Capítulo 34



Capítulo 34


 


 


Hermione Malfoy


 


 


Sentia que seu coração não batia mais desde que Severo Snape havia lhe dito numa voz tediosa e sem emoção o porque ela havia sido levada até a Catedral com urgência. Recebera a informação como se alguém estivessem proferindo uma blasfêmia contra seu nome, mas quando foi colocada naquele salão e vira o efeito do que o seu sangue era capaz de fazer com Lorde Voldemort, seu cérebro começou a dar tantas voltar que ela não conseguia encontrar nenhuma reação para expressar.


 


Nunca havia visto Tom Riddle em sua vida, nem mesmo nas memórias que Harry guardava em sua Penseira. Não havia nada de assustador naquele homem, pelo contrário, ele era incrivelmente bonito e elegante. Até mesmo sua voz, que ecoava pelo salão naquele momento, soltando palavras que seu cérebro era incapaz de processar, era forte, clara, grave e poderosa.


 


Mas não durou muito. Logo, quase que em menos de um minuto, sua aparência e seu calor humano começou a se desfazer de volta para o Voldemort que todos conheciam.


 


-       ... e como todos podem ver, o sangue dela é fraco, muito misturado, muito comprometido... – Voldemort continuou seu discurso.


 


Snape veio logo em seguida, explicando que a propriedades do sangue fresco foram suficientes para tornarem a poção mais duradoura, diferente dos testes que haviam feito antes, com o sangue congelado. Ele explicou como a mistura de um sangue como o de um Malfoy, que descendia diretamente de Merlin, com o dela, de uma criatura mágica, teria o poder de fazer com que aquela poção fizesse efeito por meses, se não até por anos.


 


Hermione sentiu seu estomago embrulhar a casa segundo que se passava. Seu cérebro parecia travado, sua roupa parecia apertada demais, embora fosse apenas um vestido solto, seu pulmão não parecia ser capaz de conter todo o oxigênio que precisava e ela sabia que tinha que sair dali antes que começasse realmente a passar mal. Foi quando deu as costas sem se importar que Voldemort ou Snape ou todo o resto do círculo interno estivesse presente, a encarando como se ela fosse algum tipo de alienígena.


 


Quis vomitar quando escutou o som da voz de Draco as suas costas a chamando, tentando alcança-la. Ignorou e continuou apertando seu passo em direção a porta principal, de onde havia passado. Podia escutar Voldemort ao fundo anunciando que teria seu filho, assim que nascesse. Sua visão embaçou e ela lutou para não desmoronar ali.


 


Sentiu os dedos de Draco quererem fechar em seu pulso, mas ela o puxou antes que ele tivesse a chance. Quis gritar pela milésima vez que ele não encostasse nela, mas não teve forças. Ele tinha que deixar que ela sumisse então foi capaz somente de dizer, numa voz fraca e seca, sem parar por um segundo sequer, que ele precisava deixar que ela fosse.


 


E ela foi. Ele deixou e Voldemort, surpreendentemente, também deixou. Viu-se perdida, mas não parou. Queria apenas ficar o mais distante possível dali, talvez assim não existisse nenhuma chance de ser arrastada de volta. Sua respiração a acompanhava como uma lembrete constante da aflição sentia. Não queria pensar. Não queria pensar. Não queria pensar!


 


O que tinha que fazer para que não pensasse? Sabia que se começasse a pensar no que havia acontecido, no que havia presenciado, no que estavam a acusando de ser, iria a loucura. Embora soubesse que precisava ser racional, que precisava simplesmente parar, pensar, colocar tudo no lugar, para poder provar que tudo aquilo era um terrível engano, seu próprio corpo parecia estar contra ela. Não era capaz de controlar sua própria ansiedade, sua própria aflição, sua vontade de querer desmoronar em lágrimas. Malditos hormônios. Péssima hora para se estar grávida.


 


Viu-se do lado de fora da Catedral. Flashes vieram de todos os lugares da mídia que estava sempre, vinte e quatro horas, amontoada em todas as entradas. A primeira carruagem que avistou foi a que a trouxera de Gringotes. Não queria aquela e assim que viu a de Draco logo atrás avançou como se aquela fosse a única coisa boa que vira em muito tempo. Mas a mídia empilhou-se a sua volta antes mesmo que tivesse a chance de completar metade do caminho.


 


-       Poderia nos falar mais sobre os gêmeos?


 


-       É verdade que a guerra está chegando ao fim?


 


-       Vocês já escolheram nomes para os bebês?


 


-       Estão mesmo pensando em mudar de casa?


 


-       Vai continuar trabalhando na Catedral assim que eles nascerem?


 


-       Tem medo de que algo aconteça com seu marido se caso a guerra intensificar quando as crianças nascerem?


 


-       A Comissão está mesmo trabalhando em cima da magia de proteção da Ordem da Fênix?


 


-       Quantos filhos pretendem ter depois desses?


 


Ela tentava encontrar caminho por entre o mar de flashes, pessoas e perguntas que se repetiam e se misturavam entre si. A cada tentativa frustrada, sentia-se estúpida por ter saído da Catedral sem qualquer companhia que tivesse a força de manter a mídia longe. Sentiu-se estúpida também porque sabia que seus olhos estavam cheios de lágrimas, que ela lutava bravamente para não deixar escapar, e já imaginava as páginas de revistas e jornais com todas as imagens do quão patética estava naquele momento.


 


Teve absoluta certeza daquilo quando as perguntas mudaram. Nada sobre a guerra, sobre os gêmeos ou sobre seu casamento era interessante agora. Seu claro e visível estado deplorável chamou atenção o suficiente para que a curiosidade aguçasse naqueles malditos jornalistas. Hermione queria implorar para que deixassem ela passar, mas o nó que segurava em sua garganta era tão doloroso que não conseguia abrir a boca.


 


Nunca em sua vida fora tão grata pela existência de Draco Malfoy como naquele momento. Ele apareceu exigindo em sua voz forte e poderosa que a deixassem passar e ela teve certeza de que ele estava a livrando de um terrível constrangimento em público. Ele não a tocou nem procurou qualquer contato com ela. Abriu passagem e nada mais. Ela avançou vendo o glorioso caminho limpo a sua frente quase que como um presente divino.


 


Fechou-se dentro da carruagem e torceu para que Draco não fizesse o mesmo. Pode escutá-lo pedindo para que a mídia se afastasse, ignorando todas as perguntas que agora estavam direcionadas a ele. Cobriu o rosto respirando ofegante. Não iria se permitir chorar nem ali, nem quando ninguém estivesse vendo. Precisava, pelo menos, se sentir menos patética.


 


Tinha que informar para onde queria ir, mas a verdade era que não sabia. Não queria condicionar seu cérebro a pensar. Tinha medo de pensar demais naquele momento. Não sabia nem mesmo o que queria.


 


-       Leve-a para casa. – escutou a voz de Draco abafada do lado de fora. - Se ela mudar o destino, siga as ordens dela.


 


E mais uma vez, ficou grata pela existência de Draco Malfoy. Tinha a impressão de que ele se sentia desconfortável, ou até mesmo mal, pelo que a fizera passar na noite anterior e por aquilo que ela havia o dito minutos atrás quando estavam em Gringotes. Talvez isso fosse reflexo das atitudes que vinha tomando com relação a ela.


 


Respirou fundo tentando se concentrar no fato de que logo estaria em casa quando a carruagem finalmente começou a se mover. Não ajudou muito. Também não queria ir para casa, mas se não fosse para lá, para onde iria? Sua casa era o lugar que aprendera a chamar de refúgio, embora nunca sentira que ele realmente fosse um. Tentara fazer com que se sentisse em casa ali inúmeras vezes, em muitas acreditara que finalmente tivera sucesso, mas agora, principalmente agora, aquela era a casa de Draco, não dela. Tinha o direito de residir ali por uma terrível engano do destino e constantemente era atormentada pela sensação de que estar ali era realmente um grande engano.


 


E Morgana? Aquilo também era um grande engano. Já lera livros o suficiente em sua vida, para saber que não havia brechas na história da incrível e cruel bruxa. A mulher fora responsável por exterminar sua própria raça para que somente ela e seus descendentes fossem os únicos a deterem o poder das fadas. Os Malfoys, em nome de Merlin e da incrível e estranha rivalidade entre Morgana e ele, trataram de destruí-la anos depois. Eles se tornaram responsáveis por toda e qualquer chance de existência de fadas humanas no planeta terra e por séculos perseguiram todos os rumores de um suposto retorno ou de um suposto herdeiro. O mundo não sabe o que é uma fada humana há séculos...


 


Pare de pensar! Seu cérebro gritou. Mas era inevitável. Aquilo era um grande, um terrível, um péssimo equívoco. Ela era filha de seus pais! Não havia dúvidas sobre aquilo! Todas as fotos da gravidez de sua mãe, todas as imagens de ultrassom que ela guardara, as fotos de quando era apenas uma recém nascida ainda no hospital. As pessoas até mesmo costumavam dizer surpresas o quanto era parecida com seu pai durante toda a sua infância.


