Fielmente



| Do Nosso Jeito |




Capítulo Dois - Fielmente




"Diga-me, você mataria salvar uma vida?


Diga-me, você mataria para provar que está certo?"


 


 


    Seus pés bateram no chão, mas ele não teve força para ficar em pé. Caiu de joelhos em um chão de madeira protegido por um tapete felpudo. Estava tudo escuro, mas ele mantinha os olhos fechados com força. Sabia que Hermione estava ao seu lado, mas, novamente, não queria encará-la.


   –Lumos! – Ouviu Hermione murmurar. – Não podemos ficar aqui por muito tempo, Harry – disse, virando a luz em sua direção. – Este lugar é muito óbvio.


   Ele abraçou os próprios joelhos, balançando o corpo. Tinha uma idéia de onde estavam, mas isso realmente não o importava.


   –Harry – chamou Hermione, parada ao pé da escada que dava acesso ao segundo andar da casa. Algo no tom de voz dela o fez ficar com muita raiva. –Tente comer alguma coisa. Dormir um pouco.


   –Eu estou bem – respondeu, categórico.


   Ela suspirou, derrotada.


   –Vou tomar um banho – avisou. –Pela manhã partiremos. Tudo bem pra você?


   –Sim. Claro.


   Harry sentia-se vazio. Como se, de repente, algo tivesse se partido dentro dele, quebrado, e ele agora era só uma casca morta. Parecia que sua cabeça estava braça, vazia, mas que, ao mesmo tempo, mil pensamentos bombardeavam-no. Ele estava tão absolutamente absorto em seus pensamentos que não notou quanto tempo passou até Hermione reaparecer. Ela sentou-se no sofá a sua frente.


   –Hermione? – Harry chamou. Não sabia exatamente o que estava fazendo ou o que iria falar, só sentia que precisava desesperadamente desabafar.


   –Sim?


   –Eu o matei – murmurou, muito baixo, como se o tom fosse diminuir sua culpa.


   Ela escorregou do sofá e sentou-se ao seu lado. Talvez Hermione tivesse uma idéia de como ele estava sentindo, porque segurou sua mão e apertou gentilmente. Era o primeiro contato físico carinhoso que Harry tinha com alguém em meses.


   –Eu matei um ser humano.


   –Sei que isso não vai fazer você se sentir melhor, Harry – Hermione falou, com a voz muito infeliz. –Mas eu não classificaria o Lestrange como um ser humano.


   –Isto não se trata dele, Hermione. E sim de mim. De ser capaz. Você não vê? Eu sou igual a ele agora. Eu sou igual a Volde...


   Mas sua frase ficou inacabada, pois Hermione colocou o dedo indicador sob seus lábios, o impedindo de falar. Harry fechou os olhos, pela segunda vez naquele dia sentindo que poderia chorar como uma criança.


   –Você nunca, nunca poderia ser igual a ele. Nem parecido. Nem um pouquinho parecido!


   Uma lágrima teimosa escapou do olho de Harry, morrendo nos dedos de Hermione. Ela o abraçou com força, e mesmo que Harry se sentisse incomodado com a sensação de pena que ela parecia sentir, ficou agradecido pelo toque da amiga. Era disso mesmo que ele precisava; de seu abraço, sentir que ela estava com ele. Precisava abandonar a sensação de estar sozinho.


   –Você nunca faria algo sujo assim – ele disse, as lágrimas agora banhando-lhe a face.


   Hermione deu uma risadinha amargurada.


   –Eu não teria tanta certeza assim.


  –Ele falou do Ron... Eu... Eu não pude me conter – Hermione o apertou mais, enquanto ele balbuciava as palavras. – Eu não sou assim, Mione, eu juro que não sou...


   –Eu sei, querido.


   Hermione passou os dois dedos pelos olhos de Harry, encharcados d'água. Até os dela já estavam meio embargados.


   –Você não pode desistir agora, Harry – ela falou, a voz esganiçada pela dor.  –Você tem que ser forte. Você sempre foi o lado forte de nós dois. Não posso sem você.


   Na verdade, era ele quem não conseguiria sem ela. Para ser mais exato, desde que saltou em cima de um Trasgo Montanhês para salvá-la que precisa dela. Quem seria Harry Potter sem Hermione Granger? Um homem morto, provavelmente.


   Claro que ele iria ser forte. Com ela. Por ela.


   Apertou a mão pequena da garota.


   –Estamos juntos nessa.


   Hermione se ergueu. Segurou-o pelas duas mãos, guiando-o.


