Um dia especial





Um dia especial


*



Os últimos raios de sol do dia davam seu adeus. A pouca luminosidade crepuscular, aos poucos, cediam lugar a uma noite estrelada de lua cheia.

“Quadribol através dos séculos” sempre fora uma distração interessante, mas Harry não conseguia se concentrar na leitura que fazia; vez ou outra seus olhos desviavam do livro em direção à grande janela. Não que o conteúdo do livro o desagradasse, muito pelo contrário, mas sua atenção se voltava a todo instante para o horizonte exposto através da vidraça. Era interessante contemplar o contraste das tonalidades do céu, que no momento matizava seu habitual azul com nuances de lilás e laranja.

Harry tentou voltar sua atenção para o livro novamente, mas as frases não se encaixavam em sua cabeça. Definitivamente aquele não era um bom momento para leitura. Vencido pela própria teimosia, fechou o volume com estrépito e o atirou para o lado, sentando na beira da cama, esticando os braços para o alto e bocejando preguiçosamente. Olhou ao redor, procurando, algo que o entretece, mas a coisa mais interessante que encontrou foi um animado Pichitinho batendo as asas dentro da gaiola, num pedido mudo de liberdade.

- Okay! Eu vou te soltar se você prometer que não vai fazer bagunça. E eu não vou abrir a janela. – Harry dizia enquanto caminhava até a pequena coruja e destrancava, com um toque de varinha, a gaiola que a cerrava.

Tão logo ganhou liberdade, a corujinha abriu as asinhas curtas e começou a voar em círculos, próximo ao teto, pipilando extasiada. Harry se jogou na cama, rindo da festa da ave minúscula e felpuda. Inevitavelmente se lembrou de Edwiges. Se estivesse ali, a coruja das neves, provavelmente, empinaria o bico em desaprovação ao comportamento de Pichitinho.

Harry apoiou a cabeça nas mãos e ficou observando o teto. Ora ou outra “Píchi”, como fora apelidado por Gina, entrava em seu campo de visão. Era muito chato ficar sozinho ali naquele apartamento, deitado naquela cama deveras espaçosa. Talvez ele devesse comprar uma cama menor, pois o espaço vazio fazia aumentar a sensação de solidão. Agradeceu mentalmente a Rony por ter deixado sua coruja ali por uns dias, pois o animal vinha sendo uma boa companhia. Por um instante estranhou o silêncio que se instaurou no quarto, mas ao olhar para o lado, viu a coruja se refrescando em seu recipiente de água.

Logo que se mudou, pensara em chamar Monstro para morar com ele, mas, por residir em um local exclusivamente trouxa, tivera receio de levar o elfo doméstico, fato que desagradou em demasia a criatura. Arrumar uma companhia, mesmo de um animal do mundo mágico, era complicado ali. Talvez se comprasse um animal de estimação trouxa...

Um som quebrou o silêncio do quarto; era baixo, mas ecoava pelo ambiente. Pareciam com batidinhas de algo rígido em vidro.

- Não adianta! Eu disse que não iria abrir a janela, Píchi! – Harry disse sem ao menos se mover.

Pichitinho começou a circular o teto novamente, aparecendo e sumindo da visão de Harry. Novamente o barulho, e dessa vez mais alto. Harry, franzindo o cenho por saber que o autor das batidas não era Pichitinho, olhou na direção da janela e teve um sobressalto ao ver uma grande coruja de igreja através da vidraça.

Ainda surpreso, levantou-se rapidamente e abriu a janela, por onde a coruja imediatamente entrou, batendo as asas e fazendo uma lufada de vento frio chegar até Harry. Somente então, ele viu que a ave trazia consigo um pequeno pedaço de pergaminho preso à pata. Assim que a coruja pousou, bem ao lado do livro que tentara ler durante aquela tarde, esticou a pata direita, esperando que o destinatário desprendesse a carta que trazia.