 


Assim que a carruagem parou de frente a sua casa, ela já havia conseguido convencer a si mesma de que tinha como provar que aquilo era nada mais do que uma grande confusão. No momento em que subia as escadas para a entrada principal, Narcisa surgir segurando um pedaço grosso de pergaminho.


 


-       Draco acabou de me enviar uma coruja! – foi ela quem se manifestou parando ao ver que Hermione logo a alcançaria.


 


-       Não quero saber. – não se importava em soar rude. – Não quero saber nada que diga respeito a dele.


 


-       Não há nada a respeito dele, Hermione! Ele somente informou sobre o que aconteceu na Catedral! – Narcisa teve que apertar o passo para segui-la assim que passou por ela sem dizer uma palavra. – Sua mão está sangrando!


 


-       Vou tomar conta disso. – não era sua prioridade naquele momento.


 


Cortou para dentro de sua casa e seguiu com tanta pressa direto para a biblioteca, que Narcisa não conseguiu acompanha-la. Quando já estava chamando por todos os livros que precisava para uma das mesas de estudo no centro do cômodo, Narcisa finalmente o alcançou.


 


-       Preciso saber se você está bem! – estava ofegante.


 


-       Claro que estou! – respondeu abrindo todos os livros ao mesmo tempo que os organizava por ordem de importância. – Tudo isso não passa de um grande engano.


 


Narcisa puxou o ar parecendo imediatamente desconfortável na roupa em que usava. Limpou a garganta, dobrou novamente o correio em sua mão e ficou num estado onde parecia não saber o que dizer.


 


-       Não, Hermione. – foi o que disse.


 


Hermione ergueu os olhos dos livros.


 


-       Não o que?


 


-       Não. Não é um grande engano. Você realmente é descendente de Morgana.


 


Travou enquanto encarava Narcisa a sua frente. Os segundos em que não reagiu, foram os segundos necessários para que as engrenagens de seu cérebro lutassem contra o momentum da direção em que giravam para tomar uma oposta.


 


-       Sabia disso? – perguntou quase que incrédula, mas tratou de balançar a cabeça rapidamente. Não era essa a pergunta que queria fazer. – Como sabia disso? – também não era essa a pergunta. – Como pode ter tanta certeza? – também não era essa! – Sou filha dos meus pais! – isso! Ela podia provar que era! – Eles são trouxas! Sempre foram! Trouxas e filhos de trouxas!


 


-       Não, Hermione. Sinto muito, mas você realmente não é filha deles. Digo, não biologicamente. – ela se corrigiu. – Claro que eles são seus pais. Eles quem te criaram, te deram afeto e te ajudaram a moldar seu caráter, mas eles não são as pessoas que te fizeram.


 


Aquilo era absurdo!


 


-       Como pode ter essa certeza? Você nem mesmo sabia quem eu era antes de eu me tornar o amuleto de divertimento para crueldade do seu filho em Hogwarts! – por que sentia raiva? Seus pais eram seus pais! Ninguém tinha o direito de falar que não eram!


 


Narcisa respirou fundo.


 


-       Certo, Hermione! Eu entendo que esteja confusa, entendo que nada faça sentido, entendo que pareça um grande engano. Mas você sabe que está reagindo desse jeito porque você sabe que sempre foi diferente. Você sempre foi mais inteligente, sempre aprendeu mais rápido, sempre foi capaz de fazer magia sem varinha, sempre soube surpreender seus professores e seus tutores, sempre se sentiu mais conectada a natureza do que os outros, sempre teve mais...


 


-       PARE! – se viu gritar quando a agonia não foi capaz de ser contida. Assustou-se com seu próprio tom de voz. Não deveria falar assim com Narcisa. Na verdade, não deveria estar falando com ninguém naquele momento, principalmente com alguém que estivesse disposto a bagunçar ainda mais sua cabeça. – Saia! – ordenou.


 


A mulher relutou mostrando-se desconfortável, como se quisesse encontrar palavras certas para jogar contra ela, que não a fizessem mal. Mas acabou desistindo. Talvez ela já soubesse que tudo que dissesse seria ainda mais comprometedor para o estado de Hermione. Deu as costas e saiu. Hermione correu, bateu a porta e a trancou.


 


Sua respiração era sua única companhia agora e até mesmo isso a incomodava. Enquanto fitava estática a porta que acabara de trancar, sua mente girava e girava loucamente sem que ela pudesse controlar.


 


Sabia que era diferente. Fora atormentada por esse pensamento a vida inteira. Quando recebera sua carta de Hogwarts quando completara onze anos, pensara que todos os seus problemas havia acabado. Finalmente ela fazia parte de algo onde conseguiria se encaixar. Era uma bruxa, por isso era diferente. Mas conforme os anos foram se passando em Hogwarts ela ainda sentia que era diferente. Por que os outros alunos eram capazes de conjurar apenas feitiços simples sem varinha? Por que eles não tinham o instinto natural de combinar magias como ela sentia que tinha? Por que eles não eram capazes de distinguir os ingredientes de uma poção apenas pelo odor? Por que sua intuição sempre fora mais apurada?


 


Você é inteligente demais para sua idade, Hermione. Isso surpreende as pessoas. Não há nada de anormal, apenas se esforça muito para ser boa quando o resto está preocupado somente em conseguir sobreviver até as férias. Era o que Minerva ou até mesmo Dumbledore diziam quando ela deixava demonstrar suas incertezas sobre ser melhor do que todos da sua idade.


 


A brilhante Hermione, a primeira de sua classe, a mais inteligente de Hogwarts, o pilar da Ordem da Fênix. Por que ela era tão boa? Por que era tão brilhante assim? Por que era tão especial? Não se esforçava tanto. Certo que gostava de estudar, gostava de livros, gostava de testar, praticar, entender a fundo sobre tudo, mas não fazia mais do que qualquer outro aluno da Corvinal faria. Por que ela era tão diferente?


 


Talvez tivesse se passado horas naquele debate interno fitando a porta, porque foi quase que acordada de uma imersão em sua própria cabeça quando escutou o som da voz de Draco vindo abafada do outro lado.


 


-       ... se ela está bem ou não. – a voz dele veio crescendo. A raiva lhe subiu a escutar a voz dele.


 


-       Talvez fosse melhor que você somente a deixasse sozinha, Draco. – era Narcisa.


 


-       Mas eu preciso saber. A quanto tempo ela está aí dentro? Ao menos chegou a perguntar...


 


-       VÁ EMBORA! – Hermione gritou do outro lado da porta. Por que todas as vezes que escutava a voz dele sentia como se um mutirão de lágrimas quisessem se revoltar contra ela?


 


Não houve nenhuma resposta do lado de fora, apenas Narcisa depois de alguns segundos dizendo a Draco:


 


-       Eu avisei.


 


E o silêncio novamente. Hermione se afastou da porta aos poucos e conseguiu ver a sombra dos pés deles pela fresta de baixo. Por que ele não estava indo embora? Será que ele não entendia que somente a ideia de estar perto dela já a afetava?


 


-       Está pretendendo montar acampamento parado aí? – Narcisa perguntou.


 


Por que ele não ia embora?


 


-       Eu só...


 


-       VÁ. EMBORA. – será que ela não havia sido clara da primeira vez?


 


Dessa vez ele foi. Quando ele foi ela teve ainda mais certeza de que não queria que ele fosse. Sentiu aquele mar de lágrimas quererem ocupar toda sua visão novamente, mas tentou lutar.


 


Ele não voltou a incomodá-la. Por dias. Dias em que nada entre eles foi além do extremo necessário.


 


 


Draco Malfoy


 


 


Ela exigia resposta de todos, como se todos soubessem desde sempre que ela descendia de Morgana e tivessem guardado esse segredo a vida inteira. Haviam discutido seriamente e intensamente no dia em que ela deixara a biblioteca depois de passar algumas horas trancada ali. Ele não sabia sobre nada daquela loucura de Morgana, mas o fato de sua mãe saber e de seu pai também saber fez com que ela o acusasse do mesmo e aquilo a enfurecera de uma forma assustadora. A ideia de que todos pareciam saber mais da vida dela do que ela mesma.


 


Obviamente que Hermione entendeu que ele havia estado no escuro tanto quanto ela, mas isso não melhorou nada entre eles. Bem, pelo menos ele podia dizer que não tinha culpa pela raiva que ela sentia. Sua mãe, por outro lado, vivia a inconstância dos sentimentos dela. Na maioria das vezes Hermione tinha raiva por saber que Narcisa havia escondido dela algo tão importante, em outras ela abria mão do orgulho para tentar ter respostas.


 


As respostas quem tinha era seu pai e aquilo foi um grande problema. Lúcio espancara a porta da frente de sua casa por duas noites seguidas. Não para tentar entregar as respostas a Hermione, mas para ter a atenção de Narcisa. Na primeira noite, Draco havia cometido o erro de deixa-lo entrar. Um péssimo erro porque ele não só estava fora de si por causa do álcool, como também queria matar Hermione por ter “envenenado” a cabeça de sua mãe para deixá-lo.


