendo, pensando que ele certamente influenciara o seu sonho. Mas, quando voltou a dormir, tinha a certeza inabalável que havia alguém esperando por ela.

FIM!!!


***
Notas
****

(1) Carolina é a mesma amiga de Ana que aparece no começo de “Harry Potter e o Segredo de Sonserina”. É uma das amigas de Ana, naquele bar. Elas se encontraram anos depois, e foi Carol quem convenceu Ana a fazer o concurso para a ABIN, junto com ela. Em “Harry Potter e o Segredo de Corvinal”, ela também aparece para o casamento.

(2) “Você Existe, Eu Sei”. Música do “Biquíni Cavadão”. Tive sorte de achar duas músicas tão perfeitas para este momento dos personagens (e, por coincidência, da mesma banda), que não resisti em escrever esta short fic.

(N/A): Gente, é uma fic curtinha, só mesmo para distrair um pouco. Esperam que tenham gostado.

Para quem ainda não conhece as outras, e gostaria de conhecer, os endereços na Floreios & Borrões são:

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Beijinhos e... Comentem!!! (hehehe).

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