Harry sentou na cama e abriu o pergaminho rapidamente, nem disfarçando a curiosidade; começou a lê-lo, no mesmo instante que a coruja de igreja começou a se servir da água de Pichitinho. Harry não precisou de muito tempo para concluir a primeira leitura, e, após reler pela terceira vez a mensagem, um sorriso foi se abrindo em seus lábios. Eram poucas palavras em uma caligrafia garranchosa e feia, nada caprichada. Levantou rapidamente e abriu a gaveta do criado-mudo em busca de pergaminho, pena e tinta. A coruja que trouxera o recado olhava os movimentos de Harry bastante atenta, parecia saber que teria de levar uma resposta de volta.

Assim que terminou de escrever, enrolou o pergaminho e prendeu-o na pata da coruja. Abriu a janela e viu a coruja esticar as majestosas asas, antes de ciscar um pouco e lançar-se em vôo. Harry observou o pássaro até que ele fosse engolido pela escuridão. Virou-se para Pichitinho, que estava pousado na cabeceira da cama, com seus olhinhos negros e brilhantes, que mais pareciam duas azeitonas, cravados sobre ele.

- É, acho que me enganei. Parece que você vai dar um passeio hoje, companheiro. – falou com ânimo renovado, recebendo um pio agudo em resposta.

Feliz por saber que o dia seguinte seria bem mais agradável, Harry tornou a pegar a pena e pergaminhos, afinal, tinha três cartas pra escrever.



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Era indescritível a sensação. Voltar aquele lugar, que lhe trazia tantas recordações; pisar naquela grama novamente; admirar a magnitude daquela construção; sentir aquele cheiro tão particular. Há quanto tempo não fazia aquele trajeto? Há quanto tempo não sentia aquele conforto no peito, aquela sensação de proteção e acolhimento? Com certeza, se lhe perguntassem o que estava sentindo no momento, não saberia definir com palavras. O melhor de tudo era olhar para os lados e ver três sorrisos tão radiantes quanto o seu. Poder vivenciar esse momento ao lado deles fazia com que sua alma se sentisse plena.

Harry caminhava de mãos dadas com Gina, logo ao lado de Rony e Hermione. Todos quatro olhavam para o imponente castelo com carinho e nostalgia. A passos lentos, o pequeno grupo seguia pelos jardins vazios, nenhum estudante estava ali, embora soubessem que o castelo deveria estar lotado de alunos, por ser época de aulas. Mas não era na direção da entrada do antigo edifício que eles caminhavam. Seguiam outro caminho bastante conhecido por eles, que levava a uma construção incomparavelmente mais modesta do que o magnífico castelo de Hogwarts.

A cabana de madeira continuava igual ao que sempre fora, apenas um pouco mais velha e desgastada; talvez em decorrência dos ataques que sofrera há alguns anos. Da pequena chaminé saia um escasso e acinzentado filete de fumaça que flutuava lentamente, se estendendo para o alto antes de se dissipar no ar. Uma voz rouca e conhecida, oriunda do interior do casebre, cantarolava e chegava desafinada aos ouvidos dos dois casais.

Hermione se adiantou e bateu três vezes na porta. Imediatamente a voz que vinha lá de dentro se calou, porém um grave latido de cachorro soou, impedindo que o silêncio se prolongasse. Hermione olhou para trás, e trocou um sorriso com os demais.

- Quem está aí? – uma voz grossa e agradavelmente familiar ressoou próximo à porta.

- Norberto! – disse Rony, o que seria suficiente para Hagrid saber quem estava ali, afinal, apenas eles sabiam sobre o dragão que o meio-gigante mantivera ilegalmente nos terrenos do castelo.

A porta da cabana se abriu quase no mesmo instante, revelando a figura avolumada, de barba desgrenhada e olhos negros que pareciam besouros. O rosto estava contorcido em um grande sorriso.

- Vocês vieram mesmo! – bradou Hagrid feliz.