 


Caos. A bagunça, os gritos e o desespero de sua mãe ficaria gravado em sua memória. A forma como seu pai segurara Hermione pelo braço como se estivesse pronto para jogá-la pela janela, sua mãe implorando para que não machucasse seu pai quando conseguiu afastá-lo de Hermione, Hermione beirando um estado de choque que quase a levou a abandonar a casa e sumir por Brampton Fort em sua carruagem, a discussão absurda e sem sentido de seus pais. Foi uma loucura tão desesperadora que Draco também se viu a beira de um colapso. Queria matar seu pai no momento em que ele triscou em Hermione e teria o feito se não fosse o desespero de sua mãe ao perceber que ele realmente não se importaria em quebrar todos os ossos de sua mão ao espancar a linda cara de seu pai.


 


Felizmente Lúcio estava são o suficiente para perceber que não conseguiria tirar sua mãe dali nem conseguiria tocar em Hermione. Ele foi embora enfurecido soltando a promessa de que voltaria e só sairia com Narcisa. A ameaça fez sua mãe se trancar no quarto por dias e quando ele voltou no dia seguinte, Draco o deixou gastar suas cordas vocais, saliva e fúria do lado de fora. Poderia ter deixado que tivesse acontecido um terceiro dia, mas não tinha paciência, nem era mentalmente estável para suportar escutar o som do choro repetitivo de sua mãe trancada no quarto enquanto seu pai espancava a porta de sua casa. Sua mãe não chorava com facilidade, isso foi motivação o suficiente para bater na porta da casa de seu pai no dia seguinte. Ainda era atormentado pela lembrança.


 


Um dos elfos de seus pais abriu a porta para ele quando já estava quase desistindo de ir embora. Perguntou onde seu pai estava e o elfo o informou que ele estava na escada. Foi estranho assimilar aquela informação, mas entendeu quando alcançou a escada e viu seu pai inconsciente ainda nos primeiros degraus.


 


Haviam tantas garrafas vazias espalhadas por todo o lugar que sabia que se seu pai tivesse sido o responsável por esvaziar todas elas, ele ainda estava longe de ficar sóbrio. Na verdade, deveria estar surpreso que ele ainda estivesse vivo.


 


Chamou por ele e ele não respondeu. Continuou imóvel jogado de mal jeito nos degraus iniciais. Draco quebrou uma das garrafas jogando-a longe, mas o barulho ainda foi incapaz de fazê-lo voltar a consciência. Acabou tendo que procurar por uma que não tivesse sido completamente esvaziada e assim que a encontrou, despejou tudo que restava contra o rosto de seu pai.


 


Lúcio não voltou a vida assustado ou subitamente. Ele apenas moveu-se lentamente resmungando, como se uma mosca estivesse atrapalhando sua concentração. Draco soube que ele ainda estava longe da lucidez quando aquilo que ele resmungava começou a fazer sentido.


 


-       Eu a amo... Eu realmente a amo... Eu juro que a amo... Faça ela voltar sua maldita bruxa dos infernos...


 


-       Essa maldita bruxa seria Hermione? – queria esfolar a pele de seu pai vivo e bem consciente toda vez que ele se referia a mulher que carregava seus filhos daquela forma. – Minha mão não te deixou por causa de Hermione, pai. Minha mãe te deixou porque ela não te suporta mais.


 


-       ...mas ela me ama... – conseguiu entendeu.


 


-       Sim ela ama, o problema é que você faz mal a ela.


 


-       ...mas ela disse que nunca me deixaria.


 


-       Você é doente. Você não tem ninguém e mesmo assim ainda foi inteligente o suficiente para fazer com que a única pessoa que abria mão da própria felicidade para te suportar te deixasse.


 


Lúcio balbuciou coisas sem sentido.


 


-       ...aquela estúpida mulher sua...


 


-       Não culpe Hermione! Não tente tirar a culpa de você mesmo!


 


-       EU TENHO QUE TIRAR A CULPA DE MIM MESMO! – ele berrou subitamente surpreendendo Draco.


 


Aparentemente ele estava bem consciente. Seu pai enterrou o rosto no braço escondendo-o e quando abafou seu próprio urro de raiva antes de começar a soluçar o que parecia um deprimente choro incapaz de ser contido Draco teve a certeza de que estava vendo um completo estranho.


 


Seu pai não era aquele homem ali naquela escada, naquele estado. Lúcio Malfoy nunca, jamais, se deixaria chegar ali. Lúcio Malfoy era rígido, seco e impenetrável. Ele desprezava homens que não sabiam se portar a altura de seu nome e seu status, desprezava qualquer tipo de ser humano que se desse o luxo do desequilíbrio emocional e físico. Aquele ali era um estranho.


 


Seria possível que aquele homem na verdade fosse seu pai sem todas as máscaras que o tornava o que Draco pensava que ele fosse? O homem duro e inabalável que era. Seria possível que seu pai fosse tão parecido com ele assim? Seria possível que por trás de tudo que seu pai aparentava ser, aquele era o homem que na verdade era. O homem que escondia.


 


-       ...eu a amo... como eu poderia não amá-la? – ele balbuciou novamente, mas foi tão baixo que Draco quase não conseguiu entender. Seu estado era tão deplorável ali diante dele que por mais que quisesse ser arrogante e duro com seu pai, não conseguia. Acabou sentando-se num dos degraus que ele ocupava para poder entender melhor o que ele murmurava. - ...quando você nasceu... ela era tão feliz... nós éramos felizes... nós te amávamos tanto e você era tão pequeno e inocente... e ela era tão cuidadosa e amorosa... como eu poderia não amá-la? Como eu poderia? O coração dela é tão ingênuo, tão altruísta, tão generoso... como eu poderia não amá-la? ...e ela me conhece... ela conhece a péssima pessoa que sou... e ainda assim ela é capaz de me amar... ela sabe que eu só tenho ela... e ela disse que nunca me deixaria... eu sei que eu não a mereço, mas não posso dar meu coração a ela... ninguém merece ter meu coração... eu não posso amá-la como ela me ama porque não sou altruísta ou generoso ou honesto e atencioso... ela havia me dito que entendia... ela havia sido compreensiva... por que ela me deixou? – chorou ele. - Seu pai não era um monstro. Sua mãe não amaria um monstro. Talvez fosse por isso que ela havia insistido nele por tanto tempo. Talvez ela tivesse a esperança de que ele fosse capaz de superar qualquer que fosse seu conflito de personalidade. - ...você me condena por não amar sua mãe somente por causa das atitudes que tenho... – a voz dele estava mais consistente agora. - ...mas a verdade é que a pessoa que sou hoje é apenas um reflexo das coisas que sinto por ela... – Draco não entendeu. – Um reflexo da minha tentativa de ganhar de volta aquilo que já não é mais meu há anos.


 


Aquilo? Draco ficou sem entender por alguns segundos, mas seu cérebro não o deixou no escuro por tanto tempo e ele logo percebeu que seu pai fazia referência ao seu próprio coração. No mesmo segundo em que as palavras sem sentido de Lúcio clarearam em sua cabeça, Draco sentiu-se vagar pelo vácuo entrando dentro de sua própria cabeça pelos segundos em que seu pai gemeu pelo péssimo estado físico enquanto se levantava e procurava pelo equilíbrio.


 


Não era aquilo que ele mesmo estava fazendo com Hermione? Sentia sim que era uma luta diária para se afastar dela, para provar que tinha o controle das coisas que sentia, para não permitir que ela tivesse poder sobre ele. Estava mesmo tentando ganhar de volta seu próprio coração mesmo que isso já fosse um caso perdido? Era claro que quando mais insistia nisso, quanto mais tentava se envolver com outras mulheres, quanto mais tentava afastar Hermione e ser indiferente, mais ele se tornava uma pessoa pior. Mais rígido, mais cruel, menos sensível, e ele já não se considerava alguém agradável bem antes dela ser obrigada a entrar em sua vida. Será que ele se tornaria como seu pai? As lembranças de seu crescimento consistiam em um Lúcio pior a cada ano. Um Lúcio sempre mais distante, mais exigente, mais cheio de regras, costumes e tradições. Detestava isso, por isso odiava ser comparado a ele, por mais que soubesse que a semelhança existia em muitas das suas ações. Era inevitável que seu pai não fosse seu modelo para ele. Querendo ou não, ele era.


 


-       Você tem que fazê-la voltar. – Lúcio parecia mais sóbrio enquanto procurava por garrafas que ainda tivessem algum tipo de álcool dentro. Claramente a ideia de começar a ficar lúcido era aterrorizante para ele. – Eu sei que ela tem apreciado a atitude rebelde da sua mulher e isso está persuadindo o lado submisso da minha, portanto trate de agir e colocar algum tipo de limites em Hermione!


 


Draco serrou os olhos no mesmo instante que escutou aquilo. Domar Hermione? Seu lado egoísta, orgulhoso e possessivo já havia tentado e se frustrado vezes o suficiente para ter certeza de que ela era indomável. Além do mais...