   –Vamos. Você precisa dormir.


   Ela levou-o pelo escuro, como se conhecesse bem o caminho, até um quarto. Ele sentou-se quando sentiu a madeira da cama bater em suas panturrilhas. Os cobertores eram acolchoados e pareciam recém-lavados.


   –Eu destruí meu quarto da última vez que vim aqui – Harry ouviu a voz amargurada de Hermione. – Eu não queria que houvesse nenhuma evidência de que já morei aqui.


   –Há seu cheiro em cada poeirinha dessa casa, Hermione.


   –Talvez eles não conheçam meu cheiro tão bem quanto você – respondeu, depois de um tempo em silêncio.


   Harry sentiu os movimentos de Hermione, empoleirando-se em uma confortável poltrona de couro perto da janela. Ele fechou os olhos. Hermione observava-o pela luz do luar. Seu rosto parecia triste de alguma forma.


   –Quando isso aconteceu, Mione? – Ele virou-se para encará-la. – Quando nós nos tornamos o que somos? Quando nos tornamos adultos? Quando foi o seu momento?


   Ela ponderou por um instante.


   –Acho que quando tive que deixar meus pais. Acho que deixei alguma coisa para trás naquele dia. Minha infância, talvez.


   –Você não se arrepende?


   –Não. Eu não podia e nem posso estar com eles para defendê-los. Não há realmente uma escolha.


   Harry suspirou.


   –Eu nunca pude realmente agradecer. Por tudo que você já fez por mim, e ainda faz.


   Hermione não respondeu, voltando os olhos para a face perolada da lua. Os dois ficaram em silêncio por alguns instantes, apenas desfrutando daqueles minutos de calmaria.


   –Harry?


   –Sim?


   –Quando doer um pouquinho menos... Será que podemos conversar sobre... – Houve uma pausa dolorosa. –Sobre a morte de Ron?


   O estômago de Harry revirou e ele sentiu-se instantaneamente febril. Havia dias em que ele esperava aquele momento, em que Hermione iria querer saber o que realmente aconteceu no dia em que Ron morrera. Esse dia estava chegando e ele não podia se sentir menos despreparado.


    –Claro – forçou-se a responder.


 


*


 


   Quando ele acordou, os primeiros raios de sol estavam despontando nas nuvens, iluminando a serração que se formara ao redor da Londres trouxa. As solas dos pés tocaram o chão frio, fazendo os cabelos da nuca dele se eriçarem.


   Pegou seus óculos na mesinha de cabeceira e levantou-se. Os músculos reclamaram ao sair de seu estado relaxado, mas Harry não ligou. Sentia-se elétrico demais para voltar a dormir.


   Tomando cuidado para não acordar Hermione, que ainda dormia respirando baixinho ao seu lado, ele deixou o quarto na ponta dos pés, tomando o cuidado de fechar a porta ao sair.


   Ele nunca tinha estado na casa de Hermione antes, então parou para prestar atenção nos detalhes. Parecia tipicamente trouxa, as paredes pintadas de creme e o teto branco com um bonito lustre acima da mesa de jantar de madeira. Na sala, um sofá espaçoso – o que eles estiveram no dia anterior, ele supôs – estava de frente a uma televisão de plasma, que se sustentava numa estante cheia de fotos e livros. Harry se aproximou, sentindo-se inesperadamente curioso.


  Logo percebeu que havia algo faltando ali; em todas as fotos, fossem elas alegres, tristes, espontâneas ou pousadas, sempre havia um buraco, algo estranhamente ausente. Hermione não aparecia em nenhuma dessas fotos, como se nunca tivesse estado ali, como se nunca tivesse sequer existido.


    Isso o deixou profundamente depressivo. De um jeito totalmente não-natural, Hermione havia perdido seus pais, que continuavam a vagar por algum lugar da Austrália, sem saber que um dia tiveram uma filha. Ele sabia o que era isso, o que era não ter uma família. E jamais desejaria isso para sua melhor amiga.


    Achou que talvez pudesse fazer alguma coisa que fizesse a amiga se sentir melhor e, usando uma peruca loira ridícula que ele mesmo conjurara, comprara um café da manhã digno. Pensou que seria bom sentar-se a mesa com Hermione, como pessoas normais e civilizadas.


   Comprou morangos. Lembrou-se que Hermione sempre comia geléia de morango nos cafés-da-manhã de Hogwarts.


   Harry achou que Hermione parecia bonita dormindo. Ou pelo menos, parecia mais com a sua Hermione, sem aquela expressão de tristeza que se instalara no seu semblante desde que Ron morrera. Decidiu sair para não ficar olhando por muito tempo. Certamente não gostaria de ser pego naquela situação.


