Hogwarts: Um Conto Maroto

Hogwarts: Um Conto Maroto

CAPÍTULO 1



Do outro lado da barreira



 



As pernas finas do garoto balançavam para cima e para baixo.



Acomodara-se num daqueles banquinhos de praça, observando o ir e vir incessante de sapatos e tamancos naquele dia ensolarado acima da entrada da estação de King’s Cross.



Pousada ao lado dele, havia aberto uma caixinha curiosamente listrada da qual tirava, de quando em quando, algo parecido com feijõezinhos coloridos. Apanhou um feijão cor de abacate e posicionou-o diante dos olhos, examinando-o ao colocá-lo contra a luz do sol. Ergueu a sobrancelha desconfiado, mas por fim deu de ombros, lançando-o para dentro da boca. Fez uma careta de repugnância um segundo mais tarde.



— Droga — praguejou ele. — Meleca de nariz.



Foi naquele momento que um labrador completamente preto apareceu farejando e trotando, surgido de algum lugar além da estação. O animal aproximou-se devagar, abanando o rabo felpudo de maneira amigável e tocando com o focinho gelado em sua canela. Viu quando os olhos do cão brilharam ao pousarem, de modo interesseiro, sobre a caixinha ao lado dele.



— Está perdido, garoto? — perguntou o menino, afagando a cabeça do cão. — Quer um feijãozinho?



O cachorro latiu, quase parecendo compreendê-lo. Entrementes, retirou outro doce de dentro da caixinha e lançou-o em direção ao cão, que o apanhou ainda no ar. Lambeu os beiços e latiu novamente, como se pedindo por mais um.



— Para ter gostado desse daí, deve ter pegado de tripa, não foi? — riu do próprio comentário, afagando a cabeça do cão outra vez.



— Butch! — gritou uma voz esganiçada.



O garoto girou os olhos cinzentos na direção do barulho e notou que uma garotinha de vestido rosa e rabo-de-cavalo aproximava-se aos pulinhos, correndo atarantada com uma coleira na mão.



— Desculpe — disse ela, quando o alcançou. Ficou apoiada sobre os joelhos durante tempo suficiente para conseguir recuperar o fôlego. Deveria ter não mais que seus seis ou sete anos. — Butch escapou da coleira e viu você comendo… — ela apontou com o dedo para a caixinha listrada e parou de falar, arqueando uma sobrancelha. — Comendo isso daí. O que são essas coisas? Balinhas?



— Feijõezinhos de todos os sabores — corrigiu prontamente.



— Quêêê? — indagou divertida, mas intrigada. — Nunca ouvi falar.



— Cada feijãozinho tem um sabor diferente.



— Nossa, que esquisito.



— Alguns são sim — concordou o menino, suspirando com resignação. — Acabei de comer um com gosto de catarro.



— Eca! — exclamou, botando a língua para fora.



Ambos desataram a rir e o garoto notou que faltava à menina dois dos dentes da frente.



— Você não tem vergonha? — disse de repente, apontando com o dedo para os próprios incisivos. — Você tá banguela, mas tá aí sorrindo pra todo mundo ver.



Ela pareceu momentaneamente ofendida. Botou a mão na cintura e fechou os olhos, dizendo em tom mandão:



— Mamãe sempre diz que a gente nunca deve ter vergonha de quem a gente é.



— Queria que minha mãe também pensasse assim. Ela vive dizendo para mim e para o meu irmão que algumas pessoas são escória… traidores do sangue.



— Nossa, eu não sei o que significa escória, mas parece ser algo feio. Sua mãe parece ser bem chata, né? — disse a menina, encaixando novamente a coleira no pescoço do labrador que parecia pesar o dobro dela. — Mas pelo menos ela te deixa comer doces. A minha só me dá doces de vez em quando, e diz que só se eu fizer todas as tarefas da escola.



— Sim, ela é bem desagradável às vezes, mas você é legal. Como se chama?



— Eu sou Jô e esse é Butch Rufus II — respondeu, dando um tapinha de leve na cabeça do cão. — E você?



— Eu me chamo Sirius.



— Sirius…? Que nome engraçado. Igual ao seu cabelo — disse ela, tocando-lhe uma mecha da cabeleira rebelde e crescida, que caía à altura dos ombros de Sirius.



— Minha mãe vive querendo cortá-los.



— É por isso que está aqui sozinho? — Jô pareceu repentinamente alarmada, como se só tivesse percebido naquele momento o fato de que Sirius era uma criança desacompanhada naquele lugar tão imenso. Era óbvio que os pais de Jô estavam por perto. — Você fugiu de casa para não cortar os cabelos?



— Na verdade meu irmão comeu alguma coisa estragada e meus pais foram dar um jeito nele. Mandaram-me ficar aqui, esperando. Daqui a pouco tenho de pegar um trem para conhecer minha nova escola, na plataforma nove e três quartos.



— Plataforma nove e três quartos? — riu ela. — Mas isso não existe. Você realmente fala muita coisa esquisita.



— SIRIUS BLACK! — gritaram de longe. — Venha já aqui.



As duas crianças voltaram-se na direção do som e se detiveram sobre a figura de uma mulher empertigada a alguns metros de distância, trajada elegantemente num vestido preto, tão escuro quanto os próprios cabelos apuradamente penteados sob um chapeuzinho à moda vitoriana. Estava imóvel sob a entrada da estação, três passos à frente de um homem com semblante enfastiado cuja mãozorra repousava sobre o ombro de um garoto pálido e com cara de doente.