 


-       Hermione não é nenhum tipo de propriedade exclusiva apenas porque foi obrigada a assinar um papel de casamento. Ela é um ser humano e tem o direito de viver a vida adulta dela. Não tenho o poder de controla-la Na verdade, ninguém tem o poder de controlar ninguém. Ela é bem consciente do papel que deve prestar, dos direitos e dos deveres que tem. Não preciso cumprir nenhum papel de disciplinador, babá ou pai. - ela já havia repetido aquilo diversas vezes para ele quando discutiam. – Se parar para pensar vai perceber que o fato de minha mãe tê-lo deixado é resultado da sua tentativa de controla-la por todos esses anos! Deveria tomar isso como lição. Não pode controlar tudo o que quer. – levantou-se e seu pai quebrou uma garrafa contra o chão enfurecido. – Não tente aparecer na minha casa novamente. Deveria saber que o papel do qual está se prestando quando tenta derrubar a porta da frente é uma vergonha para você mesmo. Saiba que se fizer qualquer outra tentativa não hesitar em tornar tudo isso público. Você sabe que eu não hesitaria.


 


Disse e partiu para em direção saída.


 


-       Você realmente gosta de fazer ameaças, não é mesmo? – seu pai gritou.


 


-       Aprendi com o profissional. – gritou de volta e deixou a casa.


 


Seu pai não tornou a aparecer. O que não foi tão motivador para sua mãe como ele esperava que fosse. Ela continuou se trancando em seu quarto e aparecia somente para o jantar. Tentava prestar visitas regularmente, mas ela não estava interessada em gastar sua saliva com ninguém. Acabou sendo obrigado a se afastar também.


 


Hermione queria sempre distância. Sua mãe não queria companhia. E foi assim que os dias seguiram. Hermione passava a maioria das noites enfiada na biblioteca e acabava dormindo em pilhas de livros atrás de pistas. Ao menos era no que ele acreditava que ela fazia. Ela também tentara barganhar por saídas de Brampton Fort com Voldemort para poder ir atrás de respostas já que ele não podia responder as perguntas dela por se importava apenas com o seu sangue e não com a história por trás disso.


 


Ela fora atrás de seu pai também e ele disse que ela fora trocada no hospital em que nascera. Sua mãe biológica e a verdadeira filha de seus pais já estavam a muito tempo mortos. Foi o que Narcisa dissera que ela havia contado. Aparentemente, Hermione não acreditava na história. Ela mesma queria ter a chance de fazer a pesquisa, se ele conhecia bem a mulher que dormia em sua cama.


 


Não que ele se sentisse curioso pelo caso de Hermione, mas também procurava por respostas. Era difícil de acreditar em qualquer chance das fadas humanas terem sobrevivido os séculos. Elas foram perseguidas por tanto tempo, mesmo depois que a razão para isso perdeu o sentido. A ideia de uma fada humana era a mesma da de um dinossauro, eles existiram em um período da história do mundo, mas estão extintos há anos.


 


Essa surpresa o levava buscar livros como fazia naquele exato momento sentado em sua cadeira no escritório de sua casa. Não era tão louco como Hermione. Ela passava o dia e a noite vivendo na biblioteca ou implorando permissão para ter acesso aos arquivos confidenciais do Ministério.


 


A verdade é que nada daquilo poderia dar respostas a ninguém. Nenhum livro poderia dar respostas, nenhum arquivo confidencial, nada. Se a verdade estivesse escondida em algum lugar, ela estaria na boca e na memória de pessoas que nem ele, nem ela conheciam. Procurá-las também se assemelhava bastante com a ideia de tentar encontrar uma agulha no palheiro.


 


Mas mesmo assim ele ainda procurava os livros assim como ela. Era um refúgio para a frustração da falta de resposta que tinham. Acabava ficando limitado a ler somente sobre a criatura mágica, mas era tudo que tinha. Todas as noites ele se recolhia em seu escritório até tarde e passava os olhos pelos livros que Hermione abandonara espalhados pela casa. Ficava surpreso com o tanto de informação que desconhecia sobre fadas humanas. Fazia todo o sentido sempre que ele lia e comparava com Hermione. Ela era perfeita em tantos sentidos que tudo fazia muito sentido. Sempre soubera que havia algo especial demais sobre ela no dia em que a vira lançar feitiços sem a ajuda de uma varinha. Na verdade, todo o treinamento que deu a ela usando as salas de simulação quando ela havia insistido para ir a campo com o exército foi o suficiente para que ele tinha certeza definitiva que ela era diferente.


 


Hermione sempre tivera sua forma de manipular as situações que ele criava usando magia. Até mesmo quando tirava a varinha dela para exigir que colocasse o corpo em ação, ela usava magia para aperfeiçoar a precisão dos movimentos que ele havia a ensinado. Era tão irritante que ela fosse a sabe-tudo que muitas vezes ele se sentira tentado em fazê-la passar por aquilo que seu treinador o fizera passar. Longas noites no frio para criar resistência. Longas horas sem comer. Flexões e abdominais eternos. Treinamentos para desestabilizar seu emocional. Gritos furiosos em seu ouvido a cada segundo. Lembrava-se do quanto pensara em mil maneiras de matar seu treinador durante as épocas mais difíceis, mas era difícil não se sentir como uma obra de arte sendo moldada a perfeição e por isso seria eternamente grato. Mas ele nunca faria Hermione passar por aquilo, pelo menos não na época em que a treinava. Gostava de ser mal somente o suficiente para criar o bom clima para sexo que normalmente faziam no vestiário mais tarde. Eles eram tão próximos aquela época que as vezes parecia que se conheciam e haviam sido daquela forma a vida inteira. Sentia falta daquela sensação. Sentia falta de Hermione.


 


Expos todas as armas logo a frente dela na sala de simulação. Distante, bem distante, ele colocara as latinhas alinhadas, exatamente como os trouxas faziam.


 


-       O que significa isso? – ela perguntou parecendo surpresa.


 


-       Armas de fogo, Hermione. Pensei que soubesse sobre as coisas do seu mundo. – respondeu cruzando os braços.


 


Ela lançou um olhar enjoativo.


 


-       Sabe que quero dizer sobre estar me colocando diante de armas de fogo. Essa é uma guerra bruxa. O que armamento trouxa influencia?


 


-       Voldemort pretende eliminar todos os trouxas da face da terra. Para isso precisa de todos os bruxos do lado dele primeiro, mas assim que declararmos guerra contra os trouxas, precisamos estar prontos em todos os sentidos para isso. É necessário conhecer os tipos de armas que usam, como usam e como funcionam.


 


-       Por isso treinamento com armas faz parte do programa de treinamento dos Comensais de Voldemort?


 


-       Apenas aqueles que estão no exército. - Ela soltou um murmúrio de que havia compreendido e aproximou-se das armas para analisa-las melhor. Draco apenas a observou e torceu para que ela não fosse boa com armas. Estava farto de vê-la ser boa em tudo e se ela fosse boa em armas, algo que ele que não era um dos melhores, desistiria de por fim de ficar perdendo seu tempo com Hermione nas salas de simulação. Mesmo que isso significasse fim de sexo no vestiário. – Já segurou armas de fogo? – perguntou aproximando-se.


 


-       Já. – ela respondeu e ele ficou surpreso com a resposta. Tentou não se sentir desmotivado, afinal ela havia crescido entre trouxas e não havia nada mais trouxa do que armas de fogo.


 


-       Certo. Podemos começar testando sua mira primeiro. – Pegou uma m9 entre os revolveres e a estendeu para Hermione que a pegou com um olhar desconfiado. – Irei mostrar como deve fazer e então poderá fazer em seguida.


 


-       Por que me deu a arma de menina?


 


Ele não entendeu.


 


-       Não é arma de menina, Hermione. É amar. - uma m9 podia ser tão fatal quanto qualquer outra.


 


-       Por que não usamos aquelas? – ela apontou para o rifles.


 


Ele riu.


 


-       Podemos ir para aquelas depois que conseguir ficar boa com essa.


 


Nenhum brilho de esperança apareceu na expressão dela ao ouvir aquela promessa. Tudo que ela fez foi apenas encará-lo com aquele olhar enjoativo por alguns segundos antes de simplesmente ajustar perfeitamente a m9 em sua mão, apontar para a latinha mais distante, aprontar a bala ativando o gatilho e atirar exatamente onde ele pensara que ela teria mais dificuldade. E como se não bastasse derrubar a latinha mais difícil, ela ocupou os segundos seguinte com a brilhante demonstração de sua mira ao derrubar todas as outras latinhas sem errar nenhuma delas uma vez sequer. Logo que ela abaixou a arma o silêncio que se estendeu entre eles foi o suficiente para que ela soubesse de que ele precisava de uma justificativa para o que acabara de ver.


 


-       Meu pai me levava para caçar com ele desde os seis anos. – ela viu claramente que ele não estava contente. – Também sei pescar, mas não acredito que pescaria faça parte do programa de treinamento do exército também.


 


Ele não riu da tentativa de descontração dela.


 


-       Qual é o motivo de sequer continuarmos com isso, Hermione? – sentia-se de alguma forma frustrado. A ideia de que ela fosse muito melhor do que ele em tantas coisas o irritava absurdamente.


 


Ela revirou os olhos.


 


-       São apenas armas, Draco.


 


-       Não. Não são apenas armas. A intenção de estarmos fazendo isso era a de te deixar tão preparada quanto qualquer outro Comensal do exército para poder ter a chance de ir a campo, mas não há nenhuma razão para continuarmos fazendo isso se você já sabe lidar com tudo da sua própria maneira e não abre mão dela.