Hermione, que estava mais próxima, soltou um soluço engasgado assim que foi calorosamente saudada pelo amigo com um abraço. Um borrão escuro atravessou rapidamente a porta na direção de Harry; Canino pulou sobre ele, quase o derrubando.

- Pelo menos você não alcança mais minhas orelhas. – comemorou Harry ao notar que as patas do cão estavam apoiadas em seu peito, pois não chegava mais nos ombros. Ainda assim, Canino conseguiu lambuzar consideravelmente sua roupa, o que levou Gina a fazer uma careta que misturava diversão e nojo.

- Andem, venham...

Hagrid finalmente largou Hermione, que tinha os lábios discretamente azulados pela falta momentânea de oxigênio na circulação, e deu espaço para que os convidados entrassem.

- Senti saudades disso aqui! – comentou Rony com um sorriso franco, olhando para o interior da velha cabana.

- Sentiu, é? Pois não me parece! – disse Hagrid tentando, miseravelmente, soar convincente e aborrecido – Nenhuma visita desde que se formaram. Pequenos ingratos, isso que vocês são!

- Ah, Hagrid! Não seja dramático, vai! Você sabe que nós andamos muito atarefados desde que terminamos a escola. – disse Gina sentando ao lado de Harry na mesa.

- Sei! Mas isso não significa que não possam separar algumas horinhas para uma visita. Eu sinto falta de vocês.

- Aposto como uma leva de aluninhos novos vem visitar você todos os dias, Hagrid. – disse Rony, observando o meio-gigante tirar da lareira uma chaleira fumegante.

- Nem tanto, nem tanto! Apenas a amiga de vocês, Luna, e mais alguns poucos. – retrucou Hagrid colocando a chaleira sobre a mesa e pegando algumas canecas – Ainda assim, sinto falta de vocês. Os melhores alunos que já tive se querem saber. Nenhum outro aluno, após vocês, foi tão empenhado em Trato das Criaturas Mágicas.

Hermione, que já estava sentada, olhou pela janela em direção ao castelo.

- Está tudo tão calmo e silencioso por aqui.

- As coisas tem andado boas por aqui. McGonaghal vem assumido bem o espaço deixado por Dumbledore. – Hagrid começou a servir chá nas canecas – Mas a bagunça continua a mesma; a cada ano os alunos parecem mais arruaceiros e indisciplinados. Nenhum supera vocês, é claro... mas conseguem deixar a diretora de cabelos em pé. Hoje é dia de passeio à Hogsmeade, por isso a calmaria. Tem poucos alunos no castelo.

- Por isso estava tão agitado nos arredores de Hogsmeade quando aparatamos. – comentou Harry.

- Cara, eu nunca pensei que pudesse dizer isso, mas sinto falta desse lugar. – disse Rony, sentando ao lado de Hermione – Era bem legal estudar aqui.

- Todo mundo que passa por Hogwarts tem dificuldades em deixá-la pra trás. Se eu não tivesse sido acolhido por Dumbledore aqui, não seria inteiramente feliz. Hogwarts é o único lugar em que me sinto em casa. O único lar verdadeiro que tive. – Hagrid deixou um prato com biscoitos sobre a mesa e sentou ao lado de Hermione, de frente para Harry – Podem se servir, eu mesmo quem fiz.

Rony, que já estava com a mão esticada na direção do prato, a recuou lentamente.

- Foram tantas as coisas que vivemos nesse lugar. Éramos tão novos e imaturos na época, e tudo era tão perigoso e irreal que pareço estar me referindo a coisas que aconteceram há milênios. – disse Gina, acariciando a orelha de Canino, que estava com sua cabeçorra deitada nas pernas dela.

- Não é irônico pensar que o lugar que me fez sentir verdadeiramente vivo também tenha sido o que mais me apresentou risco de morrer?

- Não era Hogwarts que representava ameaça Harry, e sim Voldemort! – afirmou Hermione com veemência – E mesmo que, no tempo que passei aqui, tenha vivido meus piores pesadelos, foi aqui que comecei a construir meus sonhos.