— É a minha mãe — disse Sirius, saltando do banquinho. — Tenho de ir. Pode ficar com os feijõezinhos para você. Butch parece ter gostado deles.



— Obrigada, Sirius — agradeceu ela, acenando e mostrando novamente o sorriso banguela enquanto o garoto se afastava. — Cuide-se.



— Você também, Jô. Adeus.



Quando Sirius aproximou-se à distância suficiente de seus pais, sabia que receberia uma senhora bronca. Sua mãe fuzilou-o com o olhar quando atravessaram o hall de entrada da estação de King’s Cross.



— Por que estava de papinho com aquela trouxa nojenta? — perguntou ela, em tom autoritário.



Deu de ombros.



— Ela tinha um cachorro legal. Estava me contando sobre ele.



— Ora! Um Black conversando com uma trouxa imunda por causa de um maldito pulguento. O que eu faço com esse menino, Órion? — Soltou uma interjeição próxima ao desespero. — Se continuar com esse comportamento hora ou outra eu lhe deserdo, Sirius. Eu juro.



Órion Black ostentava uma bigodeira de respeito. Empacotado em seu terno preto e gravata verde-musgo, apenas grunhiu em resposta, sem olhar diretamente para o filho. Sirius, contudo, não esperava algo mais elaborado em se tratando do pai. Onze anos e nunca haviam tido uma conversa de verdade – uma verdadeira conversa de pai e filho. Órion só parecia ter olhos para seu irmão mais novo e para aquele seu grande anel de ouro cingido no indicador, mas Sirius tampouco se importava.



— Tá com cara de quem comeu um pastelão de espinafre, Régulo — disse matreiro, quando emparelhou-se com o garoto menor.



— Ainda assim, estou mais bonito que você — retrucou com dificuldades, mas conseguiu esboçar um sorriso amarelado.



Sirius deu um empurrão de brincadeira no ombro de Régulo e ambos sufocaram uma gargalhada.



— Sirius? — evocou Órion, em tom severo. — Respeite seu irmão e tenha compostura.



— Sim, senhor. Me desculpe.



O homem bufou e ambas as crianças se encolheram, seguindo caladas até a barreira que ficava entre as plataformas nove e dez.



— Onde estão minhas malas e minha coruja? — perguntou Sirius, poucos minutos depois.



— Olhe o tom, mocinho — retrucou a senhora Black. — Monstro foi na frente e as levou. Está esperando na plataforma



— Monstro?! Ele vai jogar minhas coisas nos trilhos. Ele me odeia.



— Ele não te odeia — rebateu Régulo, prendendo um arroto. Ainda estava excepcionalmente pálido. — É que você não faz esforço nenhum para gostar dele.



— Quieto os dois — ordenou a senhora Black. — Argh! Odeio o lado trouxa dessa estação. Esse odor nojento de mediocridade impregnando em nossas roupas. Vamos, se apressem, se apressem.



A família Black ultrapassou a barreira sólida de tijolos entre os números nove e dez e ressurgiu magicamente em outra plataforma, ainda mais apinhada de gente que a anterior. A locomotiva a vapor permanecia estática sobre os trilhos, mas já expelia fumaça pela enorme chaminé negra no vagão do maquinista. Havia um grande letreiro sob um arco acima, em que lia-se a distinta identificação do número “9 ¾” grafado em nácar. Sirius abriu o sorriso ao encará-lo.



Subitamente, sua até então tranquilidade foi substituída por um nervosismo que ele não sabia dizer de onde vinha, e perguntas começaram a pipocar em sua cabeça: Em que casa cairia? Sairia-se bem nas primeiras aulas? Iriam gostar dele? Conseguiria fazer amigos?



Encontraram Monstro pouco tempo depois, guardando os malões ao lado de uma garota de cabelos alourados que se despedia às lagrimas da família.



— Pode deixar que daqui em diante eu assumo, Monstro — disse Sirius, tomando para si o carrinho abarrotado de malas e materiais escolares. Acima de tudo aquilo ainda havia uma grande gaiola de metal, guardando uma coruja preta que piava e bicava as grades.



— É claro, patrão — disse prontamente o elfo doméstico, uma criatura nanica, de pés e orelhas enormes e nariz adunco. Ele fez uma reverência exagerada para Sirius. — Monstro vive apenas para servir aos Blacks.



— Adeus, Régulo. Ano que vem será você — despediu-se ele, dando a mão ao irmão mais novo, que a apertou meio a contragosto. Curvou-se levemente em direção a Órion e à mulher. — Pai. Mãe.



E tomou caminho para adentrar no trem.



— Sirius! — gritou a senhora Black, quando ele estava a meio passo de embarcar na locomotiva. Eram quase onze horas. — Trate de entrar para a Sonserina, sim? Dê ao menos essa alegria para a sua mãe. Eu lhe imploro.



Ao escutá-la, a expressão que Sirius talhou na face fora incrivelmente difícil de se decifrar, mas reuniu toda a coragem que existia dentro de si antes de respondê-la:



— Mãe, é o chapéu quem escolhe, não é?



E subiu para o trem.





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