 


Ele viu que ela quis revirar os olhos novamente.


 


-       Sabe que tenho justificativas plausíveis para discordar da necessidade de treinamento de combate físico. Sei fazer magia sem varinha e isso é mais do que o suficiente para evitar esse tipo de enfrentamento. Não é que não estou querendo abrir mão da “minha maneira”.


 


Foi a vez dele querer revirar os olhos.


 


-       Nem comece com suas justificativas novamente. Se não quiser seguir o programa, deveríamos parar de perder tempo.


 


-       Não estamos perdendo tempo.


 


-       Não? – ele foi irônico. Era inevitável que ela não entendesse que aquilo era uma perda de tempo.


 


Hermione suspirou e relaxou os ombros.


 


-       Certo. – devolveu a arma a mesa. – Talvez seja mais uma perda de tempo do que realmente proveitoso. – parecia lutar em ser honesta, mas suspirou mais uma vez e soltou. – Mas você vive longe e as vezes quando volta para a cidade nem sempre pode ir para casa e esse tempo que temos aqui... – ela parou. Não parecia ser aquilo que queria dizer. – Eu não sou boa em combate físico. Você já viu o suficiente para saber disso. Não quero ficar insistindo visto que tenho outra habilidade que cobre essa falha. Desculpe se isso faz parecer que não quero abrir mão da “minha maneira”. – foi honesta.


 


Ele se viu surpreso por escutá-la admitir que evitava algo por não ser boa. Logo ela, que era a admirável sabe-tudo. Aquilo fez com que ele tivesse um olhar muito mais humano sobre ela agora. Talvez se ele também fosse honesto ela também teria esse mesmo olhar sobre ele.


 


-       Não sou bom com armas. – decidiu dizer. – E o fato de você ser boa em tanta coisa tem me irritado. Sinto como se não tivesse te ensinado nada, quando a intenção era te ensinar.


 


Ela fez uma expressão de dúvida e sorriu. Aquele sorriso lindo.


 


-       Você me ensinou bastante coisa. Apenas tem a impressão de que não ensinou porque aprendi rápido. – ela disse e se aproximou dele. – Eu sinto que sou boa como você agora, não que sou melhor do que você e talvez você esteja irritado porque pensa que me vejo melhor do que você. – a voz dela foi suave. – Eu não me vejo melhor do que você.


 


Ele a encarou. Ela não poderia estar falando sério. Estreitou os olhos.


 


-       Você não é do tipo que não se acha, mentirosa.


 


Hermione encheu o ar com sua risada.


 


-       Certo. Eu sou melhor do que você. Mas você já sabia disso. Sabe disso desde Hogwarts. – aquela sim era Hermione.


 


-       Você é insuportável.


 


Ela tornou a rir.


 


-       Nunca serei melhor do que você em combate físico, se é que isso pode lhe servir de consolo.


 


Agora sim ele abriu um sorriso cheio de malícia.


 


-       Você sabia disso antes mesmo de começarmos a frequentar as salas de simulação.


 


Hermione revirou os olhos novamente e deu as costas. Talvez ela tivesse a esperança de vencê-lo na cama algum dia. Foi até os rifles e analisou-os como se estivesse reencontrando velhos amigos.


 


-       Quero ver sua pontaria.


 


-       Eu disse que não sou bom.


 


-       Você não deve ser tão ruim.


 


-       Eu já disse que não sou bom. – insistiu ele. A menor de suas vontades sequer passava perto de provar a Hermione que ela realmente era melhor.


 


-       Eu não estou querendo ver como você ser ruim. Estou querendo ver no que eu posso ajudar.


 


Ele estreitou os olhos. Não acreditava naquele tipo de coisa, mas ele vinha conhecendo ela aos poucos e as vezes se surpreendia com o coração que ela tinha. Não era possível que fosse verdade. Que ela fosse assim sem qualquer intenção deturpada por trás.


 


Mas ela provava todos os dias a ele que era real. Que seu coração era genuíno. E por isso, por não ter tido a dúvida no momento, foi até os rifles, pegou uma AR15 e mirou diretamente na última latinha que ainda restava de pé.


 


Odiava armas. Odiava qualquer coisa relacionada a trouxas, na verdade. Era apenas um sentimento que partiu de sua criação, não era nada causado por qualquer trauma. Apenas não gostava da engenhosidade das coisas que eles criavam. Eles viviam em constante busca poder reproduzir magia em suas engenhocas. Draco sabia como funcionava a maioria delas. Podia dirigir um carro, manejar uma arma de fogo, ligar e desligar uma televisão, usar um telefone, mas nunca se aprofundava em aperfeiçoar mais do que o necessário sua proficiência.


 


Atirou a primeira vez e errou. Por pouco. Na segundo conseguiu derrubar a latinha. Abaixou a arma e usou a varinha para colocar várias delas de pé novamente. Tornou a mirar na mais longe e errou duas vezes antes de finalmente derrubá-la. Isso porque estava trabalhando com alvos estáticos. Se eles estivessem em movimento, teria errado cinco vezes antes do acerto.


 


-       Sua técnica é boa. – foi a avaliação dela. – Você não é ruim.


 


Ele teve que rir daquela declaração.


 


-       Sinto-me mais mal por não ter sido honesta do que se tivesse.


 


-       Não estou mentindo, Draco. Sua técnica é perfeita e você não é ruim. O problema está entre você e o alvo.


 


-       O que quer dizer?


 


-       Quero dizer que você não está se conectando com o alvo. – ela talvez tivesse pensando que aquilo fosse fazer sentido para ele, mas assim que percebeu que ele se manteve em silêncio porque esperava que soltasse uma explicação, continuou. – Eu acredito que haja algum tipo de resistência da sua parte por estar usando algo trouxa. Você talvez não acredite que seja tão fatal quanto uma varinha. Você não acredita na ferramenta que está usando.


 


Ele riu apoiando-se no rifle.


 


-       Isso é profundo o suficiente para um poema, se quer saber. – teve que ser sarcástico.


 


-       Isso é mais sério do que você imagina. – ela foi séria e puxou o rifle dele. – Você precisa sentir a energia. – estendeu a arma para ele. – Mire novamente. – pediu e ele hesitou antes de pegá-la. – Vamos. – insistiu ela e ele acabou cedendo a sua vontade. Tinha curiosidade pelo que ela teria a dizer, mesmo que estivessem invertendo seriamente os papéis ali. Pegou a arma e mirou em uma das latinhas. – Vá com calma. – ela o alertou pacientemente quando o viu se apressar. – Primeiro precisa sentir o peso da arma. Não somente para ter consciência do nível da força que precisa manter, mas para ter consciência de como ela se ajusta a você. – a voz dela ficou suave e baixa a medida que se aproximava. Os dedos dela tocaram levemente seu cotovelo para mostrar que ele deveria levantá-lo um pouco mais. Ele apenas seguiu a ideia que ela pretendia vender ali. Não que sentisse que precisava atirar como ela, mas tinha curiosidade de saber se aquela teoria profunda dela poderia servir de algo. – Precisa sentir que faz parte de você, que é uma extensão do seu corpo e que pode ser fatal. Precisa sentir a engenharia do que segura e do poder que ela te passa. – talvez ele não fosse capaz de se conectar com toda a engenhosidade da ferramenta que tinha nas mãos, mas o fato dela ser fatal era o suficiente para lhe deixar consciente do poder. Tentou concentrar-se nisso. – Antes de apertar o gatilho, você precisa se conectar com o seu alvo. Isso vai além da mira. Precisa entender que há algo em comum entre vocês. O alvo tem tanto receio de ser atingido quanto você tem o receio de errá-lo. – a mão dela escorregou sobre a sua e seu indicador acomodou-se junto com o dele sobre o gatilho. – Você não é o atirador, você é a bala. – a voz dela estava em seu ouvido. – Concentre-se no caminho que deve fazer, no impulso que vai receber, na reação que vai causar. – ele conseguia se concentrar apenas no calor do hálito dela contra a lateral de seu rosto. – Apenas atire quando sentir que por mais distante que seu alvo esteja, o receio em comum que dividem os tornam únicos e tão próximos.


 


Draco deu seu melhor ao tentar se conectar com seu alvo. Ainda sentia-se distante da idealização que ela poetizara, mas sua concentração para atingir aquele nível fez com que ele realmente sentisse que aquela ferramenta era uma extensão de seu próprio corpo. Concentrou-se naquela sensação e se permitiu mergulhar nela sem perder a mira de seu alvo. Quando apertou o gatilho, imaginou toda a engenharia daquela arma jogando o impulso para a bala, que cortou pelo cano em menos de um segundo e em não muito mais do que isso, derrubou a latinha distante. No momento em que quebrou sua concentração, percebeu que seu alvo estava muito mais distante do que aparentava segundos atrás.


 


-       Viu? – a voz suave de Hermione novamente. – Não basta somente a técnica, somente saber como segurar, como mirar, como disparar. - Ele a encarou. Ela abriu um sorriso satisfeita. – Tente sempre encontrar a conexão. Isso é uma arma e é fatal. Não é apenas um brinquedo de trouxas. - Ele deslizou sua mão pela cintura dela e a girou para ficar de frente a ele. Seus corpos juntos. Hermione puxou o ar em resposta sem quebrar o contanto visual que mantinham. – Você deveria tentar mais uma vez. – a voz dela foi muito baixa agora.