- Nossa Hermione, como sempre sensata. – disse Hagrid com um olhar afetuoso – Eu me lembro de cada momento difícil que vi vocês passarem. Tão jovens. Se eu pudesse, teria preservado vocês de tudo aquilo, sabem. Mas vocês sempre foram muito fortes e corajosos, bem mais do que eu, se me permitem dizer. Mas era muito frustrante ver o perigo a que estavam expostos, e não ter muito que fazer para ajudar.

- Teria ajudado bastante se não tivesse nos colocado em mais perigo ainda. – resmungou Rony contrariado.

- Eu jamais faria isso! – rebateu Hagrid.

- Norberto. – retrucou Rony.

- Era um dragãozinho indefeso, um animal muito incompreendido o Norberto! Jamais faria mal a vocês!

- Aragogue. – replicou o ruivo novamente, tendo um calafrio involuntário só por lembrar a noite de terror que passara em seu segundo ano nas entranhas da Floresta Proibida.

- Ah, Aragogue! Que Deus o abençoe! Era um grande companheiro aquele ali. Não machucaria um amigo meu. – teimou Hagrid, munido de sua tradicional propensão a achar animais gigantes e perigosos, seres afáveis, fofinhos e inofensivos.

- Mas é claro que não. Ele estava apenas brincando quando mandou suas centenas de filhinhos peludos nos devorar. – rosnou Rony com cinismo – E realmente, cuidar de explosivins como seu fossem filhotes de pufosos não foi tão difícil se compararmos isso com tudo que passamos para conseguir destruir Voldemort.

- Por falar nisso, onde está o Bicuço? – Gina perguntou.

- Deve estar esticando as asas por aí, procurando comida. Ele tem se comportado bem durante as aulas que tenho dado sobre hipogrifos aos alunos do terceiro ano.

- Gostaria de dar uma volta nele um dia. – comentou Gina e sorveu um longo gole de chá quente.

A conversa perdurou por boa parte do dia. Era muito agradável poder conversar com Hagrid novamente, como sempre faziam quando estudavam em Hogwarts. No horário do almoço, Minerva McGonaghal, que fora informada pelo guarda-caças sobre a visita dos jovens, - aqui Rony agradeceu fervorosamente a Merlin pela consideração da ex-professora - mandara Monstro levar até eles uma saborosa refeição. Após estarem devidamente satisfeitos, ainda conversaram um pouco sobre amenidades e, a pedido de Hagrid narraram brevemente seus afazeres diários. Em seguida, despediram-se do amigo e de Canino e resolveram caminhar um pouco pelas redondezas do castelo. Era concordância de todos que não entrariam no castelo aquele dia, pois não queriam causar frisson entre os estudantes, o que, segundo McGonaghal, seria inevitável se os vissem.

Quando passaram próximos à margem do lago negro, decidiram parar um pouco para conversar. Sentaram sob a copa de uma árvore, se protegendo na sombra que se projetava na grama.

- Sabem, toda aquela conversa sobre o bicuço me fez lembrar uma coisa. – Rony sorriu abertamente, como se estivesse deliciado com a recordação – Um dos dias mais memoráveis da minha vida.

- E nós podemos saber do que você está falando? – Gina revirou os olhos impaciente.

- Não sei se vocês concordam, mas pra mim não existe lembrança mais prazerosa do que o dia em que a minha Mione socou o focinho empinado do Malfoy! – Rony suspirou feliz – A cara apavorada daquela doninha amarela é algo que jamais vou esquecer. Nunca tive tanto orgulho de você, Mione.

- Ah, faça-me o favor! – disse Hermione tentando parecer irritada, mas quase não conseguindo esconder o sorriso diante das risadas dos demais – O Malfoy mereceu aquele soco! E existe uma série de outras coisas mais significantes a qual poderia fazer você se sentir orgulhoso de mim, Ronald Weasley!

