Taverna Dois Dragões



Capítulo 7
Taverna Dois Dragões


Godric entrou na taverna e tirou seu longo casaco de couro de viagem. Suas vestes adornadas de floreios em ouro revelavam sua ascendência nobre, o que lhe granjeou atendimento pressuroso por parte do dono do lugar. Sentou a uma mesa no canto, afastada do burburinho dos homens e protegido de olhares curiosos. Sua presença era suficiente para criar interrogações mesmo nos mais distraídos, pois seu porte não podia ser ignorado.

Pediu vinho e informações, que o taverneiro apressou-se a lhe fornecer em grande quantidade. Soube que Salazar vinha sempre ao bar, acompanhado de outros homens vestidos de forma estranha, mouros e tipos ainda mais esquisitos. “Longas vestes, o Milorde sabe”. Ao dizer isso o homem não pode evitar de rodar os olhos numa tentativa de não dirigir seu olhar para as roupas de Griffindor, enquanto torcia um pano não muito limpo nas mãos. Soube que estivera conversando longamente com um jovem, um dos que participara das justas daquela tarde, “um tal de Richard LeFort, que é apontado como um herói por participar da campanha de Guilherme o Conquistador, o Duque da Normandia, e ter-lhe salvo a vida mais de uma vez.”. Soube que não havia muito tempo que Salazar freqüentava o lugar e que “más-línguas” afirmavam que ele estivera envolvido com “artes negras, coisa degradante e perigosa”. O homem torceu-se mais um pouco dito isso, e estremeceu visivelmente, como a afastar um mau-agouro ou pulgas.

Soube também que o vinho era excelente, da mesma fonte que servia o grande Guilherme.

E enquanto admirava o largo e desdentado sorriso que lhe ofereceu o taverneiro, Godric passou às mãos do homem algumas moedas de prata pelo vinho e pelas notícias. Ainda teve de tolerar mais assustadores sorrisos e espalhafatosos agradecimentos antes de ser deixado quieto, à espera de seu objetivo.

Não teve de esperar muito, Salazar não tardava a entrar na taverna, acompanhado de um rapaz louro que Godric reconheceu como sendo o jovem LeFort, ou Fortescue, como agora era conhecido. Acomodaram-se numa mesa mais ao fundo, de costas para onde se encontrava Godric que, no entanto, não teve dificuldades em acompanhar a conversa que travavam. Disfarçadamente, girou sua varinha e passou a ouvir as vozes dos dois homens como se estivessem sentados ao seu lado.

– Não vejo o propósito dessa jornada, senhor – dizia o jovem.– Não sou um cavaleiro em busca de relíquias sagradas, sou um soldado e como tal tenho meu dever aqui mesmo, junto ao meu Senhor Guilherme. Minha companhia não lhe será de nenhuma ajuda, lhe afirmo.
– É muito mais que uma busca por sagrados objetos, meu jovem amigo. É uma jornada para o futuro da Bretanha! Mesmo vosso Senhor não será rei para sempre. E depois? Ousais afirmar que outras dezenas de anos não serão consumidas em disputas sangrentas pelo domínio? Tens agora a oportunidade de silenciar essas guerras sem sentido para sempre exatamente através do poder desse objeto mágico que vos convido a buscar. É por vossas mãos que tantos de nossos compatriotas terão poupadas suas vidas e as de suas famílias. Negais até mesmo o bem que isso representa?
– Não nego que seja a paz um bem para todos, mesmo para um soldado. Não é de guerra que me alimento, Senhor, mas de esperança na paz vindoura. No entanto não vejo como essa relíquia poderia salvar-nos do destino de lutar pelo que almejamos. Não conheço outro caminho que não o esforço e o trabalho que exigem nossas conquistas, se as esperamos sejam duradouras.
– Não só dessa relíquia que vos falo, mas de outra também. Ambas podem nos trazer o poder de findar a guerra e garantir paz e prosperidade ao nosso povo por muitas eras.
– Vos me tomais erradamente, senhor Slytherin – disse o jovem com a voz um pouco alterada.– Não é poder que ambiciono mas servir, não almejo ser seguido mas seguir a justiça onde ela se encontre. Não pretendo isolar-me em altos postos isto sim compartilhar com meus companheiros a vitória e o bem que dela advenha.

Slytherin olhou para o rapaz com amargor e afastou-se um pouco.

– Talvez tenha mesmo me enganado, senhor. Pensei fosseis vós um lutador e um patriota. Se o fosse compreenderia que o que vos ofereço e a nenhum outro é a inigualável oportunidade de trazer a paz definitiva e poupar sofrimento àqueles que amamos.

Dito isso, ergueu-se de súbito, recolheu sua capa do encosto da cadeira e voltou-se para sair, deixando o outro surpreso mas visivelmente aliviado. Percorreu pouca distância em direção à porta quando deu com os olhos em Godric, sentado no canto próximo. Estancou e por um momento hesitou, encarando o antigo amigo fixamente. Depois caminhou lentamente até a mesa de Griffindor.

– É uma grande surpresa encontrá-lo aqui, Godric.
– Uma surpresa, estou certo; se bem-vinda, não saberia dizer. – respondeu Godric, com contida ironia.

Slytherin sorriu erguendo um tanto o canto da boca e seus olhos brilharam.