 


Ele sorriu.


 


-       Eu vou. – afastou os cabelos dela do ombro e tocou sua nuca. O hálito dela próximo a ele já havia sido tentação o suficiente. – Preciso apenas fazer algo antes. – E a beijou.


 


As vezes a vontade de tocá-la lhe crescia tão intensamente que nem mesmo o contato físico era suficiente. Era naqueles momentos que ele sentia que a queria de qualquer jeito que fosse. A queria insuportável como era, ou sabe tudo como era, encontrando soluções para problemas impossíveis ou soltando teorias ridículas e sem sentido. Suada, descabelada, rosto inchado ou não, era ela, Hermione, e ele a queria.


 


Largou a arma e a cercou pela cintura, para ter certeza de que não havia nenhum espaço vazio entre seus corpos.  Ela por sua vez, cercou-o pelo pescoço e suas bocas dançaram unidas como já haviam feito tantas outras vezes. Ela era familiar, o gosto dela, a textura, o formato dos lábios, e isso não era enjoativo como sempre havia sido. Era confortável e acolhedor. Fazia com que ele a quisesse ainda mais.


 


Contatos como aquele eram diferentes. Eles haviam desenvolvidos essa forma de se beijar completamente a parte da cama, do sexo, do desejo intenso. Haviam descoberta aquela forma de contato quando a falta que tinham um do outro por passarem tanto tempo distantes os aproximavam intimamente.


 


Afastou-se para poder encara-la. Aquele lindo rosto. Independente do aparente cansaço em sua expressão, ela era linda. No momento em que ela o presenteou com o brilhos âmbar de seus olhos ele sorriu. Ela também não hesitou em abrir seu sorriso e aquela simples troca de sorrisos foi o suficiente para que ele quisesse nunca mais soltá-la.


 


-       Quando você vai embora novamente? – ela perguntou baixinho, penteando seus cabelos com os dedos.


 


-       Hoje, no fim do dia. – ele selou seus lábios rapidamente sobre os dela apenas mais uma vez.


 


-       Mas você acabou de chegar. – talvez ela estivesse resmungando. Se estivesse, havia disfarçado bem.


 


-       Eu nem deveria ter vindo. Nem mesmo na Europa eu deveria estar agora. – havia insistido numa justificativa para voltar a Brampton Fort, nem que fosse por algumas horas. Seria idiota em encontrar desculpas para dizer que não havia sido por sentir falta do calor dela.


 


-       Então não vai jantar hoje em casa?


 


-       Por que? Você quem vai fazer o jantar?


 


-       Se eu fizesse você ficaria?


 


Ele riu. Com certeza faria poderia um esforço, mas aquilo estava fora do seu poder de escolha.


 


-       Você sabe que a decisão de ficar ou não, não está nas minhas mãos.


 


-       Hum... – talvez ela tenha resmungados outra vez.


 


Ele selou seus lábios outra vez nos dela tentando gravar na memória a maneira como sentia o formato deles contra os seus.


 


-       Está pronta para o vestiário? – ela entenderia a pergunta e esperava que a resposta não tivesse nada que remetesse a explicações de seu período fértil.


 


-       Estou pronta desde quando o vi pisar na Catedral. – foi a resposta dela.


 


Aquela memória o atormentou por muitos minutos. Quem era aquela Hermione que havia aberto sorrisos para ele? Ele sentia falta daquela Hermione. Sentia tanta falta que poderia facilmente se imaginar no deserto, morrendo de sede, ansiando pelo cantil cheio de água que perdera no meio do caminho.


 


Teria sido ali que ela havia começado a se apaixonar por ele? Teria sido antes? Teria sido real entre eles? Aqueles sorrisos, os toques, os olhares? O que ela havia sentido? O que ela havia pensado? Como havia sido para ela? Teria sido para ela como havia sido para ele? Será que ela se sentia tão no deserto quanto ele? Definitivamente não. Ela tinha aversão a ele agora e se ela havia admitido que quase se apaixonara e sequer conseguia suportar sua presença agora o que será que ele havia sentido então? Será que era mais forte? Será que ele havia se apaixonado e não sabia? Seria se apaixonar tão horrível assim?


 


Se ele estava apaixonado por ela, isso significava então que ele a amava? Será que ele a amava como seu pai amava sua mãe? Será que tentar afastá-la, tentar se livrar do que sentia por ela, o faria ser exatamente como seu pai? Será que seu coração endureceria e esfriaria tanto ao ponto de fazê-lo agir e pensar da forma como seu pai havia agido e pensado sua vida inteira? Porque foi o que ele havia entendido. Seu pai era a pessoa que era porque não se permitia aceitar o amor que tinha por sua mãe. Seria Hermione a pessoa que ele amaria a esse ponto? Seria ela a mulher que fora destinada para ter seu coração? Passara tanto tempo de sua vida não a querendo, sequer se importando com a existência dela, como que de repente ele poderia querê-la tanto? Não queria ser como seu pai.


 


Encarou a figura de Morgana desenhada na página do livro que tinha aberto em sua mesa. Ela se parecida bastante com Hermione agora que ele tentava achar semelhanças. Ou na verdade Hermione se parecia com ela. O formato do rosto, as curvas do cabelo, a cor dos olhos, o corpo. Havia algo nelas bem familiar. Morgana era incrivelmente linda e aquilo era só uma figura. Havia poder apenas no olhar e se a história não contasse o quão maligna ela fora, ele poderia ter facilmente imaginado a paz e a voz pacífica de Hermione nela. Hermione tinha um coração que jamais seria como o dela. Por mais que Hermione estivesse se tornando fria aos poucos, era apenas uma máscara. Ele sempre apostaria no ingênuo e irritante coração sincero que ela tinha.


 


E ali ele estava preso nos milhões de pensamentos que tinha por culpa de Hermione. Por culpa daquilo que sentia. Por culpa das circunstâncias da vida. Draco sabia que precisava tomar um decisão. Adiá-la só continuaria a pior tudo. Não queria ser seu pai. Não queria aceitar aquilo que suas vontades lhe exigiam a respeito de Hermione. Não acreditava que ela fosse uma fada humana. Mas se ela era, ela precisava saber do poder que tinha. E ela estava tão perdida e sozinha...


 


Levantou-se e fechou o livro. Precisava tomar uma decisão agora. Puxou seu copo de whisky e o virou de uma vez. Talvez você faça aquilo que sempre imaginou que nunca fosse fazer na vida. Pensou. Talvez você cometa o pior erro de sua vida, porque sabe das razões que sempre o levou a imaginar que nunca poderia fazer isso. Encheu o copo mais uma vez. E se você continuar pensando na matemática, continuar se baseando nas suas estatísticas e porcentagens, você verá que sairá perdendo independente da circunstância. Mas não importa. Não importa porque nada nunca lhe falou tão alto assim. Talvez seja seu coração. Virou o copo. Talvez você deva confiar nele. Se você der somente uma chance, talvez pela primeira vez, ninguém poderá dizer que é exatamente como seu pai.


 


Subiu até a biblioteca. Estava escuro por lá e havia livros espalhados por todo o lugar. Aquela havia se tornado a nova casa de Hermione e ela não parecia estar se importando com organização naquele momento. Era início de noite e ele teve um pouco de dificuldade para encontra-la, mas quando finalmente a encontrou, ela estava numa das varandas que separava as estantes principais sentada no escuro encarando o vasto jardim dos fundos de sua propriedade. Talvez ela estivesse em transe e ele se aproveitou do momento de concentração dela para simplesmente espiá-la, ali, pela fresta das cortinas finas que balançavam pela corrente de vento que as portas abertas permitiam a entrada. Ele observou seu cabelo trançado, sua postura distraída, a mão que ela mantinha sobre a barriga que do dia para noite simplesmente ficou enorme.


 


-       Eu sei que você está aí. – a voz dela veio suave, mas fria.


 


Ele se surpreendeu por ser notado. Aquilo era uma prova de que ela havia praticado algo que aprendera nas aulas de concentração e alerta constante que ele havia lhe dado.


 


-       Posso ser sua companhia por cinco minutos? – ele perguntou quando se aproximou e passou para o lado de fora.


 


-       Essa é sua nova forma de dizer que quer conversar? Você nunca foi do tipo que usou indiretas. Estou ocupada agora. – aquela inverno que saia dela o irritava e ele tinha que se conter para não ser a pessoa que era e acabar estragando e tornando as coisas ainda mais irremediáveis entre eles.


 


-       Não parece estar ocupada. – foi cuidadoso.


 


-       Só porque não pareço, não quer dizer que não estou.


 


Ele se viu tentado a ter que contar até cem para poder medir suas palavras antes de soltá-las.


 


-       Posso, por favor, só ter cinco minutos da sua atenção? – tentou se focar nas dezenas de vezes em que ela havia sido paciente com ele no passado.