- Como quando ela dobrou o orgulho e tomou a iniciativa de te beijar no meio de uma guerra, por exemplo. – alfinetou Gina divertida.

- É, me orgulho disso também! – Rony entrou na brincadeira ao ver Hermione ficar vermelha.

- Bom, digamos que o Rony mereceu o beijo naquele momento. Mas existem outras coisas bem mais...

- O que sempre me orgulhou na Hermione é a habilidade que ela tem em feitiços. – disse Harry seriamente, interrompendo a amiga – A maior prova disso foi a quantidade de passarinhos que ela conjurou para atacarem Rony no nosso sexto ano. – completou rindo, sendo acompanhado por Gina; Rony não pareceu muito feliz com o comentário, porém Hermione deu um sorriso inclinado de satisfação.

- Que nada! Aquilo foi só uma amostra dos presentinhos que posso dar pro Uon-Uon caso ele me irrite!

- Ah, então quer dizer que você estava irritada aquele dia, é Mione? – Rony perguntou com um sorriso zombeteiro – Com o que?

Rony, Harry e Gina riram da expressão de Hermione; o sorrisinho satisfeito de poucos segundos atrás dissolveu e fora substituído por uma careta desgostosa. Todos ali sabiam que era mais fácil enfiar a lula gigante dentro de uma garrafa de cerveja amanteigada do que Hermione admitir que, naquela época, estava morrendo de ciúmes de Rony por conta do namoro dele com Lilá.

- Eu não estava irritada! Mas posso ficar agora, se você não parar de falar bobagens. – respondeu aborrecida, mas Rony nem se abalou e alargou ainda mais o sorriso.

- Tudo bem, não vou mais cutucar a ferida! – o ruivo riu quando viu os olhos de Hermione brilharem ameaçadoramente – Ah, Mione! Relaxa. Eu to só brincando! A verdade é que, às vezes, você toma algumas atitudes que me surpreendem.

- Concordo! – Gina afirmou com a cabeça enfaticamente – Mas no quesito ‘atitudes surpreendentes’, não é a Hermione quem ocupa a primeira posição do meu ranking.

- Por acaso seria eu? – perguntou Rony em tom de brincadeira, se empertigando e sorrindo maroto.

Gina estreitou os olhos na direção do irmão e deu um sorriso malicioso.

- Eu poderia fazer uma lista quilométrica enumerando os seus feitos mais surpreendentes, maninho. No entanto, não sei se você ficaria muito lisonjeado quando a lesse. Quer que eu cite algumas?

- Não, obrigado! – Rony retrucou, tentando não fazer caso.

- Então quem seria? – Harry indagou curioso.

Gina se virou de frente para Harry.

- Você!

- Eu? Por que eu?

A ruiva ergueu as sobrancelhas sugestivamente.



FLASHBACK



Caminhavam calados, lado a lado, pelos corredores do grande castelo. Gina estava com os pensamentos embaralhados e com os sentimentos explodindo à flor da pele. Sua mão esquerda estava suada, ou talvez fosse a de Harry, que estava entrelaçada à sua. Ela não estava nervosa, mas mentiria se dissesse que não fora pega de surpresa. A atitude que Harry tomara com ela a pouco fora tão inacreditavelmente surpreendente quanto agradavelmente deliciosa.

Harry a conduzia por corredores e passagens que ela nem sonhava existir em Hogwarts, o que era muito se tratando de alguém que tinha forte ligação sangüínea com Fred e Jorge. Desceram alguns degraus, passaram por trás de uma tapeçaria velha e, após contornarem uma larga pilastra de pedras chegaram próximos à saída que levava aos jardins. Gina admirou-se por não terem encontrado viva alma durante todo o trajeto, mas suspeitou que talvez ela não fosse a única a não ter conhecimento daquelas passagens.