   Perto da porta da sala, Harry tropeçou em uma pilha de jornais velho, que pareciam estar sendo depositados ali há algum tempo.


   Pegou o primeiro da pilha, ávido por notícias.


 


   MORTOS OU VIVOS? HARRY POTTER E VOCÊ-SABE-QUEM DADOS COMO MORTOS, MAS SEUS CORPOS CONTINUAM DESAPARECIDOS.


 


   Ele passou as páginas rapidamente. Talvez alguma boa notícia, talvez o mundo bruxo estivesse finalmente começando a mudar...


 


   MINISTRO DA MAGIA SE REÚNE HOJE COM BELLATRIZ LESTRANGE PARA DISCUTIR O SUMIÇO DE SEU MARIDO, RODOLFO LESTRANGE.


 


   Finalmente, na última página, Harry deparou-se com a lista de procurados. Seu nome estava em primeiro lugar, em enormes letras garrafais. Hermione estava em primeiro lugar dos procurados nascidos-trouxas. Luna Lovegood estava sendo procurada por não comparecer a uma intimação do Ministério. E, fazendo o queixo de Harry cair, Draco Malfoy também parecia estar sendo procurado.


   Sentindo-se de repente cem anos mais velho, resolveu passear pelos aposentos. Nos fundos da casa, Harry encontrou uma piscina, e permitiu-se sentar em uma cadeira de sol, esticando os pés e tirando os chinelos. A água da piscina estava turva e quase verde, denunciando que há tempos não recebia uma limpeza.


   Fechou os olhos e ergueu a cabeça, apreciando a sensação de calor que os raios fracos de sol faziam em suas pálpebras. Estava tão quieto que poderia até passar-se por morto.


   Nem notou quando Hermione chegou, abrindo os olhos apenas quando a garota arrastou uma cadeira para perto dele.


   –Como está? – Ela perguntou, sentando-se ao seu lado.


   –Tentando pensar numa boa razão para eu não me afogar nessa piscina – encarou a menina por um segundo. –Essa razão seria você, aliás – acrescentou, tornando a fechar os olhos.


   –Achei que o motivo seria o fato dessa piscina estar um nojo.


   Surpreso com o tom divertido da amiga, Harry abriu os olhos rapidamente para encará-la, e, fazendo isso, encontrou-a sorrindo. Harry sentiu-se imediatamente satisfeito.


   Hermione esticou o pescoço para olhar o jornal que ele abandonara no chão.


   –O Ministério continua tomado, é?


   Harry confirmou com a cabeça, afastando as folhas da vista de Hermione. Não queria, sob nenhuma circunstância, que ela visse o próprio nome na lista de procurados.


   –Eu trouxe café da manhã.


   Os olhos da menina brilharam.


   –Comida? De verdade?


   Ela pegou um livro trouxa que estava lendo, e passou por ele para voltar à casa, mas enquanto fez isso, escovou o topo da cabeça dele gentilmente com a mão. Harry fechou os olhos ao seu toque.


   –Não quero você passeando desprotegido pelas ruas de novo, Potter! – Ele ainda pode ouvir, antes que ela sumisse pela pesada porta de madeira.


 


*




  N/A:


Trecho no início do capítulo = Hurricane, 30 seconds to mars


 


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Prólogo - Tragédias




"Não haveria luz


Se não


Fosse a escuridão"


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Comentários (14)

  • Jheni weasley

    Eu amei o capitulo. O Harry e  Hermione os dois estão sofrendo muito. Mas a sorte que eles tem um ao outro para ajudar a passar essa face tao dolorosa. E os procurados, gostei da lista o Draco ta no meio interessante. Parabéns, to adorando tudo!! Bjus...

    2011-09-11
  • Miillaa

    Eu estou adorando a fic, o cap foi perfeito, sem palavras por como você fez o harry ficar mal por ter matado alguem e achei muito fofo a hermione tentando de alguma forma deixar ele um pouco melhor, mesmo ela estando toda triste por causa da morte do rony. E eu não vejo a hora pra ter mais poste. Beeijos :*

    2011-09-11
  • Larry Black

    Cara, amei esse capitulo. Serio.  Acho muito linda a relação da Hermione e do Harry.  Bj. ♥

    2011-09-10
  • leleu_mione

    Adorei o capítulo, quando ví que você atualizou corri pra ler. Parabés, beijos.

    2011-09-10
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