 


Ela puxou o ar parecendo estar decidida a insistir que estava ocupada, mas antes dele ser obrigado a escutar mais uma vez o tom seco dela, a viu soltar o ar e suspirar. Ela não verbalizou nada, mas deu de ombros em sinal de que concedia a ele os cinco minutos, ou seja lá o que fosse.


 


Draco aproximou-se sabendo que era a primeira vez em muito tempo que eles estariam no mesmo ambiente, sob o silêncio, sem ignorar a presença um do outro, pela primeira vez em muito tempo. Ele se sentou numa das cadeiras de frente para ela, não tão perto, mas também não tão distante. Aquilo era muito, mas muito mais incomodo do que ele esperava que fosse. Ela colou os olhos nele e ele a encarou também. O silêncio preencheu o espaço entre eles e Draco tudo que ele havia pensado em começar a discutir foi apagado de sua cabeça no momento em que suas mãos começaram a suar.


 


Ela estava linda. Havia algo diferente nela, algo especial. A mágica de estar gerando vida dentro dela colocava algo a mais em sua aparência, em seu olhar, na forma como se movia, respirava. Ele não conseguia dizer, não conseguia definir, mesmo que a estudasse, mesmo que tentasse encontrar o que realmente havia de diferente.


 


-       Estou esperando você dizer algo. – ela quebrou o silêncio entre eles. Seu tom ainda insistia em mostrar a barreira que havia entre eles, mas o modo como ela acomodou a trança em seu ombro e deslizou as mãos sobre o volume de sua barriga o fez se questionar se ela também não estaria nervosa.


 


Ele pensou em comentar o quanto ela vinha sendo ríspida ultimamente, mas sabia que aquele não era o motivo de estar ali. Ela tinha todos os motivos dela para estar agindo como estava e parecia bastante convicta deles. Desviou o olhar dela, apoiou os cotovelos um em cada joelho e encarou o chão apenas por alguns segundos.


 


-       Li que eles já conseguem nos ouvir. – esperava que aquele fosse um bom começo. – Consegue senti-los com mais frequência agora?


 


Ainda havia uma aparente resistência da parte dela, mas a viu encarar a própria barriga e responder:


 


-       Todo o momento.


 


Foi tudo que ela disse e o silêncio que se seguiu o frustrou. Os filhos também eram dele e ele queria muito mais informação do que aquilo. Pensou em demonstrar seu descontentamento, mas perceber rapidamente que não seria prudente.


 


-       Como está se sentindo? – tentou ir por outro caminho.


 


Ergueu os olhos para ela a tempo de receber em resposta um olhar curioso.


 


-       Grande. – ela decidiu responder, mas parecia incerta.


 


Ele não queria saber o que ela sentia em relação ao seu físico.


 


-       Estou falando do seu coração, Hermione.


 


O olhar dela focou-se nele severamente quase que no mesmo segundo.


 


-       Por que você se importaria em saber?


 


-       Por que você está carregando os meus filhos e eu me importo com sua saúde mental e sentimental. – não era bem verdade e ele se deu conta do quanto era difícil verbalizar que se importava com ela, independente de estar carregando seus filhos ou não. – Sei que estamos nos evitando e eu entendo que você não me quer por perto. Eu aceito a culpa que tem jogado em cima de mim, não pelo que pensa que eu seja ou que eu fiz com você. Eu nunca me aproveitei da sua vulnerabilidade. Eu me abri pra você tanto quanto você se abriu para mim, do meu jeito único. A única culpa que eu assumo é a de ter tomado a decisão de te afastar. Juro que se eu tivesse ideia de que chegaríamos a esse estado eu teria feito diferente. – o olhar dela sobre ele era silencioso e curioso. – Mas eu não estou querendo sua atenção agora para discutir o quanto eu pensei coisas erradas sobre você e o quanto você pensou coisas erradas sobre mim e o quanto sou mais culpado do que você nessa situação toda. Eu sei que cometi erros a respeito de você minha vida inteira e isso não é fácil de verbalizar. Apenas acho que é injusto que você tenha que estar sozinha logo agora que tanta coisa tem acontecido com você. É frustrante te observar ficar horas aqui dentro em cima de livros, é frustrante te ver implorar para ver Voldemort, é frustrante te ver se humilhar para Severo em busca de respostas, é frustrante não te ver aproveitar sua gravidez, sorrir, se sentir bem. É frustrante carregar uma parcela de culpa nisso tudo...


 


-       Onde quer chegar, Draco? – ela o cortou. Suas sobrancelhas estavam unidas, como se houvesse algum tipo de receio ainda a segurando.


 


Ele suspirou.


 


-       Entenda que eu não estou pedindo por perdão. Estou acostumado a carregar culpa por muitas outras coisas. – talvez não devesse ter dito aquilo porque ela ergueu as sobrancelhas imediatamente.


 


-       Você não pode abrir mão do seu orgulho por um minuto sequer, não é mesmo? – ela foi fria.


 


-       Não é isso, Hermione! – ele teve que apressar-se. – Eu não pediria perdão porque não seria justo. Eu realmente não sinto que o mereço. Eu entendo o significado de consequências. Você faz escolhas e deve aprender a lhe dar com elas. Simples. O que estou fazendo aqui não tem muito a ver com a nossa situação. Queria apenas poder te ajudar de alguma forma, mesmo sabendo que você não me daria ouvidos.


 


-       Ajudar com o que? – ela já parecia mais longe do ceticismo agora.


 


-       Com toda essa loucura sobre o seu passado e...


 


-       Eu sei do meu passado. Eu sei o passado que tive e o que sou...


 


-       Não, Hermione. Eu não vim aqui pra te convencer de nada. Não me importa que sangue corre em suas veias. Não me importo que seja Nascida Trouxa, ou descendente de Morgana, ou a bruxa mais poderosa dos últimos tempos. Me importa quem você é, o seu coração, os seus pensamentos. É isso que te faz, não seu sangue, não o seu poder. – dessa vez não havia mais ceticismo algum do olhar dela. Assim que ela desviou o olhar dele de volta para o horizonte, Draco notou o quanto eles brilharam e ele torceu para que ela não chorasse. Ele não saberia mais lidar com a situação se ela chorasse. – Eu sei que tem dedicado todo o seu tempo em tentar encontrar respostas. Fico até surpreso que não tenha se esquecido completamente do seu papel com a Comissão, mesmo com tudo que tem vivenciado. E eu realmente não sei quais são os pensamentos que tem atormentado sua cabeça, não sei quais sentimentos tem sentido. Apenas queria saber se em algum momento pensou no significado disso tudo. No significado de ser o que estão a acusando de ser.


 


Ela uniu as sobrancelhas confusa ainda perdida no horizonte que a varanda dava vista.


 


-       Não há significado. – foi o que ela disse um tanto perdido em sua própria cabeça. Ele viu a chance de interagir com ela sem receber frieza em resposta naquele momento em que percebeu que deixara de ser Draco Malfoy ao lado dela e passou a ser apenas uma voz. – Se houver algum significado, é o de destruir tudo que acreditei minha vida inteira. O de destruir minha família, meus pais, as pessoas que eu mais amei na vida até agora.


 


Ele deu segundos para que ela pudesse absorver o que havia dito antes de contradizê-la.


 


-       Eu não acredito nesse significado e não creio que seja saudável que você faça o mesmo. – ele pode quase sentir a onda de raiva que quis surgir nela, mas interviu antes que houvesse a chance. – Aposto que se fechasse os olhos agora e tentasse se concentrar no jardim a sua frente, poderia senti-lo tão vivamente que talvez até mesmo se visse como parte dele. – sabia que fadas humanas sempre haviam tido uma conexão especial com a natureza. Era de onde boa parte da força e o poder que tinham vinha. – Aposto que se conseguisse se concentrar, sentiria o vento passando pelas folhas como se elas fossem você. Aposto que conseguiria sentir o oxigênio as deixando. Aposto que teria consciência de cada pequenos ser rastejando ou voando de um lado para o outro. – ela pareceu confusa por um ou dois segundos. – Aposto que conseguiria sentir a força as flores e dos frutos que estão florescendo ou amadurecendo das que estão morrendo ou apodrecendo. – ela fechou os olhos e ele deu a ela todos os minutos que ela precisava até ver a pequena veia de concentração em sua têmpora saltar. – Aposto que talvez possa até mesmo manipular tudo. Aposto que pode até mesmo controlar tudo.


 


A veia de concentração dela continuou a lhe passar o sinal de que talvez fosse o momento de apenas ficar em silêncio. Os segundos do minuto que se seguiu arrastou-se lentamente enquanto ele a observava cheio de expectativa. Na verdade, não esperava que nada de extraordinário acontecesse, aquele era um momento dela, mas se viu sem reação quando ela simplesmente abriu os olhos assustada e puxando o ar no mesmo segundo em que um vento passou por eles e não muito distante um bando levantou voo da junção de árvores ao fim do jardim.


 


-       Acho que acordei os pássaros. – ela sussurrou surpresa a e assustada, mais para si mesma do que para ele.


 


Draco sorriu. Sorriu por dois motivos. Primeiro porque ela era linda e ele nunca se cansava de como havia momentos em que ela simplesmente roubava dele o oxigênio. Segundo porque ele finalmente sentiu que havia conseguido dar a alguém a chave de acesso para uma nova área de domínio que já estava pré-programada há muito tempo, da mesma forma que ela havia dado a ele aquela vez, na sala de simulação, quando ele era incapaz de entender por completo a ferramenta fatal que uma arma de fogo poderia ser.