Arriscou um olhar rápido para Harry e um sorriso involuntário ameaçou despontar de seus lábios, mas conseguiu contê-lo. A realidade de tudo aquilo parecia tão delicada, tão frágil a ponto de se desfazer ao movimento mais sutil; mas o mesmo tempo sentia a verdade palpável, tão real quanto o calor daquela mão, tão especial quanto fora descobrir que os lábios dele tinham um gosto infinitamente mais saboroso ao que sempre imaginou. Teve vontade de pará-lo, de pedir que ele olhasse pra ela e dissesse alguma coisa; mas não faria isso, sabia que eles iriam conversar, pois tanto um quanto outro tinham coisas a dizer. Portanto, deixar que ele a levasse para onde quisesse continuava a ser a melhor opção.

Quando desceram as escadas para os jardins, deram adeus a quietude. Muitos estudantes transitavam por ali, dispostos a aproveitar o belo dia que se estendia além dos terrenos de Hogwarts. Gina sabia que vê-la de mãos dadas com Harry passeando pelo castelo despertaria a atenção dos mais curiosos, porém não julgava que existissem tantos curiosos na escola. Era inevitável ouvir os burburinhos ou notar os diversos pares de olhos os seguindo descaradamente.

- Eles poderiam ao menos fingir que são discretos, não acha?

Gina chegou a se assustar quando notou que aquela voz pertencia a Harry. Olhou para ele, imaginando se ele estaria envergonhado ou desconfortável de estar andando de mãos dadas com ela. Harry a olhou rapidamente e o sorriso dele foi o presente mais magnífico que Gina poderia receber naquele momento.

- Eles poderiam tentar. Mas discrição nunca foi uma característica forte entre bruxos.

Harry riu e concordou no mesmo instante.

Quando se aproximaram da margem do Lago Negro, Harry parou e ficou de frente para Gina. A ruiva tinha certeza absoluta que nunca achara os olhos dele tão bonitos como naquele momento, àquela distância. Esperou que ele começasse a falar, mas ele apenas a observava; olhava-a com intensidade, como se quisesse gravar cada traço de seu rosto na memória. Não era difícil encará-lo, mas tornou-se impossível manter os olhos abertos quando sentiu a mão dele escorregar por seus cabelos, afastando a franja que lhe caia sobre os olhos. Ela abriria os olhos novamente, mas sentiu os lábios deles tocarem os seus pela segunda vez naquele dia, pela segunda vez em sua vida. Dessa vez o beijo foi mais profundo, com mais vontade, mais entrega e menos receio.

Espalmou as mãos sobre o tórax dele, no mesmo instante que ele segurou seu rosto. O tempo que passaram ali era impossível determinar. Mas, somente quando a Lula Gigante golpeou a superfície do lago com um de seus enormes tentáculos, fazendo respingar água em suas vestes, é que se afastaram.

- Maravilha! Agora sim eu estou apresentável. – disse Gina sorrindo enquanto passava a mão na calça molhada; ainda trajava suas vestes de quadribol.

- Você está linda! – Harry disparou sem pensar.

- Ou, talvez, já esteja na hora de você trocar esses óculos. – ela acrescentou risonha.

Gina olhou para ele, tinha um brilho nos olhos que Harry não conseguiu decifrar. Agora que ela estava tão próxima, ele pôde perceber que ela tinha sardas no nariz.

- Gina, eu acho que te devo explicações pelo que eu fiz hoje.

- Não sei se é necessário. Não é tão difícil de entender que você me beijou de repente na frente de dezenas de pessoas.

Harry deu um sorriso acanhado, mas não desviou os olhos dela.

- Eu não sei o que me levou a fazer aquilo. Foi um impulso que eu não consegui frear. Eu sei que não tinha o direito...

Gina pôs os dedos sobre os lábios dele. Ela já tinha uma idéia das coisas que viriam e, sinceramente, as achava extremamente desnecessárias.