– Ora meu amigo, como não seria uma grata surpresa? Afinal tantos anos são passados... – retrucou, não demonstrando se o que dizia era verdadeiro ou não.

Godric convidou-o a sentar-se com ele e beber o vinho fidedigno que lhe oferecera o dono da estalagem, o que Salazar aceitou.

– Então, Salazar. Não mudaste de idéia quanto aos rumos da Bretanha?
Salazar recolheu o sorriso e olhou duramente para o amigo.
– Andaste escutando o que não devias, não é mesmo? Ainda tens de aprender essa lição, meu amigo. Os assuntos dos outros não são seus.
– Posso estar enganado e ter perdido completamente meus bons modos, mas creio que o que pretendes não resultará em boa coisa.
– Julgas precipitadamente, já que desconheces os meus motivos tanto quanto desconheces tudo que não gira à tua volta, bom Griffindor.

Nesse momento, seus olhos lançavam chamas em direção a Godric, não deixando dúvidas quanto ao rancor que Salazar nutria por pelo antigo companheiro.

– Se não tivesses te escondido nas barras das saias de Merlin, hoje a Bretanha seria dos bruxos e não essa anarquia de reizinhos que se sucedem sem levar adiante nenhuma empresa perene, engalfinhados em disputas mesquinhas e facciosas, imersos em sua ignorância do mundo e de como as coisas são. Sequer nos reconhecem! Nada somos senão uma lenda a esvaecer cada vez mais rapidamente, sob os auspícios de papistas e sacerdotes a proclamar dogmas sem sentido. O mundo poderia ser mágico se você, Griffindor, não tivesse negado essa chance a bruxidade. Mas você escolheu recolher a comunidade bruxa na obliviedade e rastejar como ratos na escuridão da noite e das sarjetas em lugar de alçar para nós grandes realizações. E como poderíamos ser grandes! Você nunca pensou nisso, em todo o bem que poderíamos fazer por esta nossa terra. Você pensou apenas em seguir Artur, o Magnífico até o esquecimento nas brumas. Você se deixou abater com a morte daquele rei –e ele era apenas outro rei–, a ponto de preferir a derrota e o esconderijo a atrever-se a fazer grandes mudanças. Jamais o perdoarei pela traição, Griffindor, pois ela não foi feita a mim, mas ao nosso povo.

Godric sentia a face arder de indignação pelo que lhe dizia Slytherin, mas não ousava deixar-se levar pela cólera. Ainda não obtivera a informação que pretendia.

– Então, como você se sentiu traído, voltou-se para o maligno – retrucou Griffindor.
– Maligno? – riu-se Slytherin – E que pode ser mais maligno que submergir na impotência? Você não sabe do que fala, Godric, nunca experimentou seus limites. Não ousou além do seguro, do correto, do afável. Devia permanecer à sala de seu castelo, bebericando chá com as senhoras.
– Do modo como falas parece que nunca convivemos e que você nada sabe de mim. Houve um tempo em que você me considerava e admirava minhas atitudes conseqüentes.
– Sim, é verdade, houve mesmo um tempo que assim era. Mas eu cresci, Griffindor, e abracei meus temores com a mesma paixão com que você abraçou Arthur e Camelot.
– Arthur era nossa salvação.
– Mas Arthur está morto. E seu reino e seus valores. Todos aqueles sonhos estão mortos. Você acordará um dia, Griffindor, e verá o que você deixou escapar das mãos.

Griffindor lançou um triste olhar ao seu companheiro.

– Olho para você agora, meu amigo, e vejo como seu rosto envelheceu. Sinto sua alma transpassada por terríveis atrocidades e nem me aventuro a imaginar os meios pelos quais conseguiu tal façanha. Julgava que você fosse inquebrável, Salazar, mas as coisas que você tem feito e os lugares pelos quais tem andado nenhum bruxo teve a desfaçatez.
– Arrisquei ir além do que nos foi ensinado, apenas isso.– Salazar olhou desafiadoramente para Godric. – O que vi e o que experimentei você nunca terá o mais leve conhecimento.

Godric teve a impressão de ter percebido um lampejo de terror nos olhos de Slytherin, mas foi muito fugaz para ter certeza.

– Há alturas que são inacessíveis aos fracos. – completou Slytherin.

Godric deixou-se ficar enquanto Salazar se levantava para seguir seu caminho. Enquanto o outro saia, Godric murmurou para si mesmo, tristemente:

– Quanto mais para o alto, maior o isolamento.

Godric serviu-se de mais uma taça de vinho e a bebia pensativo quando o jovem que estivera conversando com Salazar aproximou-se.

–Perdoe-me, senhor, mas posso perguntar-lhe se conhece o homem que acabou de sair?

Godric, ainda perturbado pela conversa com Slytherin precisou de um momento para entender a pergunta.

– Sim – disse ele –, eu o conheço. Porque pergunta, se posso saber?

O rapaz pareceu embaraçado por alguns instantes, mas tomando fôlego, prosseguiu.

– O conheci recentemente e ele fez-me propostas de negócios. Queria tomar informações a respeito para saber se são justas e confiáveis.

Godric olhou amargamente para o cálice sobre a mesa a sua frente e respondeu:

– A única coisa confiável e justa no recinto é este vinho.

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