 


-       Não tenha medo. – fez sua voz soar novamente de modo muito cuidadoso. Ela desviou seu olhar assustado para ele. – Você é especial. Não há nada de errado com isso. – aquilo não pareceu acalmá-la. – Eu gostaria de ser um apoio. Eu gostaria de te ajudar a entender e aceitar isso, mesmo que eu também não faça a mínima ideia de como funciona. Eu apenas não queria que se sentisse sozinha. – nunca havia se importado com ninguém daquela forma além de sua mãe. – Mas eu entendo que você queira me manter longe, eu entendo as consequências das minhas escolhas. – preparou-se para colocar tudo em risco. – Só queria que soubesse que eu errei com você porque tive medo daquilo que estava começando a sentir, da conexão que tínhamos, do quanto era único. Há motivos pelo qual odeio ser comparado com meu pai e um deles é porque sei a tendência que tenho de ser exatamente como ele. E eu não quero ser como ele. Eu não quero sequer arriscar ser como ele. Portanto, independente de todas as dúvidas que eu tenho a respeito daquilo que eu sinto em relação a você, não quero ter a chance de me tornar frio, de me tornar duro e ríspido, de continuar tomando decisões irracionais que possam te machucar ainda mais com o passar dos anos, apenas porque não sei aceitar que posso amar você. Apenas porque não sei aceitar nem entender aquilo que sinto por você. – suas mãos nunca haviam suado tanto em sua vida. – Então... – sua boca estava seca. Era tão difícil entender que estava naquela situação que sentia como se não fosse realmente ele mesmo. – Eu não sei o que sinto, Hermione. Eu não sei se é durável, não sei se é confiável. Apenas me cansei de fingir que não sinto nada. Cansei de fingir que a situação em que estamos não me afeta. Cansei. – esfregou suas mãos molhadas. – Se você acha que eu me aproveitei da sua vulnerabilidade, estou abrindo a minha para você agora. Se quiser se aproveitar dela como acha que fiz com você, ao menos vamos estar quites em sua cabeça e eu estaria bem com isso, em parte. – precisou de alguns segundos para processar se havia qualquer outra coisa de fora. – Precisava que soubesse disso, mesmo que talvez não acredite em uma só palavra. – levantou-se. – Sinto muito ter tomado um pouco mais do que cinco minutos.


 


E foi embora com a imagem de uma Hermione sem qualquer reação.
























NA: Meu povo! Que loucura! Aí vai mais um capítulo que saiu não sei como na correria da vida, sem revisão sem nada! Sei que não me manifestei nem nada esse mês, mas vocês não fazem a mínima ideia do tanto de compromisso que estou tendo. Não acho justo que todo mês eu apareça aqui falando o quanto as coisas estão difíceis e deixe vocês pensando que na verdade é tudo preguiça minha. Faz um dois-três meses que recebi uma promoção no meu antigo emprego. O trabalho triplicou e foi uma loucura, mas não muito tempo depois dessa promoção, recebi uma proposta incrível para fazer parte de uma equipe sensacional, gigantesca e mto bem conhecida numa área que eu tenho formação, mas nunca atuei. Uma área que eu sempre amei e que eu nunca pensei que fosse conseguir crescer nela por falta de oportunidade e por ser muito seletiva. Daí eu acabei trocando de emprego. Isso acabou com a minha qualidade de vida! Primeiro porque estou precisando me dedicar muito, pra provar que meu padrão de qualidade encaixa no que eles precisam e todos esses paranauê de emprego novo. Muita hora extra. Muito trabalho que levo pra casa. Muita canseira. Sem contar que faltam poucos meses pro meu casamento e quem já casou sabe a trabalheira que essas coisas dão. Sem contar que também estou cursando algumas matérias de composition, storytelling, creative writing e blablabla de noite porque quero invertir nessa parte da minha vida.
Então o que eu realmente quero dizer é, me perdoem por não estar interagindo tanto com vocês como antes, por não estar fazendo capinhas e essas coisas, e me perdoem se caso a qualidade da escrita ou da fic esteja ficando de alguma forma comprometida. Tento fazer o meu melhor dentro da disponibilidade que consigo. Os capítulos no dia 04 vão continuar, fiquem calmos. Só queria esclarecer tudinho pra vcs não acharem que eu dei a louca e sumi sem motivos.
Vejo vocês no próximo dia 04 e não esqueçam de comentar! Leio todos eles com muito carinho e me sinto muito honrada por recebê-los! Vocês são demais! :) 

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Comentários (18)

  • Byanca

    MENINA COMO VOCE ME ACABA UM CAPITULO DESSE JEITO?E esse Draco maravilhoso sem perder a classe? eu não to acreditando como você consegue retratar um Draco da forma que eu sempre imaginei, de verdade esse cap foi um dos meus preferidos.Eu não sei como vou me aguentar até o próximo dia 04, é muito tempo sem ler algo tão bom. 

    2015-09-06
  • Laauras

    Cara, não dá pra parar logo nessa parte! Pelo amor de Jesus, que aflição!!Esperano o próximo capítulo urgente! 

    2015-09-06
  • Gabean

    C-A-R-A-L-H-O QUE CAPÍTULO FOI ESSE MEU MERLIN? CHOREI.Já tava mesmo na hora do Draco manifestar seus sentimentos, né!? Quero muito POV da Hermione para saber suas reações quanto as palavras do nosso (Lindo) Malfoy. Esse cap sem sombra de dúvidas é um dos meus preferidos.Enfim, obrigado pela consideração conosco e até dia 04!Beijosss ♥

    2015-09-05
  • Karla Dumbledore

        Ahhhhh! Como você faz isso comigo? Para o capítulo bem nesta parte? Quer me matar?     Adorei esse capítulo e ele me deixou sem fôlego e morrendo de curiosidade sobre o que vai acontecer agora. Ainda estou com o coração quase saindo pela boca!     Passei aqui rapidinho para ver se você tinha atualizado e não resisti e tive que ler tudo (rsrsrsrs)! Mas agora tenho que ir.     Obrigada por não deixar seus leitores na mão e espero que o próximo dia 04 chegue logo (rsrsrsrs).

    2015-09-05
  • Elida

    Amei o capítulo, como sempre. O Draco falou tudo aquilo que eu queria que ele falasse para ela, principalmente em  um momento como esse, acho que tenhos que agradecer ao pai dele por ter aberto os olhos do Draco. Daqui uns capítulos ele acaba falando que ama ela.Boa sorte no seu emprego novo e força para arrumar tudo do seu casamento, e a qualidade da fic não caiu não, mas não nego que sinto saudades daqueles capítulos enormes. Muito ansiosa para o próximo.Beijos

    2015-09-05
  • bbta black

    Fran, nós entendemos vc. Essas coisas acontecem, fica tranquila, todo mundo tem um período muito corrido e atarefado.Fico muito feliz que vc tenha tanta consideração concosco. Quero agradecer isso e te dizer que estaremos sempre aqui pq sua fic é maravilhosa e nós amamos tudinho que vc escreve.Agora sobre o cap...Fiquei de queixo caido. Estava louca pra isso finalmente acontecer e o Draco tomar uma atitude de homem e dizer que sente algo por ela (dizer que a ama seria demais, sei disso rs).Adorei o cap, adorei a Mi aprendendo a controlar o vento e amei o lado sensível do Draquinho.Espero que eles possam se unir de uma vez para vencerem essa guerra e serem felizes mas espero muitos caps antes disso :)Espero que a Narcisa possa se entender com o Lucius, nunca gostei mto dele mas esse cap mostrou como ele e o filho são iguais, espero que os dois possam se entender com as mulheres que amam e aprendam a ser pessoas melhores.Já to ansiosa pelo próximoe estou torcendo pra vc se dar muito bem no emprego novo.Beijinhos. 

    2015-09-04
  • juliana vieira

    nossa que capitulo foi esse, era issso que eu queria, essa atitude de draco, essa confrontação com os seus sentimentos, e sei que la no fundo hermione sente o mesmo. sei que ira ter muita coisa ainda pelo meio, mas ela ja sabendo disso , ja é um grande passo. amo, adoro essa fic, e fico sempre esperando o dia 04 para ler.

    2015-09-04
  • Mimi Potter

    Caceta! Quando a gente acha que não tinha mais nada pra confundir a vida alguém vai lá e puxa de vez o tapete. ESTOU PASSADA COM O LÚCIO! VOU MARTELAR MUITO ISSO no meu tempo livre(cada vez menor hehe). Tretas, tretas e mais tretas meu deus!   E O DRACO, CARALHO, ELE DISSE! BASICAMENTE DISSE QUE AMA ELA! PQP, SEGURA ESSE FORNINHO HERMIONE! Nossa, se eu fosse ela, nessa situação toda ia pensar "Cara, Merlin tá de sacanagem comigo! Agora até DRACO MALFOY ME AMA!" HAHAHAHA ENFIM, depois comento melhor q to atrasando todo mundo pra uma festa!

    2015-09-04
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