- Apenas seja franco comigo, Harry! Eu sei que você não faria nada do que fez apenas por impulso. – Gina corou levemente – Eu não posso dizer que conheço você, mas sempre te observei o suficiente para saber que você não me beijaria em pleno salão comunal se não tivesse bons motivos pra isso.

Harry achou que era hora de abrir o jogo. Devia explicações a Gina e ela as merecia.

- Eu... eu venho sentindo algo por você há algum tempo. Eu não sei exatamente quando começou, mas desde que começamos a estudar esse ano, você vem chamando a minha atenção. Quando eu percebi, já estava lutando contra um sentimento que já estava completamente formado dentro de mim. – Harry suspirou – Eu tentei lutar contra, Gina; tentei te tirar da minha cabeça e voltar a te ver novamente como a irmã do meu melhor amigo, mas cada vez que eu te via com o Dino meu sangue fervia. Já estava fora de controle. Eu havia sido derrotado.

Gina estava simultaneamente radiante e chocada. Jamais, nem em suas mais afortunadas fantasias, pensaria que Harry estivesse sentido tudo aquilo. Havia percebido que ele andava a observando ultimamente, e, inclusive vinham conversando com mais freqüência, porém nunca se atreveria a imaginar tanto. Tudo que acabara de ouvir a deixou sem reação.

- Talvez tenha sido um erro. – Harry recomeçou, dessa vez se aproximando mais de Gina – Se foi, eu me recuso a pedir desculpas, pois não me arrependo de absolutamente nada. Ou melhor, me arrependo de apenas uma coisa. – Harry acariciou o queixo dela com o polegar – Me arrependo de não ter feito isso antes.

Era a deixa que Gina estava esperando para se jogar nos braços dele. O abraçou com força e recebeu o carinho de volta. Aquilo tinha que ser real. Dessa vez tinha de ser verdade. Ela se recusava a pensar que poderia ser apenas mais um de seus sonhos. Cerrou suas pálpebras com força, apertando ainda mais o abraço, puxando o ar com força para os pulmões na tentativa de sentir melhor o cheiro dele; ela precisava de uma âncora; qualquer coisa que comprovasse a veracidade de tudo aquilo, que lhe desse um fio de esperança a qual se firmar; algo que tirasse de dentro dela aquele medo de que pudesse despertar no dormitório a qualquer momento, abraçada ao travesseiro.

O beijo que recebeu a seguir, não fez o coração de Gina desacelerar, nem suas mãos pararem de tremer; no entanto, aquele beijo fora a prova de que ela estava vivendo a mais sublime realidade.

Harry, aquela altura, sequer lembrava que a Grifinória havia ganhado a Taça de Quadribol, tampouco que ele não participara do jogo.




FIM DO FLASHBACK




- Não tem como não concordar com você, Gina. Eu também me surpreendi bastante esse dia, e não foi só com o Harry não. – disse Hermione – Rony também me impressionou.

- Eu?

- É, você! – Gina se adiantou – Eu admito Rony, a forma como você aceitou tudo aquilo foi realmente impressionante. Cheguei a me iludir por alguns minutos, achando que você estivesse amadurecendo. Pura ilusão, claro!

- Não deve ter sido fácil ver sua irmãzinha ser agarrada, no meio do salão comunal, pelo seu melhor amigo. – Hermione alfinetou, mas a primeira reação ao comentário não foi de Rony.

- Eu não agarrei a Gina! – retrucou Harry com a testa anormalmente vermelha – Eu apenas, bom...

- Ah, você agarrou ela sim! – Rony replicou calmamente, como se quisesse provar para Gina que já possuía maturidade suficiente para discutir o assunto civilizadamente – E não pense que foi agradável acompanhar aquela cena! Mas é como eu já disse outras vezes, prefiro você à qualquer outro daqueles idiotas com quem Gina namorou. Por isso eu permiti.

- Você permitiu? Não me faça rir, Roniquinho! – Gina fez uma cara debochada – Sua moral não era das melhores para conselhos e você não seria suficientemente demente para sequer ‘tentar’ se meter na minha vida.

- Eu estava ocupado com outras coisas pra pensar em moral, maninha. – disse Rony.

Hermione tirou sua varinha de dentro do moletom e, displicentemente, com um meneio gracioso da varinha, conjurou um copo com água.

- Pra que você quer um copo com ág... – Rony começou, mas parou de falar assim que sentiu a água gelada escorrer por seus cabelos.

- Respondi a pergunta? – Hermione, com outro movimento de varinha, fez sumir o copo, agora vazio.


- Por que diabos você fez isso? – Rony estava espumando de raiva – Querem calar a boca? – disse irritado para Harry e Gina, que só faltavam rolar de rir.

- Está quente hoje, não acha? – Hermione encenou, se abanando com as mãos.

Rony levantou e jogou Hermione sobre os ombros. A morena, logo que percebeu as intenções do ruivo, começou a recitar dezenas de ameaças e a desferir soquinhos nas costas do ruivo. Mas ele mal parecia sentir e continuou sua caminhada em direção ao lago, sem se importar com a resistência da namorada.

- Quem diria que aqueles dois acabariam assim? – Harry disse, trazendo Gina para mais perto.

- Eu sempre soube que eles se entenderiam, embora eles tenham demorado mais do que eu imaginava. – Gina se aconchegou melhor ao lado do namorado e observou o momento em que Rony se jogou dentro d’água, com Hermione nos braços.

- E quanto a nós? Você também sabia que nós dois acabaríamos juntos?

Gina não respondeu no mesmo instante. Ainda acompanhou por algum tempo Rony e Hermione travando uma guerra de água no lago; os dois rindo, parecendo duas crianças crescidas; ambos esquecidos de qualquer desavença.

- Não Harry! Eu nunca imaginei que um dia ficaríamos juntos, embora eu sempre desejasse isso.

- Você me perdoa?

Gina ergueu os olhos na direção do rosto de Harry.

- Perdoar o que? – questionou intrigada.

- Me perdoa por ter demorado tanto pra perceber que a minha felicidade sempre esteve na minha frente? Me perdoa por eu ter custado tanto pra reconhecer você, por tê-la feito desistir de mim uma vez?

- Harry, eu jamais desisti de você. Já te disse isso uma vez, lembra?

Harry lembrava, e lembrava com detalhes o dia em que ela dissera que jamais tinha desistido dele. Aquele fora um dia difícil, um dia de despedidas.

- Eu posso te fazer uma pergunta? – indagou Gina.

- Fique à vontade. – disse Harry.

- Você foi feliz aqui? Digo, Hogwarts foi nossa casa por muito tempo e passamos boa parte de nossas vidas aqui; mas você não teve um ano de paz, antes de ter destruído Voldemort.

- Pra mim, basta lembrar que aqui foi o lugar em que eu realmente me senti feliz pela primeira vez. Foi Hogwarts que me proporcionou tudo que eu tenho. Aqui eu descobri o que era ser um bruxo e que eram meus pais; descobri o que era ganhar presentes no Natal e no aniversário; aqui conheci meu padrinho; foi aqui que encontrei verdadeiros amigos e a mulher da minha vida. – ele disse olhando para Gina, que sorriu – Pensar em tudo isso faz Voldemort parecer apenas um detalhe insignificante na minha vida.

- Posso fazer outra pergunta?

- Quantas quiser.

- Na verdade são duas. – Gina disse sinalizando com os dedos – Primeira: você acha mesmo que eu seria capaz de desistir da pessoa mais especial que eu conheço? E segunda: Eu posso te agarrar agora?

Harry riu antes de sentir seus lábios serem capturados pelos de Gina.




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N.A:


Aí está!


Preparado com muito carinho.


Espero que tenham gostado.



Beijokas.



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FUI!


*Lore joga um beijinho e gira o corpo*


CRACK!

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